Os deputados da comissão parlamentar de orçamento e finanças aprovaram um calendário que permite a votação e aprovação final do projeto-lei que muda as regras de nomeação do governador do Banco de Portugal, antes da data prevista para a nomeação do substituto de Carlos Costa.

Com o voto contra apenas do PS, os deputados viabilizaram o calendário proposto pelo líder do PAN, o partido cujo projeto-lei foi aprovado na generalidade e que determina que a votação final do diploma seja realizada a 3 de julho. Se a imposição de um prazo de cinco anos prévio à nomeação de um ex-titular das Finanças para o cargo, passar na versão final do diploma poderá mesmo ser impedida a nomeação de Mário Centeno para o Banco de Portugal.

No entanto, a aprovação do chamado “período de nojo” para políticos (titulares de órgãos de soberania e ministros e secretários de Estado que foram responsáveis pela área das Finanças), está longe de se encontrar garantida e será à esquerda que o PS vai ter aliados para deixar cair esta imposição. Se PCP e Bloco deixaram passar calendário proposto pelo PAN para acelerar o processo legislativo, não é de todo evidente que viabilizem o ponto mais polémico da alteração proposta e que muitos apontam como feita à medida do ex-ministro das Finanças.

O PCP já deixou que nada tem contra a ida de Centeno para o Banco de Portugal. Duarte Alves manifestou sim preocupação face ao trânsito entre os setores privados e público e captura do supervisor pelo supervisionado. O Bloco de Esquerda defende que os políticos não devem ser penalizados pelos cargos que desempenharam e a mudança que propõe vai mais no sentido de tornar vinculativo o parecer da Assembleia da República aos nomes propostos pelo Governo para entidades reguladoras.

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O processo de votação deste projeto-lei foi discutido durante mais de duas horas antes de se consensualizar um calendário que permita a produção de efeitos a tempo da nomeação do novo governador. E um dos pontos que mais polémica gerou foi a necessidade de ouvir o Banco Central Europeu, uma obrigação imposta pelos socialistas, que poderia fazer atrasar todo o processo de conclusão do diploma na especialidade. Através de parecer ou audição, foi aprovado um requerimento do PSD que fundamenta a necessidade de ouvir o BCE com urgência no prazo de oito dias úteis.

Em causa está uma lei que, segundo os socialistas, se ajusta como uma fotografia a uma pessoa e que está ser discutida em cima do processo da sua nomeação para um cargo cujas regras se pretende mudar. E quando se quer mudar a lei orgânica de uma entidade reguladora, neste caso o Banco de Portugal, para o qual é necessário um parecer do Banco Central Europeu e audições, quando esse calendário coincide com a discussão de um orçamento suplementar, o resultado é “um problema político”, reconheceram vários deputados.

“Não vamos fingir que é um processo normal. Não é. É um processo condicionado do ponto de vista político”, sintetizou Mariana Mortágua. “É óbvio que esta discussão sobre uma lei está a ser feita num contexto particular… e isso não pode ser ignorado”, acrescentou a deputada do Bloco de Esquerda.

Já a deputada do CDS questionou o sentido de “ouvir alguém proposto pelo ministro das Finanças para governador e concluir, semanas depois, um processo legislativo que tornaria essa pessoa incompatível para o cargo?” Por isso, Cecília Meireles propôs até que comissão de Orçamento e Finanças adiasse a audição da pessoa proposta para governador, que é uma obrigação legal, para depois das novas regras estarem em vigor.

Para Cotrim de Figueiredo, não há dúvida de que não teríamos esta discussão se não existe uma intenção real de nomear o ex-ministro”. Por isso, o timing do agendamento é crucial. A Iniciativa Liberal anunciou a intenção de apresentar um projeto de resolução para adiar a nomeação do novo governador para setembro.

O principal braço-de-ferro que opôs os socialistas aos partidos que queriam acelerar a discussão da lei na especialidade, sobretudo o PAN e o PSD que forçaram a votação do calendário, foi a audição, ou parecer, que o Banco Central Europeu terá de dar quando estão em causa alterações à lei orgânica do Banco de Portugal. Esta é a interpretação do presidente da comissão, o socialista Filipe Brandão Neto, com base numa posição assumida pelo Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, junto da instituição europeia. Os serviços jurídicos do Parlamento na nota técnica que acompanha o projeto do PAN indicam que será pertinente pedir um parecer ao BCE.

A audição do BCE foi contestada pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, com o deputado comunista Duarte Alves a invocar questões de soberania nacional. E os partidos que estavam a favor de ouvir o supervisor europeu discordaram sobre a imposição de um prazo que fosse compatível com o processo legislativo de mudar a regra de nomeação do governador, a tempo da decisão política sobre o sucessor de Carlos Costa.

O BCE não tem prazo para dar parecer, em regra fá-lo em um mês. Pode ser inferior, mas é preciso fundamentar as razões da extrema urgência, sublinhou várias vezes Filipe Brandão Neto. Coube a Duarte Pacheco do PSD propôs o requerimento para justificar a urgência do Parlamento português em ouvir a posição do BCE que foi aprovado contra os votos do PS. “No mês de julho será nomeado o novo governador do Banco de Portugal. A Assembleia considera importante concluir este processo legislativo antes da nomeação, solicita-se com carácter de urgência que o BCE se pronuncie no prazo de oito dias.”

O calendário aprovado, sob proposta “razoável” do líder do PAN, André Silva, prevê que os partidos proponham audições sobre o diploma até às 12h00 da próxima quinta-feira para que sejam aprovadas antes do plenário. As audições — o Banco e Portugal será chamado — serão realizadas no dia 24 de junho e até dia 29, os partidos terão de apresentar propostas de alteração ao projeto do PAN. O diploma e as alterações serão votadas na especialidade no dia 2 de julho e a 3 de julho será a votação final em plenário. E é nestes últimos dias do calendário que tudo pode ainda mudar num projeto que, na sua formulação inicial, impede o Governo de nomear o ex-ministro das Finanças para o cargo de governador.