A Fórmula 1 ainda não chegou a meio mas a sua história, ou parte dela, começa a ser escrita nas suas entrelinhas e a qualificação para o Grande Prémio da Bélgica foi exemplo paradigmático disso mesmo. A Mercedes fazer 1-2 com uma volta canhão de Lewis Hamilton a superar por larga margem o companheiro de equipa Valtteri Bottas já não é tanto a notícia, o terceiro lugar do Red Bull de Max Verstappen também não (embora desta vez Alexander Albon tenha melhorado, fazendo o quinto tempo), a quarta posição do Renault de Daniel Ricciardo foi o indicativo mais diferente do normal até pela estratégia que a Racing Point utilizou este sábado. Depois, havia a Ferrari.

Lewis Hamilton obtém 93.ª ‘pole position’ da carreira no GP da Bélgica de Fórmula 1

Charles Leclerc não foi além do 13.º lugar, Sebastian Vettel terminou na posição seguinte. Os dois pódios feitos pelo monegasco, assim como o quarto posto no Grande Prémio do 70.º Aniversário, disfarçavam na prática aquilo que tem sido a temporada da Ferrari mas mais uma qualificação desastrada em Spa-Francorchamps da equipa que cumprirá na presente edição a 1.000.ª corrida na Fórmula 1 – este domingo olhando só para os motores Ferrari, daqui a duas semanas para a equipa Ferrari – colocou vários protagonistas a comentar o presente de uma das únicas formações que pouco ou nada evoluiu (antes pelo contrário) neste Mundial de 2020.

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“A Ferrari é uma marca icónica e deveria competir na parte da frente. O que se está a passar não é bom para a F1, não é bom para a competência na parte de trás e sinto muito que estejam a sofrer desta falta de rendimento, até por todos os fãs italianos e pelos funcionários da Ferrari. No final, devemos questionar as prioridades que têm marcado os últimos tempos e de onde vem esta falta de rendimento. Talvez sejam decisões que se têm tomado dentro da equipa, entre alguns membros da equipa”, comentou Toto Wolff, chefe da Mercedes. “Não temos peças novas… É difícil, tentámos tudo, não temos mais. Fazemos o que podemos mas não temos garantias de que melhore”, disse Vettel. “Está a ser muito complicado para toda a equipa, não se conseguem encontrar explicações e estamos agora a trabalhar para tentarmos encontrar o motivos para estas faltas de rendimento”, acrescentou Leclerc.

Carlos Sainz Jr. ganhou o prémio de azarado do dia, com um problema no escape a fazer com que se tornasse só o segundo piloto nos últimos 17 anos a não sair no Grande Prémio da Bélgica depois de Hulkenberg em 2015. Leclerc tentou fugir ao prémio de pior do dia, saltando cinco posições com um dos melhores arranques de prova a par de Daniel Ricciardo, a “apertar” Max Verstappen numa luta interessante pelo terceiro lugar. No entanto, com apenas sete voltas, já tinha sido ultrapassado por Pierre Gasly, Sergio Pérez, Lando Norris e Daniil Kvyat. Sebastian Vettel, esse, continuava no 13.º posto, não conseguindo andar nem para a frente nem para trás. Os próximos dias terão mais uma vez muita conversa sobre o que se passa no conjunto italiano. Até porque, confirmando uma regra que se começa a assentar também em 2020, Lewis Hamilton continua a mostrar que está num mundo à parte.

Numa corrida que já seria marcada pelo minuto de silêncio em memória de Anthoine Hubert, piloto que faleceu na corrida de Fórmula 2 na Bélgica do ano passado (faz amanhã um ano), o britânico quis também homenagear o ator Chadwick Boseman, que morreu este sábado vítima de ausência prolongada. “Foi um dia muito importante para mim porque acordei com a triste notícia da morte do Chadwick. Tem sido um ano pesado para todos nós e a notícia deixou-me de rastos. Não foi fácil voltar a focar-me com o peso no meu coração. Mas pensei que queria ir para a pista e conduzir na perfeição por tudo o que ele fez pelo nosso povo. O que ele fez como super herói mostrou aos mais novos que é possível. Ele foi um raio de luz”, comentou Hamilton depois da qualificação onde conseguiu a volta mais rápida de sempre em Spa-Francorchamps, voando por cima de toda a concorrência.

Há exatamente dez anos, também na Bélgica, Hamilton conseguiu a sua primeira vitória no traçado depois de uma batalha complicada com o Red Bull de Mark Webber. Nas três edições anteriores, tinha desistido uma vez, tinha ido uma vez ao pódio e tinha terminado por uma ocasião no quarto posto. Agora, o britânico que tinha então apenas um título mundial, somou o 14.º triunfo em corrida e o 34.º pódio da carreira. Entretanto, entre a McLaren e a Mercedes, o britânico foi fazendo história. Está cada vez mais perto do sétimo título mundial igualando o recorde de Michael Schumacher, chegou agora ao 89.º triunfo (a dois do alemão) e tornou-se na última prova o corredor de sempre com mais pódios na Fórmula 1, 150. Também ele, como o Black Panther, ganhou um estatuto de referência dentro e fora dos traçados. Um ícone no desporto, na sociedade, na vida. E que não pára de ganhar.

Depois de controlar o arranque nas cinco primeiras curvas que poderiam ser um problema pela pressão de Bottas, Hamilton começou a alargar distância para o finlandês e os Mercedes tentavam fugir de Verstappen. A corrida tinha emoção do sexto lugar para baixo, algo que sofreu uma ligeira inversão com uma saída de pista do Alfa Romeo de Antonio Giovinazzi após perder uma das rodas e levar também o Williams de George Russell a desistir. Todos os carros aproveitaram para passar pelas boxes, onde Albon conseguiu superar Gasly. Quando o safety car abandonou a pista, Hamilton queixou-se de falta de potência, a equipa indicou que tinha sido apenas uma falha na regeneração de energia e tudo voltou à normalidade. Na Bélgica, no Campeonato, na história.

Quando está cada vez mais perto de igualar e ultrapassar o número de vitórias em Grandes Prémios de Schumacher (91-89), e quando caminha a rodas largas para o sétimo título mundial que irá igualar o recorde máximo que também pertence ao germânico, Lewis Hamilton voltou a superar um máximo do alemão tornando-se, na 24.ª volta da corrida, no piloto que liderou mais Grandes Prémios em quilómetros (o registo máximo estava em 24.148km). E nem mesmo os problemas nas últimas voltas de novo com os pneus, fazendo recordar numa primeira instância a vitória dramática em Silverstone com um pneu furado na volta final, impediu de ganhar a quinta das sete corridas no Mundial de 2020, alargando assim a vantagem para Verstappen, que acabou em terceiro atrás de Bottas. Da Ferrari, mais do mesmo: 13.º lugar para Vettel, 14.º para Leclerc. Pior só mesmo na Estíria quando chocaram e acabaram os dois por ficar fora de prova logo no início da corrida…