O jornal espanhol El País teve acesso às atas de reuniões do conselho técnico do Centro Europeu para o Controlo e Prevenção de Doenças (CECPD), realizadas a 18 e 19 de fevereiro, onde consta que o novo coronavírus foi tratado pelo organismo como tendo um risco “baixo” para a população europeia e considerando que os casos até aí detetados em solo europeu aparentavam “ser leves”.

Os cerca de 30 especialistas reuniram-se num encontro de dois dias na sede do CECPD, em Solna, na Suécia. De acordo com as atas consultadas pelo El País, o tema do novo coronavírus — que a essa altura já tinha infetado 45 pessoas na Europa — só consta em cerca de 20 dos 130 pontos abordados nas atas.

Nas reuniões, os peritos do CEPCD consideram que os casos detetados até à altura na Europa “parecem ser leves”, são poucos e estão detatados. Por essa razão, os técnicos classificam o risco para a população como “baixo” e para os sistemas de saúde europeus como “baixo a moderado”.

O chefe científico do organismo, Mike Catchpole, destacou no mesmo encontro, porém, que “o vírus se transmite muito bem”. Tal não parece ter convencido os colegas: o representante alemão afirma que a estratégia de contenção não funciona “porque as doenças não respeitam fronteiras” e propõe por isso que se façam apenas “recomendações”; os colegas austríaco e eslovaco temem que se gere medo entre a população; e o representante espanhol, Fernando Simón, fala no risco de “estigmatizar” aqueles que são submetidos ao teste para a Covid-19.

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No mesmo encontro foram discutidos os critérios para a definição de caso suspeito, ou seja, que critérios seriam necessários para que uma pessoa fosse testada, com o grupo a assumir a posição de que tal só deve acontecer se a pessoa tiver estado em Wuhan, na China, onde o surto teve origem. O representante dinamarquês, contudo, alertou que seria “importante” definir “onde e quando se testa o vírus”, dando como exemplo os casos de pneumonia graves como casos que deveriam ser testados.

O mesmo técnico diz que é necessário ser “proativo” perante cenários como a chegada do vírus a países como o Japão e o Vietname. No entanto, como relembra o El País, esses critérios só viriam a ser alterados quatro dias mais tarde, depois das primeira mortes por Covid-19 em Itália.

Outra das vozes dissidentes terá sido a do representante holandês, que diz temer que os Países Baixos tenham “problemas com a capacidade de camas nos hospitais” e dizendo que o foco deve estar na adoção de “medidas que atrasem ou mitiguem a epidemia”.

O El País contactou vários especialistas a quem forneceu as respetivas atas, para que as analisassem. O veredito foi unânime, com as fontes a apontarem que o grupo não levou a pandemia a sério: “O vírus foi subestimado”, afirmou por exemplo Daniel López Acuña, ex-diretor de Ação de Saúde em Crise da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Mesmo com os olhos da altura, com o que se saiba, é possível ver que não se valorizou o suficiente a capacidade de transmissão do vírus, nem o impacto que podia ter nos viajantes internacionais”, declarou.