Não é fácil encontrar um bem ou um serviço que vai passar a ser pago, depois de gratuito durante anos e que, ainda assim, deixe os clientes agradados com a mudança. Pois bem, é exactamente isto que acontece com a recarga de veículos eléctricos, que depois de ter passado a ser paga nos postos de carga rápida (PCR) a 1 de Novembro de 2018, vai passar a exigir igualmente um pagamento nos postos de carga normal (PCN) a partir do próximo dia 1 de Julho.

Independentemente dos custos adicionais a que a esta alteração vai obrigar, não se espera que pese em demasia na carteira dos utilizadores dos automóveis eléctricos alimentados por bateria, sobretudo devido ao reduzido custo da energia. Se é sempre possível que surjam algumas críticas – potencialmente dos condutores que usam os seus eléctricos ao serviço de empresas como a Uber –, o grosso dos utilizadores vai agradecer a alteração, pois só assim os velhos postos avariados ou vandalizados, com potência de apenas 3,7 kW, vão ceder o seu lugar a pontos de carga novos e com potências superiores, que podem chegar até aos 22 kW. Para nos ajudar a perceber melhor o que vai mudar, bem como o que seria bom que fosse alterado, recorremos ao presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE), Henrique Sánchez, um especialista na matéria.

Afinal, quantos postos é que vão ser a pagar?

O presidente da UVE recorda que o concurso que foi aberto em Dezembro de 2019 concessionou “643 PCN na via pública, mais 20 que eram propriedade das câmaras”, mas eram igualmente geridos pelo regulador da mobilidade eléctrica, a Mobi.e. “No total, foram 663 postos de carga divididos por 11 lotes, com cerca de 60 postos cada”, com as quatro concessionárias – Operadores de Postos de Carga, ou OPC – a ficar com grupos de três ou dois lotes. Cada um dos lotes obrigou ao pagamento de 150.000€ pela exploração durante um período de 10 anos. Os PCN abrangidos pelo referido concurso eram os iniciais, produzidos pela Efacec e com uma potência de 3,7 kW, que o fabricante já informou que foram descontinuados e para os quais “nem há peças de substituição”.

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Questionado sobre o interesse dos OPC em explorar uma rede de 180 PCN (três lotes com 60 postos cada) com potência muito reduzida e em muito mau estado de conservação, pois uma parte significativa está avariada ou vandalizada, Henrique Sánchez admite ser “possível que alguns OPC possam não ter interesse em aceitar alguns dos postos”, salientando que “o que tem maior interesse é o posto em si, onde é possível montar um novo carregador mais moderno e potente que, mesmo sendo AC (de corrente alterna), pode atingir até 22 kW”.

Henrique Sánchez, presidente da UVE e utilizador de um veículo eléctrico, é um dos que se congratula com o início da cobrança da energia fornecida pelos postos de carga normal da Mobi.e, por isso lhe permitir ambicionar melhor serviço e postos mais potentes

O responsável pela UVE chama ainda a atenção para o facto de estes 663 não serem os únicos PCN em Portugal, pois há mais cerca de 600 que foram instalados em zonas privadas mas de acesso público, como por exemplo garagens de hotel, parques de restaurantes e de supermercados. Com a curiosidade de muitos destes postos, concessionados em Abril de 2019, serem gratuitos para fidelizar clientes, que podem não ter de pagar a energia caso tenham consumido no estabelecimento.

Pagar vai ser mais fácil do que nos postos de carga rápida?

Para quem está habituado a pagar quando abastece com gasolina ou gasóleo, recarregar a bateria parece uma operação do outro mundo. E para adivinhar quanto lhe vai custar, o melhor é ter um smartphone com calculadora científica. Paga-se ao minuto ou ao kW abastecido, valor a que é forçoso juntar a utilização do posto, isto nos PCR. Daí que se impusesse saber se com os PCN será mais fácil, permitindo estimar no momento quanto se vai pagar pela energia. Sánchez explica que, em Portugal, a legislação determina que “só um CEME (Comercializador de Electricidade para a Mobilidade Eléctrica) pode vender energia” e, depois, “há ainda que pagar o uso do posto de carga, o que torna tudo muito confuso”. Para depois recordar que “a mesma lei prevê ainda carregamentos ad hoc, pagos na hora através de uma aplicação, por exemplo, o que lamentavelmente nunca foi implementado”. Esta solução seria bem-vinda para emigrantes, turistas estrangeiros e até utilizadores de carros de aluguer ou de carsharing, “mas a Mobi.e nunca implementou o sistema, embora tenha feito testes com uma aplicação”, recorda Henrique Sánchez. Mas o presidente da UVE está convencido que a situação vai mudar, pois “há uma empresa a operar no nosso país que já possui uma aplicação que informa o custo do carregamento na hora, existindo uma segunda com um sistema similar, mas que apenas trabalha com a BMW”.

O que é necessário mudar para melhorar o serviço?

A UVE e o Centro de Excelência para a Inovação da Indústria Automóvel (CEIIA) deram as mãos e, em Julho de 2019, propuseram-se apresentar um manifesto ao Governo com uma série de questões que julgam ser importante ver esclarecidas. Sánchez adianta que o documento está pronto: “Já solicitámos audiência para o entregar e, por respeito pela tutela, não queremos revelar o conteúdo”, afirma. Mas sempre avançou um ou outro detalhe para aguçar o apetite, como “não fazer sentido que os operadores dos postos não recebam informação sobre o seu estado de funcionamento quando estão avariados, uma vez que a informação é enviada para a Mobi.e, que depois a faz chegar ao interessado quando lhe for possível”. Com isto perdem-se dias para o operador, e para os clientes em busca de um local onde recarregar a bateria.

Outros dos esquemas de funcionamento que pretendem sugerir que seja alterado diz respeito “à necessidade da EDP Distribuição ser mais expedita na atribuição do ramal ou no incremento da sua potência, bem como a Direcção-Geral de Energia e Geologia ser mais célere na certificação, a Entidade Nacional para o Sector Energético mais rápida na fiscalização, e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos na homologação, pois todo o processo é demasiado lento e burocrático”, critica o responsável da UVE, que diz ter avançado igualmente com sugestões sobre o tema.

A qualidade dos postos vai melhorar?

Se por um lado vai ter de pagar a energia com que abastece, bem como o uso do posto de carga, por outro lado, o condutor do veículo eléctrico que visita o PCN deverá ser compensado ao encontrar o posto em bom estado de funcionamento – pelo menos é isso que se espera, pois a concessionária precisa de vender energia para recuperar o investimento. Outra das vantagens reside no aumento do número de postos com mais potência pois, se existir nas proximidades um carregador a 22 kW, ninguém vai querer usar um com apenas 3,7 ou 7,4 kW.

Sánchez defende este princípio, que pôde ser constatado aquando da concessão dos postos de carga rápida: “Hoje existem no país 277 PCR, a 50 kW, e tudo parece funcionar melhor”. No entanto, continuam a verificar-se situações como a da auto-estrada A1, na Mealhada, “onde só foi possível montar um PCR no sentido Sul-Norte, pois o ramal não tinha potência para um segundo posto em sentido contrário”, lamenta.

O responsável pela UVE relembra ainda que “alguns dos PCN da Mobi.e foram recentemente actualizados, através de dois concursos com ajuda do Fundo Ambiental”. O primeiro envolveu a actualização dos 100 postos mais utilizados no país, que ainda assim mantiveram a potência de 3,7 kW ou sofreram um upgrade para 7,4 kW. O segundo incidiu sobre 202 postos duplos, envolvendo a totalidade dos concelhos, onde houve lugar à substituição dos postos antigos por novos com 22 kW”.