Antes da hora marcada, às 17h, é preciso animar a Praça da República para mostrar ao candidato presidencial , André Ventura, que ninguém é “tão bem recebido”. Em Portalegre, o distrito menos povoado de Portugal, com apenas 102 mil habitantes, o Chega teve o seu melhor resultado eleitoral nas legislativas de Outubro. O que confirma, como revela José Santana Pereira, num ensaio publicado no Observador após o ato eleitoral, que “o partido liderado por André Ventura tem uma maior capacidade de atração de votos no sul do país, em concelhos do Alentejo e do Algarve, padrão que já tinha sido identificado nas eleições europeias de maio de 2019″.

De microfone na mão, Manuel Alves, um dos fundadores do partido, faz de speaker da campanha. Ele e a mulher vieram de Oliveira de Azeméis. “Pelo André, fazemos tudo”. Tal como já fez pelo PCP, “há muitos anos”, e depois pelo PSD. Mas é com Ventura que as “coisas vão mudar” e Portugal vai saber, finalmente, “o que é a democracia”. Os seus slogans, “André a Presidente” ou simplesmente “Portugal, Portugal” enchem o espaço. O sistema áudio também é dele. Foi feito à medida para o Mercedes branco. Assim como o aplique em metal instalado em cima do capot, com as fotos sorridentes de André Ventura e as bandeiras do Chega. Também lá estava a bandeira portuguesa. Mas ao contrário. “Oh diabo, isto hoje não está a correr bem”, diz, enquanto desfaz o erro antes que mais alguém dê por isso. Já o erro ortográfico nas credenciais para a imprensa, a identificar o evento como “apresentação da candidatura á Previdencia da Republica”, já não tem remédio, ficará para a posterioridade.

Já o erro ortográfico nas credenciais para a imprensa, a identificar o evento como “apresentação da candidatura á Previdencia da Republica”. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Diogo, 24 anos, vem de Coruche, é licenciado em economia e trabalha como analista financeiro. Ainda não é militante do Chega, mas gosta de ouvir as intervenções de André Ventura na Assembleia. E gosta mais todos os meses, quando olha para o recibo de vencimento. “Não é possível suportar esta carga de impostos. Receber um ordenado de 1100€ e levar para casa 800€ líquidos. Quem é que vive assim?”, pergunta, ao mesmo tempo que responde. “O pior é que vemos muita gente que não quer trabalhar a viver de subsídios. O dinheiro dos impostos não está a ser bem aplicado”, resume, num discurso que replica algumas das ideias do líder do Chega. O jovem contraria o perfil de militante que, nas legislativas de Outubro, assinalou Chega no boletim de voto. E que, segundo o mesmo ensaio de José Santana Pereira, eram na sua maioria desempregados, sem formação superior e provenientes de zonas com menor densidade demográfica.

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Quatro meses depois, a militância é diversificada. Na despida Praça da República, com uma só esplanada a funcionar, o dress code foi seguido à risca por todos os que pagaram os 20€ pelo serão e que inclui jantar de gala. Os saltos altos das senhoras ficam presos nas pedras da calçada. Os vestidos são fluídos e de tecidos vaporosos. O que lhes vale são os casacos de pele ou pelo.

Ali estão sobretudo casais, de classe média, empresários ou trabalhadores liberais, mas também reformados da função pública. Os mais jovens, ou até mesmo crianças, vêm acompanhados pelos pais. O ambiente era de “festa de família” e dificilmente poderia ser replicado em Lisboa, onde o público-alvo de André Ventura é mais urbano — em Outubro, as votações mais expressivas do Chega foram em Loures (2,9%), Sintra (2,5%), Vila Franca de Xira (2,5%) e Odivelas (2,5%) — e mais disposto a aceitar um discurso radicalizado, centrado nas questões das etnias, do racismo ou da identidade de género. O que não foi de todo o “prato principal” que André Ventura serviu ao jantar, em Portalegre.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Não vai ganhar porque o sistema não vai deixar”

Entre todos os que ali esperam é unânime que André Ventura está a ganhar terreno. “Porque se afirma como antissistema”, é a frase que mais vezes se ouve numa concentração de apoiantes do Chega. E isso o que significa? Para Catarina, significa “liberdade”. Ou o fim do politicamente correto, que acredita ser quase a mesma coisa. “Por isso é que eu adoro vê-lo no Parlamento. Faz tudo bem. Até bato palmas quando ele responde aos ataques de que é alvo”, diz a empresária de Lamego. Foi militante do PSD até ao dia que Rui Rio ganhou as primeiras eleições internas. Depois entregou o cartão. “Não confio nele”, diz. De Pedro Passos Coelho é que não esquece. “Dele e de Sá Carneiro”, acrescenta. Por isso, não perdoa a António Costa a geringonça. “Quem não ganha as eleições não governa”, conclui.

Ninguém ali o esconde. Antes de se ser a favor do Chega e de André Ventura, é-se contra alguma coisa. É como se não houvesse meio termo: o país “não vai para a frente”, só se “safam os bandidos e os ladrões”, os que “mandam nisto tudo vão deixar-nos outra vez na bancarrota”, “é uma vergonha o Serviço Nacional de Saúde”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

É tudo preto ou branco. Não há nenhum tom de cinzento. Nem para falar da candidatura de André Ventura a chefe de Estado. “Não vai ganhar porque o sistema não o vai deixar”, diz João, ex-militante do CDS. Mas também “não há problema” porque o mais importante é “dizer as verdades ao Marcelo”. Saiu desapontado do Congresso com a vitória de Francisco Rodrigues dos Santos, a quem chama sempre “Chicão”. Uma “cópia” de André Ventura, comenta sem receio. E é por isso que está ali, à espera de ver o “original”, e para ponderar a militância. “O André Ventura vai precisar de ter uma base de apoio cada vez mais forte para conseguir enfrentar os deputados que não perdoam a sua frontalidade”, acrescenta.

E ali, ninguém duvida que isso está a acontecer em números superiores aos apontados pelas sondagens, que já colocam o Chega como a 4ª força política do país, com quase 7%. “Isso é pouco. Os valores são mais altos do que isso”, ouve-se à porta da Associação Empresarial da Região de Portalegre, onde vai decorrer o jantar de gala da campanha presidencial de André Ventura. Quem faz parte da estrutura do Chega, como Cristina Vieira, que é uma das fundadoras, entusiasma-se e decreta que o partido está a crescer a um ritmo “alucinante”.

E André Ventura, claro, corrobora essa afirmação. Em declarações ao Observador, a antecipar o arranque da campanha, garantiu que num só dia, podem inscrever-se mais de 300 militantes no Chega.

Terá sido isso que aconteceu recentemente com as declarações do deputado sobre o caso Marega. Num post no Facebook, escreveu que “o nosso problema não é o racismo. É a hipocrisia. É o síndrome Joacine que começa a invadir as mentalidades. Por mim não passarão”. A frase teve um impacto mediático e político enorme, colou Ventura ao racismo, e obrigou o deputado a uma rara sequência de declarações públicas para tentar justificar o que disse.

Mas Catarina, a empresária de Lamego, concorda com a afirmação. E é à conta do seu apoio a André Ventura nas redes sociais que ficou cinco dias sem conseguir publicar nada no Facebook. “Chamaram-me nazi só porque defendi que, hoje em dia, tudo é racismo”. Respondeu no mesmo tom a um utilizador e acabou “castigada”. Os insultos, diz, são “constantes”. Há quem acredite, por isso, que há mais simpatizantes do que aqueles que aparecem nas sondagens, por medo de revelar o sentido de voto.

As eleições, “daqui a dois ou quatro anos”, vão ser o tira-teimas. E nessa altura, acrescenta o marido de Catarina, “vai ser vê-los a correr atrás da lebre… para onde ele vai, vão todos”.