O Bloco de Esquerda não percebe a demora do Governo em validar a legalidade dos cortes a receitas já recebidas pela EDP e por produtores de energia renovável, decididos pelo anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, já no quadro do Executivo socialista. E o atual titular da pasta de energia, João Galamba, não percebe a “ansiedade” do deputado Jorge Costa que quer saber porque não foram afinal enviadas as dúvidas sobre a legalidade destas duas medidas para o conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, ao contrário da intenção anunciada pelo governante há quase um ano.

A divergência voltou a surgir esta quarta-feira na audição na comissão parlamentar de ambiente depois de o secretário de Estado da Energia ter afirmado, na entrevista ao Observador, que ainda não tinha pedido os pareceres sobre a legalidade das medidas por falta de meios e por considerar que há tempo para esclarecer as duas questões antes da fixação das tarifas da eletricidade para 2021.

João Galamba reconheceu que há um risco de 140 milhões de euros nos preços. Isto porque este corte nas receitas foi refletido nas tarifas de 2018, no pressuposto de que as empresas renováveis iriam devolver estas verbas ao sistema elétrico, porque corresponderiam a uma dupla ajuda recebida via apoios públicos. Mas isso ainda não aconteceu e não acontecendo até 2021, os preços da eletricidade terão de absorver um “buraco” dos 140 milhões de euros que foram deduzidos aos custos há três anos.

Na resposta, o secretário de Estado da Energia defendeu que não existe “nenhuma vantagem” em antecipar a decisão final do Governo sobre estas duas medidas que só poderão ter impacto nos preços da eletricidade de 2021, que serão calculados pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) até 15 de outubro. Os consumidores, sublinha, ou ficam na mesma ou ficam piores porque, argumenta, se o parecer da PGR for no sentido de considerar ilegal os 140 milhões de euros que foram já contabilizados essa devolução terá de ser feita.

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“Eu disse que vamos pedir e vamos fazê-lo no momento em faz sentido. Não há nenhum ganho em pedir mais cedo. O compromisso do Governo” é que essa clarificação legal seja feita “a tempo do próximo exercício tarifário”.

João Galamba sublinhou ainda a diferente entre a posição do Governo e aquela que o deputado do Bloco teria se tivesse funções governativas.

Um Governo não toma decisões só porque são justas, tem a “necessidade de perceber se são legais. E ser responsável e justa para os consumidores é garantir que estas posições têm suporte legal”. Lembrando os cortes feitos em Espanha aos incentivos contratualizados com os produtores solares, com consequências jurídicas que estão agora a chegar, João Galamba recusou “tomar medidas populistas para ganhar aplausos no curto prazo, estando-se nas tintas para o que acontecer no futuro”. Nesta resposta, o secretário de Estado da Energia não comentou a pergunta de Jorge Costa sobre se se estava a referir às decisões do seu antecessor, Jorge Seguro Sanches, que suscitaram contestações judiciais por parte da EDP.

Outro tema que também ainda não chegou à Procuradoria, apesar da intenção anunciada nesse sentido há mais de quatro meses, foi a exigência de devolução aos consumidores dos 73 milhões de euros que terão sido pagos em excesso às centrais da EDP que operavam no regime dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual). Esta sobrecompensação recebida no mercado dos serviços de sistema valeu à elétrica uma condenação da Autoridade da Concorrência por abuso de posição dominante no ano passado, mas a coima aplicada, e que foi contestada, não vai beneficiar os consumidores de eletricidade.

Governo pede parecer à PGR sobre decisão de exigir 73 milhões à EDP

Hidrogénio verde é para arrancar no próximo ano

O tema da energia que o Governo quis trazer a esta audição foi o projeto para lançar o hidrogénio verde que, segundo intenção revelada por Matos Fernandes, é para avançar no próximo ano. O ministro do Ambiente esclarece que a produção de hidrogénio a partir de energias renováveis, solar e eólica, a preços baixos, não ficará limitado a Sines. Haverá produção em outros locais. É um projeto de grande dimensão para o horizonte de 2030 e que vai exigir um investimento superior a três mil milhões de euros, considerando toda a cadeia de infraestruturas e armazenamento. Matos Fernandes assinala que o objetivo é exportar este hidrogénio verde para Espanha e Europa, aproveitando a infraestrutura já existente do gasoduto de gás natural que, em 60%, pode ser usada para o transporte deste gás.