É a dramatização total: depois de o PSD ter dito, e reafirmado, que não ia dar a mão ao governo para alterar a lei em cima da hora, de forma a permitir avançar com o aeroporto no Montijo à revelia de algumas autarquias afetadas, e mesmo depois de o ministro das Infraestruturas ter dito que “não havia drama” se não houvesse maioria no Parlamento, o PS pôs o seu peão-mestre, o secretário-geral adjunto, a pressionar os sociais-democratas.

José Luís Carneiro convocou uma conferência de imprensa para o largo do Rato, levou números e powerpoints preparados e invocou um argumento que é caro aos sociais-democratas: o da “irresponsabilidade” política. O que é que o PSD prefere, ceder à “vertigem populista”, como fez no “caso dos professores” e como se preparava para fazer no caso da redução do “IVA da luz”, ou manter a palavra do anterior governo PSD/CDS e zelar pelo interesse nacional? José Luís Carneiro exige “clarificação” a Rui Rio por um “imperativo de ética republicana”.

PSD rejeita aprovar lei que permite Montijo à revelia das autarquias. Alteração seria “ataque ao Estado de Direito”

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“A vontade do PS é de reforçar o diálogo com municípios de Setúbal e da Área Metropolitana de Lisboa, e também reforçar o diálogo com os partidos políticos, mas é exigido, por um imperativo de ética republicana, que o PSD clarifique a sua posição. Rui Rio mantém a posição do anterior governo PSD/CDS? Ou o PSD está a ceder a um vertigem populista (como já deu provas de fazer no caso dos professores e do IVA da luz)? Vai ceder à vertigem populista ou vai demonstrar a sua cultura de responsabilidade de sempre?”, atirou José Luís Carneiro numa conferência de imprensa no Largo do Rato, onde sublinhou várias vezes que “o PSD ao longo da sua história nos habituou sempre a um sentido de responsabilidade coletiva“.

O obstáculo existe, o PS sabe disso, mas a ordem é para pressionar. Se desistir, o socialista não esclarece qual é o “plano B” caso a lei não seja alterada e as autarquias do Seixal e da Moita mantenham parecer negativo. Em causa está a necessidade de contornar o parecer negativo de algumas das câmaras potencialmente afetadas pela obra — Seixal e Moita, lideradas pelo PCP, que já vieram dizer que são contra a construção do novo aeroporto. Perante isso, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, sugeriu uma alteração à lei que permitisse ultrapassar o veto dos autarcas, mas os partidos à esquerda do PS já disseram que são contra qualquer mudança e que vão inviabilizar a iniciativa do Governo nesse sentido. Ou seja, sobrava o PSD, que, ainda por cima, foi defensor da opção Montijo durante o governo Passos/Portas.

Rui Rio, contudo, chegou a inscrever no programa eleitoral a necessidade de “reapreciar a opção Alcochete” caso os estudos de impacte ambiental do Montijo apontassem para a inviabilidade da obra em termos de custo/benefício, e defendeu isso mesmo durante a campanha eleitoral. Mas esta quarta-feira, Salvador Malheiro foi claro ao afirmar que a questão da localização está fechada (é o Montijo), cabe apenas ao PS convencer as autarquias a fazê-lo. Quanto à lei, isso é que os sociais-democratras não vão alterar.

Ainda que o Governo tenha competência para aprovar a legislação necessária, a oposição assumida dos partidos à esquerda deverá levar a uma futura apreciação parlamentar do decreto. E nesse cenário, só a abstenção dos social-democratas permitiria fazer passar a alteração legislativa.

Mas o PS quer mesmo encostar os sociais-democratas às cordas, dramatizando a questão e dizendo que, sem o PSD, a opção ‘Montijo’ vai por água abaixo. É aí que os socialistas lembram as ideias defendidas pelo anterior governo PSD, com José Luís Carneiro munido de quatro powerpoints com notícias sobre o PSD desde 2016, a lembrar que a “opção Montijo” sempre foi a opção escolhida pelos sociais-democratas, e a questionar se o PSD tem “duas cabeças”.

Num deles, aparece a imagem da antiga ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque a defender no Parlamento que “a melhor alternativa seria a utilização da base do Montijo”. E logo quem: Maria Luís Albuquerque é insuspeita, já que, nas palavras do secretário-geral adjunto do PS, até é alguém “a quem é conhecido um perfil de rigor nas palavras que usa em funções públicas“. Noutro slide, pode ver-se um outdoor com o carimbo do PSD a dizer “O governo anterior já tinha decidido: Aeroporto para o Montijo já”.

Perante estes factos, José Luís Carneiro ensaiou mesmo um conselho para o bem dos sociais-democratas: que o PSD, “que sempre foi capaz de abrir as portas ao diálogo”, volte a dialogar para evitar que se “constitua na opinião pública a ideia de que o PSD está tomado por uma espécie de bipolaridade tática, aproveitando todas as oportunidades para desgastar o PS e, com isso, pondo em causa o interesse nacional”.

Mais: se o vice-presidente David Justino reconhece que a lei existente (que faz depender a autorização legal ao  aeroporto do parecer favorável de todos os municípios afetados) é uma “lei estúpida” então porque não mudá-la? David Justino diz que mudar a lei em cima do processo em curso é “um atentado ao Estado de direito”. Mas o PS insiste que fechar a porta ao diálogo vai passar uma imagem de que o PSD está a pôr em causa o interesse nacional, depois de o mesmo PSD ter andado anos a defender a opção Montijo com argumentos económicos e sociais. Quem te avisa teu amigo é?