O número de jornalistas negros está a aumentar em Portugal, mas continuam pouco representados na área e muitos trabalham em meios independentes, disse à Lusa a jornalista do Diário de Notícias Sara Azevedo.

Sara Azevedo explorou o tema da representação étnico-racial nas redações portuguesas na sua dissertação de mestrado, na Universidade Católica Portuguesa, intitulada “Representatividade étnico-racial nas redações de imprensa escrita em Portugal”.

“O principal resultado que encontrei foi que muitos jornalistas com origem africana ainda não têm muita representatividade no meio [jornalístico], sendo que o meu foco foi a imprensa escrita”, contextualizou à Lusa a jornalista do Diário de Notícias (DN).

Com os dados que analisou, a partir do inquérito que formulou, percebeu que “muitos jornalistas negros trabalham em meios independentes e que são poucos os que trabalham em grandes grupos mediáticos”. Verificou também, através dos inquéritos, que “atualmente há um aumento da representatividade negra, mas que não é significativa”.

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A escolha deste tema deu-se porque, quando iniciou o mestrado em Ciências da Comunicação, em 2020, deparou-se com um ano “marcante em termos de luta racial em todo o mundo, inclusive em Portugal”. Isto porque, a nível internacional, o mundo deparou-se com a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, devido a violência policial, mas em Portugal também Bruno Candé, um ator, foi assassinado, vítima de crime de ódio racial, segundo a acusação do Ministério Público.

“Foram duas situações que me motivaram a trabalhar muito a questão da representatividade ao longo do meu mestrado. Assim, quis que a minha dissertação incidisse sobre este tema, até porque eu própria sou jornalista”, explicou. No seu inquérito, analisou os dados referentes ao espaço temporal entre 2020 e 2023.

“Foi um tema difícil de trabalhar, porque é complicado quando, à partida, já sabemos as respostas, mas tinhas de as provar. Essa realidade é, inclusive, o que vejo à minha volta”, indicou a jornalista. Nos resultados obtidos, a “maioria dos jornalistas identificava-se como sendo brancos”.

“Penso que em Portugal ainda há uma certa negação do racismo que permeia a sociedade, ainda há alguma dificuldade em entender a perspetiva das pessoas negras e afro-portuguesas e as dificuldades que enfrentam sendo diferentes da maioria das pessoas”, referiu.

Segundo a jornalista, há ainda dificuldade em compreender as “microagressões” que vão ocorrendo ao longo da vida das pessoas negras, tais como comentários sobre a textura do cabelo, ou a cor da pele. “Na área do jornalismo, não há muitas pessoas que explorem estes temas. Na minha perspetiva, apenas são explorados quando é um tema que está na agenda. Claro que, como jornalistas, temos de ter em conta a agenda dos acontecimentos, mas são questões que devemos estudar mais a fundo”, sugeriu.

Realçou também que, quando surgem temas relacionados ao racismo, ou a questões raciais — como o cabelo —, é comum que os colegas se dirijam a estes profissionais, que estão pouco representados, e que os questionem. “De repente somos os porta-vozes de todas as lutas e não tem de ser assim, existe atualmente tanta informação disponível”, lamentou.

De acordo com Sara Azevedo, nem todos têm as mesmas experiências, nem os mesmos problemas e isso traduz-se em não terem todos as mesmas preocupações, mas sente que são vistos como um grupo homogéneo e, com isso, surge a pressão da representação de uma raça.

“Às vezes, mesmo de forma inconsciente, assim como uma mulher se tem de esforçar mais do que um homem, também as pessoas negras, muitas vezes, têm de fazer o mesmo em relação aos seus colegas, sentir a pressão de produzir mais, ou dedicar-se um pouco mais, para mostrarem que também estão ao mesmo nível”, concluiu.