A pandemia deixou o Parlamento em serviços mínimos durante dois meses e isso foi o suficiente para atrasar o processo legislativo em torno da despenalização da morte assistida. O grupo de trabalho que foi criado ainda antes do surto da Covid-19 reuniu-se esta tarde pela segunda vez e fixou um prazo: até dia 1 de julho as entidades que pediram para ser ouvidas sobre o tema, mas que já foram ouvidas na legislatura passada, vão informar a Assembleia sobre se querem ser ouvidas presencialmente ou por escrito. Só depois disso é que as audições têm início. A isto junta-se outro ‘entrave’: a iniciativa popular de referendo que deu entrada esta manhã na Assembleia da República tem prioridade, pelo que a sua discussão e votação deverá ser agendada antes de o trabalho legislativo prosseguir. Mas como a margem para agendamentos no plenário é estreita devido à discussão do orçamento suplementar, nem sequer é certo que a proposta de referendo seja discutida ainda nesta sessão legislativa. Por tudo isto, é uma coisa é certa: julho não chega para tudo e a votação final sobre a despenalização da eutanásia só acontecerá depois de setembro, na melhor das hipóteses.

Eutanásia. Proposta de referendo reuniu mais do que as assinaturas necessárias. Parlamento apressa-se

O calendário e os prazos foram discutidos esta tarde no grupo de trabalho sobre a despenalização da morte medicamente assistida e, depois de largos minutos a discutir metodologia, todos concordaram: “É impossível concluirmos os trabalhos nesta sessão legislativa“, resumiu a deputada socialista Isabel Moreira, encarregue de converter os cinco projetos de lei aprovados na generalidade num texto de substituição, que depois ainda terá de ser discutido e acertado com os contributos dos vários deputados. Tanto Telmo Correia como José Manuel Pureza tinham concordado antes que mesmo o agendamento da proposta popular de referendo no plenário será difícil de encaixar no mês de julho, podendo ter de ficar para setembro, o que empurra automaticamente todo o processo legislativo para a frente.

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Assim sendo, apesar dos receios da Federação pela Vida, que esta quinta-feira entregou as mais de 95 mil assinaturas que obrigam à discussão da proposta de referendo no plenário, de que os deputados se preparavam para apressar o trabalho legislativo em sede de especialidade para aprovar o quanto antes a despenalização da morte assistida, não é isso que o Parlamento se prepara para fazer.

“Não devemos dar a ideia de que há urgência ou pressa em legislar”, chegou a dizer esta tarde o deputado do CDS Telmo Correia perante a sugestão do deputado bloquista José Manuel Pureza de que as entidades que já foram ouvidas no passado na AR sobre este tema se limitassem a enviar contributos por escrito. Perante estas reservas, o que ficou decidido no grupo de trabalho foi que essas mesmas entidades, que já foram ouvidas na legislatura passada, fossem questionadas sobre se querem acrescentar novos contributos por escrito ou presencialmente. Terão até ao fim do mês para o fazer.

Isto porque, como realçou a coordenadora do grupo e deputada do PSD Mónica Quintela, o “contexto” é outro. Se há quatro anos, o processo legislativo girava em torno da hipótese de a eutanásia ser aprovada ou não, agora gira em torno de “fazermos a melhor lei possível”, uma vez que a despenalização da morte assistida já foi aprovada na generalidade e há uma clara maioria nesse sentido. Daí que todos tenham concordado que entidades como a Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros ou a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, que já foram ouvidas em tempos, sejam de novo ouvidas de forma presencial dada a importância que têm em relação ao tema.

O “acervo documental” que o Parlamento tem, com contributos de várias entidades e pareceres jurídicos, reunido pelos dois grupos de trabalho que anteriormente foram formados para discutir o tema, continuará a ser “útil” ao atual grupo de trabalho, como sublinhou Isabel Moreira, mas tal não invalida que, se essas mesmas entidades quiserem voltar a ser ouvidas presencialmente, o venham a fazer.

As audições vão, por isso, ser agrupadas de forma temática — num dia deverão ser ouvidas as associações dos médicos e juristas católicos bem como o grupo de trabalho interreligioso; noutro dia as associações como a Voz Amiga, Juntos pela Vida ou Filhos sem Voz; noutro a associação portuguesa de seguradoras e noutro ainda as ordens dos médicos e enfermeiros bem como a associação dos cuidados paliativos. Estes quatro momentos de audições parecem fechados, devendo a estes acrescentar-se outros consoantes o número de entidades que venha a pedir para ser ouvida presencialmente. Em todo o caso, o trabalho é longo e não deverá sequer começar antes de o Parlamento encerrar para férias. Setembro é outro dia.