A greve nacional dos trabalhadores da função pública, a decorrer esta sexta-feira, está a ter uma adesão de 80 a 90%, segundo um balanço de José Abraão, dirigente da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), ao Observador. As cidades do Porto, Coimbra, Lisboa e Algarve são as mais afetadas.

Em Lisboa, pelo menos seis mil pessoas participam esta sexta-feira na manifestação nacional da função pública.

A manifestação partiu do Marquês de Pombal pelas 15h10 e chegou às 16h20 a São Bento, junto da residência oficial do primeiro ministro, António Costa, e, segundo as estimativas da polícia, estão entre seis a sete mil pessoas no protesto.

Durante o percurso, os manifestantes gritaram frases de ordem como “Agora que há excedente, que venha para a gente” e “Para a banca e capital há milhões, para os trabalhadores há tostões”, que se fizeram acompanhar por assobios, quando o protesto passou junto à sede do Partido Socialista, no Largo do Rato.

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Greve na saúde compromete consultas e cirurgias

A adesão à greve dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica é superior a 90% e a dos trabalhadores administrativos do Serviço Nacional de Saúde ronda os 87%, segundo dados divulgados pelos sindicatos.

O Hospital S. José, Hospital de Macedo Cavaleiros, Centro de Sangue e Transplante do Porto, Hospital de Portimão, Hospital de Faro, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital S. João, Hospital Garcia de Orta, Centro Hospitalar Cova da Beira são algumas das instituições “fortemente afetadas por esta greve”, afirma o Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica (STSS) em comunicado.

Em termos de serviços, ficam comprometidas áreas como análises clínicas, imagiologia, cardiopneumologia, radiologia, anatomia, patologia clínica, farmácia, neurofisiologia e cirurgias programadas, adianta ainda o STSS.

No Hospital de São João, no Porto, o maior da região Norte, o balanço da adesão é muito positivo, assinalando a paragem de muitos serviços e fortes condicionamentos noutros.

Segundo Mário Jorge Sobrinho, do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN), dos 12 blocos operatórios do São João apenas três funcionam, os destinados aos serviços urgentes. No caso da pediatria só funcionam os atendimentos relacionados com oncologia, “o que é perfeitamente compreensível”. Num balanço pouco depois das 9h, foi referido que a cirurgia torácica fechou, o mesmo se passando com a estomatologia. Em oftalmologia havia apenas um especialista.

Nos pavilhões de consultas externas, as unidades de serviço estavam fechadas ou a funcionar apenas com outro trabalhador. E na receção das consultas, onde habitualmente estão abertos 10 balcões, apenas funcionavam três. “Não há administrativos nem assistentes operacionais”, garantiu Mário Jorge Sobrinho. Outro dirigente do STFPSN, o coordenador Orlando Gonçalves, admitiu que a greve foi prejudicada por serviços mínimos impostos. “São serviços mínimos quase máximos”, declarou à agência Lusa.

Por sua vez, Assunção Nogueira do Sindicato dos Técnicos de Diagnóstico, garantiu que no Hospital São João há uma adesão forte à greve dos especialistas da área, afetando a Radiologia e, por consequência, consultas e cirurgias. Entre os utentes afetados pela greve conta-se Rui Pedro Ferreira, 40 anos. Viajou 150 quilómetros de Valença ao Porto para fazer análises e “nada”. Sabia que havia greve, “mas pensava que iria encontrar alguém para serviços mínimos. Não encontrei nem assistentes operacionais, nem enfermeiros”, lamentou.

Ao início da manhã havia muitas pessoas de saída da zona de consultas externas do São João, algumas queixando-se para quem ficava por não terem sido atendidas, constatou a Lusa. Adília Soares, 51 anos, foi das que ficou, mas estava na incerteza quanto à possibilidade de fazer ou não uma ecografia programada. “Disseram para esperar, mas não garantem que seja atendida”, declarou.

Vários utentes estavam cerca das 8h30 nas salas de espera do Hospital Santa Maria, em Lisboa, na expectativa de conseguir uma consulta, apesar da greve, enquanto o movimento de pessoas na zona das consultas externas e nos corredores fazia lembrar um dia normal. Já no centro de saúde de Sete Rios, pelas 9h, havia apenas um funcionário administrativo e três utentes.

De volta ao hospital de Santa Maria, a Lusa constatou a presença de médicos e enfermeiros nos corredores, no que aparentava ser um dia normal de trabalho. No entanto, a receção central das consultas externas e alguns dos balcões nas especialidades não tinham pessoal para atender os utentes. Alguns utentes lamentaram, em declarações à Lusa, a espera e o possível cancelamento das suas consultas, apesar de compreenderem os motivos da greve.

Maria Alves, 70 anos, veio de Torres Vedras para ver se “tem sorte” com a consulta de oftalmologia. “Eu sabia que havia greve, mas mesmo assim decidi vir para ver se conseguia ser vista. Se não conseguir olhe, que remédio, tenho de aguardar por nova marcação, o que para esta especialidade significada esperar bastante”, disse. Já Mário Silva, 65 anos, disse que tinha conhecimento da greve, mas não tinha percebido que ia afetar as consultas nos hospitais”. “Ainda não sei se vou ter consulta de pneumologia ou não. Como venho de Setúbal, vim mais cedo por isso vou aguardar”, contou. Este utente contou à Lusa que concorda com os motivos da greve, apesar de ser um “transtorno” para os utentes.

Em Castelo Branco, a consulta externa do Hospital Amato Lusitano (HAL) está a funcionar sem funcionários administrativos, facto que obriga à confirmação eletrónica das consultas e que causa alguma confusão, apesar de as consultas decorrerem dentro da normalidade.

Às 10h30, junto à entrada do edifício da consulta externa do HAL, estava um pequeno aglomerado de pessoas junto das três máquinas para a marcação eletrónica de consultas e, em frente, ao balcão de atendimento, encontrava-se vazio, sem qualquer funcionário administrativo. Apesar desta pequena confusão, sobretudo junto dos mais idosos que têm dificuldade em confirmar eletronicamente as suas consultas, as consultas decorrem praticamente dentro da normalidade.

Ana Gonçalves tinha duas consultas marcadas para o seu filho, uma de desenvolvimento e outra de terapia da fala. “Fui atendida normalmente na consulta de desenvolvimento e a consulta de terapia da fala foi desmarcada porque a médica não estava”, explicou. Sobre os motivos da greve, Ana Gonçalves manifestou-se de acordo com as reivindicações feitas pelos profissionais de saúde, apesar de admitir que em algumas situações “causam muito transtorno”. “Ao nível da saúde cria-se um pouco o caos, sobretudo para os mais idosos. Quando aqui cheguei, estavam muitos ali junto às máquinas, sem saber o que fazer”, disse.

Encostada ao balcão de atendimento da consulta externa do HAL estava Cláudia Reis que tinha marcada uma consulta de alergologia. “O médico está cá, mas como não há funcionários administrativos tenho que confirmar a consulta nas máquinas, mas como cheguei um pouco depois da hora que está no documento, não consigo fazer a confirmação eletrónica. Vou aguardar para ver como posso resolver o assunto”, afirmou. Esta utente entende os motivos que levam os profissionais de saúde a fazer greve e sublinha que “estão no direito deles”, mas admite que esta situação “causa grande transtorno às pessoas”.

Marília Lourenço, 52 anos, tinha uma consulta marcada para esta sexta-feira e não notou quaisquer problemas. “A consulta estava marcada desde a outra greve de 20 de dezembro. Decorreu tudo dentro da normalidade. Não fui afetada pela greve”, disse.

À Lusa, o presidente do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde de Castelo Branco (ULSCB), Vieira Pires, confirmou a falta de funcionários administrativos na consulta externa do HAL, mas sublinhou que tirando um ou outro caso pontual, tudo está a funcionar dentro da normalidade, não só no HAL, como também nos dois centros de saúde de Castelo Branco.

Já no setor da saúde, o Centro de Saúde de Marrazes, em Leiria, onde funciona também a Unidade de Saúde Familiar Santiago, não abriu portas logo de manhã. Os médicos que não aderiram à greve esbarraram com a porta fechada logo às 8h, quando se preparavam para entrar ao serviço e iniciar as consultas. Os serviços reabriram pelas 9h45, revelou à Lusa fonte médica.

“Dia de Portugal sem aulas”

Mais de 90% das escolas estão encerradas devido à greve, segundo um primeiro levantamento feito pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), que fala num “Dia de Portugal sem aulas”.

O difícil hoje é encontrar uma escola a funcionar”, afirmou o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, em conferência de imprensa, em frente ao Liceu Passos Manuel, em Lisboa, para fazer um primeiro balanço dos impactos da greve nacional dos Trabalhadores da Função Pública.

Segundo Mário Nogueira, “as escolas encerradas no país inteiro são mais de 90%”, uma taxa de adesão que se deve, em grande parte, aos trabalhadores não docentes. Entre os professores, a adesão deverá rondar entre os 75 e os 80%, segundo números avançados pela Fenprof. Mário Nogueira lembrou a precariedade das carreiras e o envelhecimento dos profissionais como um dos motivos do protesto.

A adesão dos funcionários das escolas e também dos professores e educadores já se previa ser grande, uma vez que a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) convocou uma greve para o mesmo dia para reforçar a mobilização do setor da educação para o protesto, adianta a dirigente sindical.

A secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, está sem aulas, pelo menos até às 11h30, altura em que entram mais funcionários e a situação pode mudar, segundo um elemento da direção da escola, que anunciou pelas 8h30 aos alunos não ter condições para abrir o estabelecimento de ensino. O estabelecimento de ensino ficará encerrado pelo menos nas duas primeiras horas do horário escolar, podendo a situação modificar-se a partir das 11h30.

Esta é a segunda vez em 40 anos que a Escola José Gomes Ferreira encerra numa greve. A última ocorreu no passado dia 26 de novembro, aquando da paralisação do pessoal não docente convocada pelo Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais. “Está hoje menos gente na escola do que na greve anterior”, disse à Lusa uma aluna que estava da sala da associação de estudantes desta escola.

Também na zona de Benfica, na Escola Básica 1,2,3 e J.I. Pedro de Santarém, a greve desta sexta-feira impediu as aulas aos alunos do 2.º e 3.º ciclos, segundo uma nota afixada à entrada do estabelecimento escolar. Outra das escolas afetadas pela greve foi a D. Pedro V, em Sete Rios, que encerrou esta sexta-feira pela terceira vez em 50 anos por causa de uma greve.

Várias escolas dos ensinos básico e secundário de Faro e de Portimão, no distrito de Faro, encerraram e outras funcionam condicionadas por motivos de greve da função pública, deixando milhares de alunos sem aulas. Junto à entrada dos estabelecimentos de ensino, cartazes afixados alertavam para a eventualidade do encerramento e do condicionamento das atividades letivas.

“Informam-se os alunos e encarregados de educação que o funcionamento da escola poderá ficar condicionado devido ao pré-aviso de greve da Função Pública no dia 31 de janeiro”, lia-se num cartaz afixado nos portões da Escola Básica e Secundária da Bemposta, em Portimão.

Vários pais e alunos disseram à reportagem da Lusa que “alguns professores informaram antecipadamente” os alunos de que iriam fazer greve, mas ainda assim decidiram deslocar-se à escola na expetativa de existirem algumas atividades letivas. Vítor Gomes, que trabalha como vigilante, disse à Lusa que a greve prejudica “não só os alunos como os pais que têm de trabalhar, e que ficam sem saber onde deixar os filhos”.

Vou entrar ao serviço e terei de deixar o meu filho com pessoas amigas, pois a minha esposa também está a trabalhar. Se deixar a criança sozinha em casa posso ser acusado de abandono. É complicado”, lamentou.

Carla Serôdio, funcionária numa pastelaria, enfrentava o mesmo problema: “Onde é que irei deixar a minha filha?”, questionou. “Vou ter de a levar para o trabalho, mas ter uma criança de 7 anos no local de trabalho, dentro de uma pastelaria, durante várias horas, é impensável, mas é a única solução que tenho”, apontou.

Os encarregados de educação disseram compreender a razão da greve dos funcionários públicos, mas lamentaram que “a paralisação “afete a vida profissional das pessoas que acabam, muitas delas, por ter de faltar ao trabalho para ficarem com os filhos”.

No concelho de Faro, a situação é idêntica, com várias escolas encerradas e outras em funcionamento, mas com as atividades letivas condicionadas. As escolas secundárias Tomás Cabreira, João de Deus, e as do ensino básico de São Luís e Joaquim de Magalhães estão abertas mas com atividades reduzidas, enquanto as da Penha, São Luís, Afonso III e Neves Júnior estão encerradas.

Em declarações à Lusa, Rosa Franco, dirigente regional do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas disse que a maioria das escolas algarvias se “encontram encerradas ou sem atividades letivas”. “Estão sem atividades letivas porque os diretores entendem que não estão reunidas as condições para assegurar o funcionamento das escolas”, frisou.

Nas escolas secundárias Poeta António Aleixo, Engenheiro Nuno Mergulhão os portões estavam encerrados, bem como na Escola Básica do 1.º Ciclo e Jardim de Infância Major David Neto onde não se verificam atividades letivas.

Os alunos e pais encontraram esta sexta-feira de manhã os portões da maior parte das escolas do Porto fechados com avisos de que as atividades letivas estavam suspensas por motivos de greve da Função Pública. “Informa-se que devido à greve do dia 31 de janeiro a escola [Fontes Pereira de Melo] encontra-se sem atividade letiva”, era o aviso que se lia hoje às 8h numa folha branca de formato A4 afixada na porta principal da Escola Fontes Pereira de Melo do Porto.

Em frente à Pereira de Melo estava Sofia Silva, trabalhadora independente na área da tradução e revisão linguística, ladeada pela filha Beatriz Vasconcelos e as colegas para decidirem o que vão fazer face à greve que encerrou a escola. Uns vão para casa com os pais, outros seguem diretos para centros de estudo perto das escolas e há uns estudantes que ligam aos avós para os virem buscar.

“Vou levar a minha filha para casa, porque posso conciliar trabalho em casa”, contou, acrescentando que vai ficar a aguardar pelos pais das amigas da filha até que as venham recolher neste dia de greve. Mais à frente está Carla Pinto, outra mãe e encarregada de educação com vários estudantes para definir para onde é que vão passar o dia. “Uns vão para os avós, outros vão para os centros de estudo e outros para casa estudar, porque é altura de muitos testes de avaliação”, revelou Carla Pinto.

A uns cerca de 300 metros de distância os pais e alunos que chegavam às 8h20 à Escola Secundária Clara de Resende também batiam “com o nariz na porta”. Os portões negros da escola Clara de Resende ficaram fechados e um aviso informava que o estabelecimento estava encerrado devido à greve. “As atividades letivas poderão ser retomadas a partir das 11h15 após nova avaliação do número de funcionários em greve”, lia-se ainda no aviso informativo.

Xavier Marcelino, que frequenta o 7.º ano na escola Clara de Resende contou à Lusa que estava a avisar os amigos da turma para não virem para a escola. “Como moro aqui ao lado, vim a pé, vesti-me rápido e vir ver se a escola estava aberta ou fechada”, descreveu o estudante que estava sem mãos a medir para responder às solicitações via telefone para dar informações aos colegas.

Na Escola Básica e Secundária Rodrigues de Freitas do Porto as portas também estão encerradas com o aviso afixado a dizer que “não há atividades letivas por motivos de greve”. As perspetivas de abrir também são uma incógnita, disse à Lusa uma auxiliar de educação daquela instituição enquanto abria a porta a um professor.

A história repete-se também na Escola Filipa de Vilhena e noutras escolas como adiantou à Lusa Orlando Gonçalves, do Sindicato das Função Pública do Norte, referindo que recebeu uma mensagem a informar que “muitas escolas estão fechadas”.

Na Escola Martim de Freitas, junto ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, houve alunos a festejar assim que foi comunicado, por volta das 8h15, que o estabelecimento estaria encerrado devido à greve nacional.

Se para os alunos pôde ser motivo de celebração, para os pais a greve pode transformar-se numa “dor de cabeça”, aponta Célia Cabral, com um filho na escola que teria esta sexta-feira um teste. Sendo representante dos pais da turma, o telemóvel ainda não parou de tocar, com chamadas de outros encarregados de educação para tentarem perceber se a escola estava fechada ou não.

“Eu até vivo e trabalho aqui ao lado, mas há várias pessoas que vêm de fora de Coimbra, têm horários para cumprir, trazem as crianças e o que vão fazer com elas? Têm que voltar para trás”, refere Célia Cabral, salientando que para muitos desses pais a greve “é um constrangimento muito grande”.

Patrícia Oliveira, com uma filha no 6.º ano naquela escola, já contava com esta possibilidade, para a qual a escola avisou na véspera. “Por acaso, tenho folga hoje. Se não, ia causar um grande transtorno”, notou.

Na Escola Secundária José Falcão, tal como na Martim de Freitas, um papel informa na porta de entrada que a escola está encerrada devido à greve de funcionários não docentes. Na escadaria de entrada, dois jovens do 12.º ano entretêm-se ao telemóvel e contam à agência Lusa que, apesar de ser “uma espécie de feriado”, também para eles cria alguns constrangimentos. “Eu demoro uma hora a chegar a casa e não sei como vou fazer agora”, contou um. Para além destes dois estabelecimentos, a agência Lusa também constatou no local o encerramento da Escola de 2.º e 3.º ciclo Eugénio de Castro. Já a Escola Alice Gouveia e a Jaime Cortesão estão abertas, mas sem atividade letiva, sendo que as secundárias Avelar Brotero e Dona Maria estão a funcionar.

A escola do 1.º ciclo dos Capuchos, do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria, está encerrada e sem atividades letivas.

Daniel Leal deixou os dois filhos pouco depois das 8h para terem aulas às 9h, já que entra no emprego às 8h, como faz todos os dias. Por volta das 9h20, regressou à escola para ir buscar as crianças.

Transtorna bastante. Tive de ligar aos meus pais para ficarem com eles. O direito à greve existe e deve ser respeitado, mas não entendo por que é que é sempre à sexta-feira. Acho que há outras formas de luta que poderiam surtir mais efeito. Esta medida acaba sempre por prejudicar os mesmos”, lamentou Daniel Leal.

Pai de duas crianças, que estudam no 2.º e 4.º anos da escola dos Capuchos, o encarregado de educação revelou ainda que a greve influencia toda a logística. “Será que as empresas dos almoços sabem que não há refeições para distribuir? A comida estará já confecionada e o que lhe vai acontecer? Quando se discute tanto a questão ambiental…”. Daniel Leal acrescentou que as crianças saem ainda prejudicadas com o cancelamento das atividades que já estão pagas. “Por exemplo, já não vão ter piscina. Se o dinheiro fosse para os professores até concordava”.

Ana Gomes também teve de encontrar solução para o filho de 7 anos. O avô reformado vai ficar com o neto. “Concordo com a greve e acho muito bem que a façam. Devem lutar pelos seus direitos e serem incómodos. Há sempre alguém para ficar com as crianças. Se não existir, mete-se baixa para assistência à família”, refere esta mãe, que trabalha no setor privado.

Esta é a primeira greve nacional da função pública desde que o atual Governo liderado por António Costa tomou posse, em 26 de outubro, e acontece a menos de uma semana da votação final global da proposta de Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), marcada para 6 de fevereiro.

Estamos à espera de milhares e milhares de trabalhadores na manifestação de Lisboa, vindos de todos os pontos do país”, diz à Lusa a coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, da CGTP, Ana Avoila.

Para a participação na manifestação nacional, que arranca às 14h30 do Marquês de Pombal, foi emitido um pré-aviso de greve das 00h00 às 24h desta sexta-feira que “abrange todos os trabalhadores da função pública”, pelo que “o dia será de greve e centenas de serviços em todo o país vão fechar”, afirma a sindicalista.

Também na saúde era esperado um “impacto significativo”, com serviços mínimos nos hospitais, assim como a adesão dos trabalhadores da administração local, nomeadamente da recolha do lixo, diz, por seu lado, José Abraão, dirigente da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), uma das organizações da UGT que também convocou greve para esta sexta-feira.

José Abraão considera que, “neste início da legislatura, o ambiente é propício” à adesão em massa da função pública ao protesto, pois os trabalhadores estão descontentes com a proposta de atualização salarial de 0,3% apresentada pelo Governo, que é “ofensiva” após dez anos de congelamento.

O Governo apresentou uma proposta de aumentos salariais de 0,3% para a função pública e chegou a dar a negociação por encerrada, mas a responsável pela pasta, a ministra Alexandra Leitão, voltou entretanto a convocar as organizações sindicais para reabrir o processo negocial, uma reunião que está marcada para 10 de fevereiro, após a votação do OE2020. A decisão não foi suficiente para travar a paralisação, com a ministra a declarar que “nunca foi propósito da marcação desta negociação com os sindicatos levá-los a desmarcar a greve” que, afirma, “é um direito integralmente respeitado”.

A anterior greve nacional da função pública que juntou as federações sindicais do setor da CGTP e da UGT realizou-se no último ano da anterior legislatura do governo de António Costa, em 15 de fevereiro de 2019, contra a política salarial do executivo, e teve uma adesão superior a 80%, segundo os sindicatos.

Em 2019 não houve atualização salarial geral, mas o Governo decidiu elevar a remuneração mínima do Estado de 600 euros (equivalente ao valor do salário mínimo nacional naquele ano) para 635,07 euros.

Serviços mínimos na Administração Pública “assegurados”

A greve dos funcionários públicos  começou às 0h de sexta-feira, mas teve os seus primeiros impactos ainda no decorrer do final do dia de quinta-feira, sobretudo nos hospitais e nos serviços de recolha de lixo, segundo fontes sindicais. “Os trabalhadores cujos turnos começam às 20h ou às 23h já estão cobertos pelo pré-aviso de greve como é o caso do setor da saúde ou da recolha do lixo”, diz o secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), José Abraão, à Lusa.

Relativamente à adesão à greve dos funcionários administrativos do Serviço Nacional de Saúde, o presidente da Associação Sindical do Pessoal Administrativo da Saúde (ASPAS), Luís Grabulho, avançou à Lusa que ronda os 87%. Segundo Grabulho, os serviços mínimos estão a ser assegurados por profissionais que optaram por não fazer greve porque “os vencimentos que têm são tão baixos que o que lhes descontam na greve é significativo”.

Trabalhadores da distribuição também aderiram à greve e exigem aumentos salariais

Os trabalhadores dos super, hipermercados e armazéns de logística das empresas de distribuição estão esta sexta-feira em greve por aumentos salariais de 90 euros e pela valorização das carreiras profissionais.

A paralisação foi convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), que considera inaceitável que mais de 80% dos trabalhadores do setor tenham a sua carreira profissional e a respetiva tabela salarial equiparadas ao salário mínimo nacional, ou seja, 635 euros. Segundo o sindicato, em 2010 estes trabalhadores tinham uma carreira profissional diferenciada e os salários de entrada na profissão estavam 139 euros abaixo dos salários do topo de carreira.

As negociações com a associação empresarial do setor da distribuição têm-se arrastado há mais de três anos e os aumentos que têm sido aplicados resultam da subida do salário mínimo nacional.

Os trabalhadores da distribuição reivindicam ainda horários de trabalho regulados que permitam a conciliação entre a vida pessoal e familiar e a vida profissional, bem como o fim da precariedade de todos os trabalhadores que ocupam postos de trabalho permanentes.

Convento de Cristo, Torre de Belém e Museu Nacional de Etnologia encerrados

A greve geral da Função Pública levou ao encerramento seis equipamentos tutelados pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), incluindo o Convento de Cristo, em Tomar, e a Torre de Belém, em Lisboa.

De acordo com fonte oficial da DGPC, em declarações à agência Lusa, esta sexta-feira encerraram seis dos 25 equipamentos tutelados por aquele organismo: Casa Museu Anastácio Gonçalves, Museu Nacional de Etnologia e Torre de Belém, em Lisboa, Convento de Cristo, em Tomar, Museu Nacional de Grão Vasco, em Viseu, e o Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo — Museu de Évora. Além disso, “encerrou parcialmente o Museu Nacional de Machado de Castro”, em Coimbra.

A percentagem de adesão à greve, do total de 875 trabalhadores do universo da DGPC, “situou-se nos 14,6%”.

Bloco de Esquerda critica Governo e pede, no mínimo, aumento a compensar a inflação

Uma delegação do Bloco de Esquerda (BE) foi saudar a manifestação, em dia de greve, dos trabalhadores da função pública, em Lisboa, criticar o Governo e exigir um aumento salarial que, no mínimo, compense a inflação.

“O Estado não pode ser o primeiro patrão a pagar mal e a dar um mau exemplo ao setor privado” e “tem de pagar justamente” aos trabalhadores, afirmou a deputada Joana Mortágua, minutos depois das 15h, quando a manifestação sair do Marquês de Pombal para o Palácio de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa.

A deputada bloquista defendeu que, após dez anos de perda e cortes salariais, o Governo do PS deveria dar “um sinal à função pública” no Orçamento do Estado de 2020 (OE2020).

Questionado sobre quais seriam valores justos de aumento, Joana Mortágua afirmou: “Depois de uma década de perda de poder de compra achamos que era preciso recuperar alguma coisa, acima de 0,3% [proposto pelo executivo], mas sempre em sede de negociação sindical.”

Segundo a dirigente bloquista, “todos os aumentos salariais devem começar por compensar a perda de poder de compra”, ou seja, “no mínimo, teriam de começar pelo aumento da inflação”.

A deputada do BE criticou a proposta “de 0,3% de aumento”, alertando que, a manter-se a situação, “continua a haver uma perda de poder de compra real” dos trabalhadores.

O Bloco justificou ainda a sua presença na manifestação – com Joana Mortágua, João Vasconcelos (deputados) e Manuel Grilo, vereador na câmara de Lisboa – como um gesto de solidariedade com os trabalhadores. “Sem eles, os serviços não funcionavam”, afirmou a deputada.

PCP contra proposta “inaceitável” de aumento de 0,3% para função pública

Também o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, foi saudar a manifestação dos trabalhadores da administração pública, em dia de greve nacional, nas ruas de Lisboa, entre o Marquês do Pombal e São Bento. O líder criticou a proposta “inaceitável” de aumento salarial de 0,3% para a função pública, contestado pelos sindicatos, e apoiou a reivindicação de 90 euros dos trabalhadores

O líder comunista realçou que “este setor da administração pública não tem qualquer evolução salarial há dez anos”.

“Estamos a falar de trabalhadores que garantem os serviços públicos na educação, na saúde, nas forças e serviços de segurança, na justiça, de muitos homens e mulheres das autarquias locais que deveriam merecer por parte do Governo mais respeito”, disse.

Para Jerónimo de Sousa, o executivo do PS fez uma “proposta inaceitável” de “0,3% de aumento”, o que “demonstra uma falta de respeito por justas aspirações por justas reivindicações destes trabalhadores” e daí o PCP “esta poderosa manifestação antecedida por greve em muitos serviços”.

CGTP considera protesto “marcante” e pede a Governo para ouvir trabalhadores

O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, considerou “marcante” a resposta que os funcionários públicos deram ao Governo com a forte adesão à greve e à manifestação nacional em Lisboa, esperando que o executivo ouça os trabalhadores.

“Esta luta é marcante do ponto de vista da resposta dos trabalhadores da administração pública”, disse o líder da intersindical no final da manifestação, que partiu esta tarde do Marquês de Pombal rumo à residência oficial do primeiro-ministro, António Costa, em São Bento, e que juntou entre seis a sete mil pessoas, segundo dados da polícia.

Arménio Carlos, que deixará de ser secretário-geral da CGTP no próximo congresso, em 15 de fevereiro, considerou que o seu mandato “não podia acabar melhor”, sublinhando que esta não será a sua última manifestação, pois continuará a participar nas ações de luta enquanto trabalhador.

Enquanto continuarmos a ter injustiças e desigualdades, aqueles dirigentes que saem da CGTP em meados de fevereiro continuarão fiéis ao projeto da CGTP e a estar ao lado dos trabalhadores, seja do privado ou do público”, frisou o líder da intersindical em declarações à Lusa.

Arménio Carlos sublinhou que o protesto desta sexta-feira foi “um exemplo de descontentamento e indignação contra uma proposta desrespeitadora dos direitos” dos trabalhadores da administração pública, defendendo ser “inaceitável” a proposta de aumentos salariais de 0,3% após dez anos sem atualização remuneratória.

O secretário-geral da CGTP disse ainda que a intersindical “não deixará de estar em qualquer reunião onde se discutam os problemas dos trabalhadores”, lembrando que o Governo convocou as estruturas sindicais da função pública para 10 de fevereiro, quatro dias após a votação do Orçamento do Estado.

Porém, avisou que “depois daquilo que hoje se passou, se o Governo não ouvir, então ficará responsabilizado pela continuação da luta”.

Também Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, estrutura da CGTP que convocou a manifestação nacional, disse à Lusa esperar que o primeiro-ministro “consiga perceber o sentimento dos trabalhadores e que deixe de dizer que não há dinheiro”.

Segundo a sindicalista, “dezenas de milhares de trabalhadores estiveram esta sexta-feira na rua e milhares aderiram à greve e fecharam os serviços, o que é demonstrativo da indignação que neste momento grassa nos serviços da administração pública”.

“Se no dia 10 a ministra não tiver nada de expressivo a propor, naturalmente que logo ali serão anunciadas outras formas de luta”, afirmou Ana Avoila.

Também o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, que marcou presença no palco ao lado dos dirigentes da CGTP, deixou críticas ao calendário negocial definido pelo Governo, com uma reunião agendada para depois da data de aprovação do Orçamento do Estado para 2020.

É inaceitável, e até ‘sui generis’, que um governo marque negociação sobre uma matéria que é fechada no Orçamento do Estado. […] O Governo o que está a fazer é simular uma negociação que vai fazer quando já não há nada para negociar”, disse.

Para Mário Nogueira, a postura do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que admite deixar para mais tarde a negociação de aspetos que os sindicatos de professores consideram prioritárias — como a aposentação, a falta de professores, entre outras — revela que para o ministro estas questões são “becos sem saída”.

“O que é curioso é que quando procurámos perceber que ideias tinha o ministério para os professores com mais de 60 anos poderem ter outras atividades e que incentivos para atrair professores a zonas onde há dificuldades em colocá-los, o ministro limitou-se a dizer que a legislatura tem quatro anos e portanto temos tempo de falar nisso. Vamos ver é se o senhor ministro tem quatro anos de mandato nesta legislatura”, afirmou o secretário-geral da Fenprof.

Numa das filas da frente para ouvir os discursos de Arménio Carlos e Ana Avoila, o assistente administrativo hospital Paulo Oliveira, do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, disse à Lusa que “a política de baixos salários” deste Governo justificava a sua presença ali, criticando que trabalhadores em início de carreira e com décadas de serviço ganhem o mesmo.

“Com esta política, um dia o Estado vai querer ter trabalhadores para a administração pública e não tem”, disse, acrescentando que hoje em dia já ninguém olha para um emprego no Estado como “um privilégio” face ao setor privado, sobretudo nas carreiras com salários mais baixos.

Já Carina Almeida, assistente operacional numa escola de Aveiro, lamentou que a progressão que teve quando foram descongeladas as carreiras da função pública tenha já sido absorvida, em termos práticos, pelo aumento do salário mínimo nacional, considerando que “é muito ingrato” o estado de estagnação em que se encontra.

Os 90 euros de aumento reclamados pelos sindicatos que, sublinhou, não representam sequer um aumento de 10 euros por cada ano sem atualizações salariais, “não são nada” para os trabalhadores, tendo em conta que se diluem na inflação.

Maria Ribeiro, funcionária pública há 22 anos, veio do Porto para representar o pessoal não docente das escolas no protesto. O aumento salarial foi a principal reivindicação que a trouxe a Lisboa. “O salário mínimo já me apanhou”, lamentou à Lusa, clarificando que atualmente recebe mais sete cêntimos do que o mínimo nacional, que é de 635 euros.