Sábado publicámos uma espécie de Idiot’s Guide para o Web Summit. Não gostamos de pensar em nós como influencers (a não ser que o Diretor de Marketing de alguma marca de vinhos, cervejas ou bebidas espirituosas esteja a ler), mas devemos ter influenciado qualquer coisa. A verdade é que, menos de 48 horas depois, os idiotas começaram a chegar. Não foi difícil dar com todos eles. No passado teríamos de procurar exaustivamente e, talvez, se tivéssemos sorte, os encontrássemos concentrados no mesmo local. Em 2019 basta um jantar-comício do Chega, ou, neste caso, uma hashtag e algum tempo livre.

Como em todas as observações de vida animal, é essencial não interferir na ação da espécie observada. No caso, trata-se de uma criatura complexa cujo estado evolutivo o situa algures entre o homo sapiens e um growth hacker. Se esperarmos tempo suficiente, esta criatura acabará por vivenciar um ou mais de quatro estados: solidão, necessidade de validação social, tédio ou indignação. Qualquer um destes sentimentos levará a um momento de performance digno da nossa atenção. O animal ganhará uma consciência aguda do Outro e agirá por forma a garantir uma reação, por vezes desprovido de noção. Se tivermos muita sorte, nesse momento que se dá o acontecimento a que a comunidade zoológica convencionou chamar de vergonha alheia.

A etimologia popular tem tentado convencer-nos de que a convergência semântica entre as palavras idiota e ideia permite postular que um idiota é alguém com muitas ideias. Feito este esclarecimento, observemos então a chegada dos idiotas.

Para Andrew Funk, o dia amanheceu com céu nublado e a perpetuação de uma péssima ideia, o “homeless entrepreneur”. É mais ou menos o que estão a pensar. Andrew chegou de Barcelona para vir dormir na rua. A natureza performativa das redes sociais tem destas coisas. Andrew passará os próximos dias a consciencializar pessoas e a publicar tweets como este, que conseguem a proeza improvável de nos fazer desejar que Andrew acabe, de facto, a viver debaixo de uma ponte, de preferência sem um bilhete para eventos de empreendedorismo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De resto, há algo de premonitório na sua condição, uma vez que este será o destino de vários outros empreendedores quando derem por si caídos de bebâdos depois da segunda ou terceira sessão de “speed networking”, vulgo shots.  Andrew anuncia ao mundo que o objectivo é fazer empreendedorismo com sem-abrigos. Ninguém percebe muito bem o que ele quer dizer, mas soa melhor do que não fazer nada. Poder-se-ia pensar que dois cínicos como nós enfiariam a viola no saco depois deste corolário, mas desengane-se quem acha que desistimos assim tão facilmente. Falta ali uma palavra sonante, uma buzzword – fintech é uma buzzword, artificial intelligence são duas. Podia ser uma sigla – SaaS, B2B2C, C3PO, PQP. Enfim, há uma panóplia de opções melhores do que #HomelessEntrepreneurs, mas não é por isso que deixa de ser o início de uma ótima ideia para um futuro episódio de Black Mirror.

Aqui o amigo Ben cagou para a exportação do pastel de nata e prefere antes levar os Tuks Tuks do Castelo de São Jorge para a ilha de Guernsey no Canal da Mancha. Por favor Ben, leva-os a todos. Não sabemos quanto a vocês, mas estes que vos escrevem suspeitam que está aqui uma das melhores ideias que vamos ver durante todo o Web Summit. Não por acaso, estamos a escrever isto quando o evento praticamente ainda não começou.

A melhor maneira de alguém provar que esteve no Web Summit em 2019 é tirar uma fotografia junto a uma destas volumetrias. Este tweet teve direito a 5 favs, 3 dos quais de familiares que só assim souberam que o rapaz tinha chegado bem. O copy esclarece: Sleva acabou de vir ao mundo, pelos vistos. É assim que se anuncia, como que pronto para abraçar os 70.469 participantes no evento — pelo menos os que conhecem a origem da expressão “hello world” no contexto de um evento tecnológico, vulgo geeks. É bom que o Sleva tenha trazido consigo um daqueles frascos de desinfetante. São muitos.

Até o Harvey Weinstein ficou desconfortável.

Desengane-se quem acha que estas cartolinas deviam ser criminalizadas. Nada mais errado. Cumprem um propósito fundamental: o de emoldurar para sempre os momentos menos importantes das nossas vidas. Para que nunca mais nos esqueçamos, ou recordemos, dependendo do comprimento de onda em que o leitor se encontrar. Seria bom que fosse idêntico ao nosso.

Sabemos que a Web Summit – e a vida de ‘hustler’ de que tantos empreendedores se orgulham – pode levar à privação de sono. Deixamos por isso aqui este tweet do Emmet que é toda uma campanha contra as noites mal dormidas. Não pensem que só acontece aos outros ou que isto se resolve com ácido hialurónico.

Nada nos move contra o Pedro, a não ser talvez a sua capacidade prodigiosa de explicar o que vai fazer nos próximos dias como se estivesse a escrever uma composição para uma turma da 4ª classe. Como se isso não bastasse, ainda aproveita a oportunidade para nos lembrar a todos que os QR codes continuam a existir. Esperamos que faças muitos amigos, Pedro.

Pela mesma ordem: sim, não e não. Até sempre.

Ninguém. Ninguém disse isso, Ali.

A essência do Web Summit numa imagem: um evento de empreendedorismo travestido de ação de team building para PMEs de todo o mundo. Já agora, apresentamo-vos, da esquerda para a direita: sífilis, coma alcóolico e um virgem.

Já que este artigo vai ser publicado de manhã, não podíamos deixar de o deixar sem uma recomendação para o pequeno almoço a la Web Summit. Esqueçam o pão com manteiga, os croissants-brioches ou os pães de Deus com queijo: aqui come-se motivação. Continua com fome? O problema é seu, caro leitor. Coma mais um bocado de nada. Sirva-se à vontade. Se não gostar, evite pedir satisfações ao autor da afirmação, nem mais nem menos que Vladimir Klitschko, ex-boxer profissional e campeão mundial de pesos pesados, o tipo de indivíduo que tem todo um rodízio para nos servir à estalada, caso não encontremos a dita motivação.

É toda uma gente conceptual- ou literalmente esfaimada que não perde a Inauguração da Web Summit, marcada para as 18:15 na Altice Arena. Caso não tenham ido, temos boas notícias: fizeram bem. Não valeu propriamente a pena. E também temos melhores notícias: nós fomos por vocês, e temos aqui um relato quase minuto a minuto do que aconteceu.

17.36 Uish. 50 minutos de trânsito e ainda estamos no Eixo Norte-Sul. Nada que não estejamos dispostos a tolerar para receber mais uma hóstia do Paddy: “Corpo de Steve” / “Amém”

17.53 A chegar a esta merda. Ainda não entrámos e já estamos vagamente cansados da nossa própria existência.

18.24 Alguns outros “jornalistas” estão de copo de gin-tónico na mão. Temos de descobrir de onde é que isto vem, que vai dar jeito.

18.28 Está uma das “startup revelação”  em palco que é “the world’s first pro-period CBD oil and multi-content platform.” Dizem que são um “Community-focused, no-bullshit content platform.” Sabemos que há em certos aspetos que um homem em 2019 não deve comentar, correndo o risco de levar com meio Twitter em cima. Mas. No-bullshit? Duvidamos.

18.33 A Francisca de Viseu ganhou dois bilhetes para Toronto porque tinha um bilhete dourado colado à cadeira. Falta agora o mais difícil: convencer-se de que uma viagem até Toronto, mesmo sendo oferecida, é uma boa ideia.

18.38 Paddy sobe ao palco. Só falta um coro gospel. Pede a toda a gente para se levantar e se apresentar a duas pessoas. Daqui a nada estamos todos a cantar o kumbaya e logo à noite deve haver orgia: imaginem Eyes Wide Shut ou Wild Wild Country revisitados. Imaginem também que toda a gente sabe onde está a decorrer: basta usarem a app do Web Summit para nos dizer, se faz favor. Para podermos acompanhar o Guinness Record da maior suruba da história.

18.40 Primeiro agradecimento é à Polícia de Lisboa. Gostávamos de conseguir perceber, mas não estamos assim tão interessados.

18.41 Paddy aproveita a sua origem irlandesa para perguntar às pessoas se está aí alguém do “still United Kingdom.” Entrada a pés juntos. Curiosamente, não foi muito bem recebida pelos Britânicos presentes. A situação só não se agravou porque o Paddy já tinha recebido o dinheiro dos bilhetes dessas pessoas.

18.42 Uma dezena de voluntários distribuem chapéus pelo público, que deposita os poucos bens materiais que lhe restam depois ter pago um bilhete para isto, na esperança remota da salvação eterna ou de algum conselho de vida que ainda não encontrou no LinkedIn.

18.43 Edward Snowden junta-se à sala via skype. É a primeira prova de que no Web Summit podemos efetivamente vislumbrar o futuro: a video-chamada ligou à primeira e não caiu uma única vez. Se já alguma vez fizeram uma entrevista ou reunião por este meio,  sabem que isto sim é algo que todos podemos sonhar vir a viver um dia.

18.49 Snowden queixa-se à Web Summit que a tecnologia permite ao governo espiar toda a gente e não só “aos maus.” Não sabemos se a ironia foi registada por todos.

18.58 Agora é a vez de Snowden não se aperceber da ironia que é alguém questionar-se acerca dos abusos de poder de governos por esse mundo fora, tudo isto enquanto nos liga de uma subcave algures em Moscovo habitada por ele e pela meia dúzia de opositores do Putin que ainda não foram envenenados.

19.03 A organização corta o pio a Snowden quando ele começou a dar nomes de empresas tecnológicas em que não podemos confiar. Pode ser só coincidência que a tentativa de o calar tenha começado quando nomeou a Huawei,  cujo CEO irá falar a seguir.

19.04 Voltamos a ouvir Snowden por tempo suficiente para ele se poder despedir. Foi o momento mais inspirador da noite.

19.05 Paddy regressa para anunciar que a Web Summit agora tem merchandise. Basta irem a swag.websummit.com . Imaginamos que vendam hoodies e camisolas de gola alta pretas. No Twitter, pessoas com demasiado tempo livre indignam-se com o preço de uma camisola, como se tivessem sido coagidas a adquiri-la. Temos o país que merecemos.

19.08 Filomena Cautela entra em palco com duas convidadas e foge logo ao guião: tinham combinado não falar disto, mas pergunta-lhes se elas são bilionárias e elas respondem que não sabem bem quanto dinheiro têm. Deve ser bom ter esse tipo de dinheiro. Há quem lhe chame fuck you money. Os autores olham um para o outro e rapidamente decidem lançar uma ICO para ajudar a pagar o jantar no Galeto.

19.09 O palco ilumina-se todo numa enorme bandeira vermelha e verde enquanto a CEO da Cloudfare tem de explicar porque é que vai abrir uma sede em Lisboa. Seguem-se rapidamente a primeira referência a pastéis de nata e a Lisboa como sendo São Francisco há 50 anos atrás. Esqueçam o vale da silicone. Esta geração tem uma oportunidade única para criar o Sardine Valley. Está nas nossas mãos.

19.18 O CEO da Huawei entra para fazer um anúncio de 15 minutos, como se alguém mentalmente são lhe quisesse dispensar um quarto de hora. Felizmente para ele, a maioria das pessoas no recinto beberam o kool aid e estão ébrias de entusiasmo. Não sabemos estimar quanto é que custará o minuto num palco destes, mas deve ser mais ou menos o que a Huawei vende num segundo, numa só província chinesa. Felizmente a história é boa e traz-nos temas preponderantes nos dias que correm: a invenção da eletricidade e a revolução industrial. O orador prossegue aparentemente convencido de que tem a nossa atenção.

19.22 Os minutos passam (lentamente) e continuamos a preferir a Apple. O CEO da Huawei anuncia que a tecnologia 5g vai trazer a cloud para mais perto de nós. Nós já vimos aquele misto de fumaça com nevoeiro que paira sobre tantas cidades chinesas e não temos a certeza se são boas notícias.

19.34 A principal nota a reter da apresentação da Huawei que agora terminou é que sobrevivemos. Ah, esperem, uma só mais mensagem dos nossos patrocinadores: “queremos comunicar que a Huawei está a fazer coisas e a disruptar outras e os seus telemóveis vão ser muito rapidamente os melhores.” Está quase na hora de chamar um Uber .

19.35 Saído o CEO, temos pelo menos uma boa notícia para partilhar. Os portugueses dizem (h)uawei e os chineses também. Mais uma na boca dos ingleses hoje. Depois de terem sido aviados pelos Springboks este fim de semana, e de continuarem a ser os protagonistas de mais uma temporada desta Comédia de Erros que é o Brexit, mais um desaire. Não está a ser um mês fácil para os nossos aliados.

19.36 Jaden Smith em palco. Paddy pediu palmas e houve 3 ou 4 pessoas a bater, as únicas numa fase da vida que lhes permite saber a) quem é o Jaden Smith e b) reconhecer-lhe relevância suficiente para ser merecedor de aplausos. De resto, não podem pedir tudo aos miúdos que estão na Web Summit. Já basta o trabalho não remunerado que é exigido aos voluntários que trabalham no evento.

19.37 Jaden abre com um vídeo apresentado pelo… Matt Damon? Será que o Paddy sabia que um dos maiores actores de Hollywood ia participar na Web Summit? O Edward Snowdeen também se limitou a aparecer num ecrã. Perdeu-se uma boa oportunidade para cobrar o dobro nos bilhetes.

19.52 Começam a tocar música, como nos óscares mas com menos violinos e mais aquele som genérico que nos remete para tecnologia e inovação. Ouve-se cada vez mais alto. A moderadora arrisca e faz uma última pergunta. Quando chega a vez de Jaden falar, os organizadores têm a música tão alto que nos imaginamos numa casa de diversão nocturna. Jaden ri-se, parece perguntar algo como “is this for real?” e acaba por desistir. Abandona o palco sem ter conseguido mudar o mundo, mas está hospedado no Ritz, por isso nem tudo é mau.

19.56 Paddy sobre ao palco pela última vez, desta vez acompanhado por Pedro Siza Vieira, ministro da Economia e Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. A atuação acaba por desapontar  todos os que preferiam o inglês martelado do nosso atual Primeiro Ministro.

20.00  Subida ao palco de uma pequena parte da comunidade das startups portuguesas. Diga-se que eram pessoas suficientes para dois dos andares da Altice Arena de repente parecerem vazios.

20.03 Com o premir de um botão enorme, os convidados dão a Web Summit como inaugurada. Por um lado, faz-nos perguntar se, com tanta tecnologia à mão, este botão não é meio inadequado. Por outro, o show que se seguiu, com direito a foguetes, imensas luzes e música épica é bem representativo de toda esta cimeira: muitos efeitos especiais que, por fim,  acabam por impressionar pouco. Felizmente amanhã há mais!

*Vasco Mendonça é publicitário e co-CEO da associação recreativa Um Azar do Kralj

*Francisco Peres escreve artigos a fazer pouco de anglicismos mas tem como títulos profissionais as palavras copywriter e content strategist. Até à data de publicação deste artigo trabalhava com várias startups, mas suspeita que isso está prestes a mudar.