A comunidade luso-americana da Califórnia herdou o racismo histórico “que não foi endereçado (discutido) em larga escala por Portugal”, disse o chef luso-descendente Antelmo Faria, durante um fórum virtual sobre racismo e discriminação.

“Uma coisa que temos de fazer é dar um passo atrás e assumir a responsabilidade”, disse o dono do restaurante português Uma Casa, em São Francisco, referindo que os portugueses estiveram sempre envolvidos no tráfico transatlântico de escravos africanos. “Penso que essa é uma grande nuvem que paira sobre a comunidade portuguesa, nunca houve uma tentativa séria de abordar isto [o racismo] como cultura, como povo”, acrescentou.

O che’ falava no primeiro fórum virtual organizado pela Coligação Luso-Americana da Califórnia (CPAC) para debater o racismo na comunidade portuguesa, que decorreu esta madrugada e teve também a participação de Mary Xavier, Anthony Esteves, José Luis da Silva e Rosemary Serpa-Caso.

Um dos pontos debatidos foi a influência da guerra colonial na perceção e mentalidade. “Há toda uma geração para quem os africanos eram os inimigos”, frisou Antelmo Faria, chamando a atenção para o facto de que os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) têm pouca ou nenhuma visibilidade nas celebrações da comunidade portuguesa nos Estados Unidos.

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O presidente da CPAC, Diniz Borges, afirmou no debate que “os portugueses têm de ter uma conversa longa com a diáspora sobre o papel do colonialismo na sua história”, algo que não foi feito de forma extensa até agora.

“Na comunidade portuguesa é difícil ter estas conversas, até mesmo chamar a atenção quando alguém diz uma anedota racista”, disse a assistente social Mary Xavier. “O movimento Black Lives Matter está a motivar estas conversas importantes e esperamos que as pessoas se tornem mais conscientes de que nem toda a gente tem a mesma experiência de vida na América”.

Os protestos liderados por este movimento, após a morte do afro-americano George Floyd às mãos da polícia, no final de maio, foram o mote para o fórum organizado pela CPAC, numa altura em que a perceção do Black Lives Matter na comunidade portuguesa é controversa.

“Acredito que todas as vidas importam, mas as vidas dos negros importam agora”, sublinhou Rosemary Serpa-Caso, contrapondo ao lema All Lives Matter (todas as vidas importam), com que os críticos respondem ao movimento Black Lives Matter. “Neste momento, precisamos de nos focar nos indivíduos a quem os direitos estão a ser retirados”.

Anthony Esteves, que disse ter começado a notar atitudes racistas nas festas portuguesas nos anos noventa, afirmou que as gerações mais novas estão a educar-se melhor sobre este tema e sobre as várias camadas da história de Portugal.

“Educação e empatia é do que precisamos mais”, disse o escritor lusodescendente, que tem apoiado publicamente o movimento Black Lives Matter.

José Luís da Silva afirmou no debate que há uma “mudança geracional” e que os mais novos têm uma mentalidade mais aberta, ao contrário das gerações anteriores e da sua “definição muito limitada dos grupos étnicos”.

O professor lembrou que muitos portugueses não queriam enviar os filhos para a escola secundária de São José, por causa dos alunos de origem sul-americana. “O racismo era muito claro contra os mexicanos”, disse.

Antelmo Faria disse que essa atitude reflete a forma como os emigrantes se integraram nos Estados Unidos. “Os portugueses foram emigrantes. Mas não emigraram para este país como pessoas de cor”, notou. “Tiveram a capacidade de se assimilarem na cultura popular americana, os Josés tornaram-se Joes e os Antónios tornaram-se Tonys, porque era importante não serem vistos como forasteiros”, afirmou.

O chef considerou que a comunidade emigrante interiorizou as atitudes vigentes em relação às minorias étnicas, absorvendo os costumes e passando também a apontar o dedo aos outros.

“Tenho muito orgulho de ser português”, disse Antelmo Faria. “Penso que parte de ter orgulho de quem somos é aceitar as transgressões que ocorreram e não apenas escolher a dedo as partes que dão jeito e dispensar o resto”.

A organização deste fórum teve o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), e a CPAC pretende trabalhar com outras organizações, como o Conselho de Liderança Luso-americano (PALCUS), para abordar mais questões sociais de relevo em edições mensais de debate.