Dreamworks, Pixar, Disney. São os três grandes estúdios de animação que, habitualmente, levam o Óscar de Melhor Filme de Animação para casa. Só que, graças à entrada das grandes plataformas de streaming, como a Netflix, o panorama começa a mudar. No ano passado, por exemplo, a estatueta foi para o “SpiderMan: Into the Spider-verse”, filme que, não tendo sido produzido por nenhum daqueles estúdios, teve “só” a mão da Marvel, da Columbia Pictures e da Sony.

Este ano, na corrida, estão “Toy Story 4” (Disney), “Como Treinares o Teu Dragão: O Mundo Secreto” (Dreamworks), “Missing Link” (Laika, outro grande estúdio, que ganhou o Globo de Ouro) e dois filmes Netflix: “J’ai perdu mon corps” e “Klaus”. A surpresa foi mesmo a não nomeação do “Frozen 2” — a prequela ganhou a estatueta dourada em 2014. Quem o diz é  Sérgio Martins que, a par do seu irmão, Edgar Martins, estiveram diretamente envolvidos em “Klaus”, que conta uma das possíveis origens do Pai Natal. “O filme tem sido muito bem recebido no universo da animação internacional, mas era uma grande incógnita se seria ou não nomeado para os Óscares. Foi com grande surpresa que os dois filmes da Netflix foram nomeados e o Frozen 2 não”, conta Sérgio, por email, ao Observador.

[o trailer de “Klaus”:]

Terminada a surpresa, convém perceber que papel tiveram estes dois portugueses num filme feito nos estúdios SPA, em Espanha, assinado por Sergio Pablos, nesta que foi a sua primeira experiência como realizador. “O papel do Edgar foi de supervisor da equipa de storyboard, ou seja, a primeira fase de exploração do argumento em desenhos. É onde se define a composição, atuação das personagens ou a história do filme. O meu papel foi de supervisão da animação, através da qual se definem as personagens e as suas personalidades, muito próximo do que faz um ator em imagem real”. Ou seja, papéis importantes numa produção que envolveu artistas de 22 países diferentes, incluindo também animadores da Disney, como James Baxter (responsável por personagens como a Bela em “A Bela e o Monstro” ou o “Corcunda de Notre Dame”).

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Há também um destaque grande dado ao facto de “Klaus” ter sido feito em 2D e com o uso da “tecnologia mais avançada”. Mas o que é isso do 2D para os mais leigos? “É um filme inteiramente desenhado à mão, em que cada frame que se vê no ecrã foi desenhado desde o esboço até ao frame final. Ao contrário de um filme 3D, em que os animadores, em vez de desenharem cada frame, movem uma personagem que tem controlos, como uma espécie de marioneta, usando um software de animação 3D”, explica.

E a “tecnologia mais avançada”? Serão robôs a fazer o filme? Nada disso. “Aí estamos a falar do processo de iluminação usado no filme, em que, ao contrário dos filmes clássicos da Disney que eram desenhados à mão, mas as personagens eram bidimensionais, a nova tecnologia usada neste filme vem pela primeira vez trazer a possibilidade de iluminar e dar forma, através de luz e sombra, às personagens”. O que possibilita vermos um filme em que os desenhos foram iluminados e tratados como se tivessem volume, “dando um efeito de ilustração em movimento”, explica.

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Feitos os esclarecimentos técnicos, convém também lembrar que estes gémeos já seguiam há muito tempo o trabalho de Sergio Pablos — “Gru Maldisposto”, “Tarzan” ou “Planeta do Tesouro” são alguns filmes em que esteve envolvido — mas também o dos estúdios SPA. Trabalhar com gente de países diferentes “não tornou, de todo, a experiência mais difícil”, confessa. O reconhecimento e o buzz gerado na indústria dão agora também mais trabalho e até “propostas difíceis de recusar”. “Mas o desafio principal não é arranjar trabalho na grande indústria, mas sim fazer dos estúdios SPA uma parte integral dessa mesma indústria e ao mesmo tempo atrair os grandes nomes de animação mundial para virem trabalhar connosco”, conta.

Quanto ao papel da Netflix, esse, é essencial, não estivesse esta plataforma nomeada em todas as categorias principais dos Óscares. “Se não fosse uma plataforma como esta, que aposta nos artistas e lhes dá completa liberdade criativa, provavelmente o Klaus nunca veria a luz do dia”. Mas viu. A nomeação ninguém lhes tira, só falta o Óscar.