“Mata, mata, mata, não deixa jogar”. O início de jogo do Benfica no Bessa foi merecendo vários reparos de Jorge Jesus, da falta de velocidade no momento de construção à pouca capacidade de reação sem posse. E ainda houve os erros na fase defensiva, uns atrás dos outros, que quebraram uma série de sete vitórias consecutivas com uma pesada derrota por 3-0. Ainda assim, no final, o técnico dos encarnados recordou a frase que diz ter ouvido mais vezes do banco dos axadrezados, lamentando as constantes interrupções no jogo com um total de 31 faltas. Antes da partida com o Rangers, que iria decidir a liderança do grupo na Liga Europa, o tema voltou a ganhar palco como contraponto da forma de jogar dos escoceses. E levou mesmo à comparação dos britânicos ao… Liverpool.

Benfica consegue empatar com Rangers nos descontos reduzido a dez desde os 19′ (3-3)

“Vamos encontrar um adversário que com o Benfica penso que vai definir a classificação nesta fase de grupos. É o adversário mais forte que encontrámos. Conheço bem esta equipa, no ano passado defrontou o FC Porto e o Sp. Braga. Tem uma sistema de jogo diferenciado, parecido com o do Liverpool, joga sempre com a mesma ideia, fora ou em casa. Vai ser difícil para o Benfica, mas também vai ser difícil para o Rangers. Queremos apresentar-nos bem, como fizemos com o Standard Liège, sabendo que este adversário é mais forte”, começou por apresentar o treinador português. “Não há nenhuma equipa na Liga Europa ou na Champions que faça 31 faltas, tenho a certeza disso. Vamos defrontar uma equipa poderosa na Liga Europa, com história, mas achamos que temos equipa para ganhar contra uma formação que ainda não perdeu. Queremos ser os primeiros esta época a ganhar ao Rangers”.

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Assumindo que “o Benfica não estava preparado para perder no Bessa, porque vinha de uma fase muito boa”, Jorge Jesus assumiu também que a questão física não só teve peso na derrota com o Boavista como seria importante no encontro com os escoceses, admitindo por isso fazer alguma gestão “num jogo com uma dinâmica muito alta”. No entanto, havia um problema maior do que todos os outros que vinha da última partida: a defesa, não apenas como setor mas num plano coletivo, da capacidade de reação à perda às transições, passando pelo jogo sem posse. E era aqui que entroncava a grande preocupação dos encarnados para estabilizar a equipa para o Rangers.

“No 4x3x3 deles os jogadores da frente não entram muito em tarefas defensivas, temos de ter atenção especial à forma como a equipa sai na recuperação da bola. Têm um sistema de jogo interessante, normalmente as equipas que jogam em 4x3x3 passam mais a 4x5x1, mas eles não, é mesmo 4x3x3, com bola e sem bola. Temos de ter o nosso equilíbrio defensivo, como temos de fazer com todas as equipas, independentemente do nome”, salientou o técnico que, no Bessa, assumiu que os encarnados não estiveram bem no plano defensivo, destacando também que não há qualquer caso com Gabriel, após a substituição com os belgas do Standard Liège: “A pergunta está errada, ele não está chateado com nada, não foi repreendido. Perguntei-lhe se estava com pressa de ganhar, se estava 2-0, acha que algum jogador se chateia com isto? Isso é um tema que não tem história”.

Gabriel ficou mesmo de fora, num misto de opção técnica e gestão física, ao contrário do que aconteceu com a dupla Otamendi-Vertonghen. Por um lado, ficava mais uma vez a nota que, ainda sem Todibo, Jesus prefere contar com os melhores desgastados do que dar uma oportunidade a Jardel e/ou Ferro; por outro, a crença apresentada no técnico em Weigl, chamado de novo à titularidade para resolver as falhas das transições ofensivas no Bessa numa semana em que o alemão foi notícia em Itália por ter sido alegadamente oferecido à Juventus já a perspetivar a próxima janela do mercado de transferências. E muito do sucesso do Benfica passaria pelo médio germânico, que teria à sua frente Taarabt, Pizzi e Everton nas alas e Rafa com Seferovic mais na frente, até Otamendi ser expulso e mudar por completo as regras de um jogo que se tornou viciado para os escoceses.

Entre muitas exibições falhadas, Weigl até acabou por ser um dos menos maus, a par de Rafa. E Jesus também não teve os seus melhores dias, fosse na abordagem ao encontro e à exploração da profundidade por parte do Rangers, fosse nas substituições ao intervalo que acabaram por dar menos pelas laterais do que nos 45 minutos iniciais. No entanto, há uma nova super star de topo na Luz, Darwin Núñez. E o jogo não mais voltou a ser o mesmo com o uruguaio em campo, perdido entre a defesa dos escoceses perante a necessidade de recuar linhas sem bola face à inferioridade numérica. Na data que celebra o Dia Mundial do Cinema, o avançado mostrou que é mais do que o ator principal deste Benfica: protagonizou, produziu e realizou o filme de uma equipa que parecia destinada a nova noite de terror como no Bessa mas que escreveu outra história para resgatar o empate a três nos descontos. O “menino”, como Jesus costuma dizer, é bem mais do que um blockbuster. E tem muita fita para fazer história.

Melhor início seria impossível: depois do pontapé de saída a pertencer aos escoceses, uma boa zona de pressão mais adiantada fez com que Pizzi intercetasse um passe, a bola sobrou para Rafa que dominou de forma adiantada, avançou, cruzou e Goldson marcou na própria baliza. Apenas em 62 segundos o Benfica ganhava com muito mérito à mistura um bálsamo que permitia que a equipa assentasse o seu jogo com o conforto da vantagem frente a uma equipa sempre a tentar sair a partir de trás mas que apostava muito na exploração da profundidade. E até foi Pizzi, descrito pelo Twitter do Rangers como Afonso Fernandes (o seu verdadeiro nome), a ficar perto do segundo golo, numa saída rápida pela esquerda de Everton Cebolinha com remate cruzado do capitão dos encarnados (10′).

Não sendo um jogo fácil, com o Rangers a não acusar a desvantagem madrugadora, o Benfica ia controlando. Mais do que isso, estava seguro em termos defensivos, com Weigl e Taarabt a baterem-se bem no duelo pelo corredor central e os alas, Pizzi e Everton, a descerem com os laterais para que a equipa nunca ficasse descompensada. No entanto, bastaram apenas seis minutos para que esse arranque não de sonho mas bem conseguido se tornasse num pesadelo: Otamendi foi expulso depois de derrubar Kent quando ia sozinho para a baliza, ficando a dúvida sobre o posicionamento do avançado dos escoceses no início do lance (19′); Diogo Gonçalves desviou para a própria baliza no seguimento de um centro da direita que cruzou toda a área (24′); e Kamara, aproveitando muita passividade sobre o portador da bola à entrada da área, fez a reviravolta apenas 90 segundos depois (25′). E até ao intervalo até foi Aribo a ficar perto do golo, num cabeceamento que passou perto da baliza de Vlachodimos (30′).

Ao intervalo, Jesus tinha de mexer na equipa. Nem tanto por uma questão de equilíbrios, porque Taarabt e Weigl foram tentando segurar o meio-campo, mas porque não mais o Benfica conseguiu chegar com perigo ao último terço dos escoceses. Foi nesse sentindo que, percebendo a melhor forma de atacar o adversário, o técnico apostou numa dupla alteração nas laterais, tirando Diogo Gonçalves e Nuno Tavares e lançando Gilberto e o regressado Grimaldo. Poucos minutos depois, foi por aqui que nasceu o 3-1 do Rangers: Tavernier subiu sozinho pela direita aproveitando a colocação do espanhol mais por dentro, foi à linha cruzar rasteiro e Morelos, ao segundo poste e nas costas do estático defesa brasileiro, só teve de encostar perante um Vlachodimos desamparado (51′).

O encontro parecia sentenciado, até pela passividade que os jogadores encarnados iam revelando fosse pela maior descrença na reviravolta, fosse pela quebra em termos anímicos. E o Rangers, melhor em todos os capítulos e com uma forma de jogar a privilegiar o “campo grande” desde que passou a estar em vantagem numérica, foi criando oportunidades para a goleada, ou por demérito do Benfica na saída a partir de trás (Kent ganhou a bola e, na área, acertou no poste) ou por mérito dos escoceses pelas combinações a dois toques que iam superando linhas entre os visitados até à conclusão (Kent voltou a ter uma boa chance mas o remate acabou por sair ao lado). Não marcaram e ainda acabaram por sofrer, numa insistência de Darwin Núñez pela esquerda a tirar adversários da frente até ao cruzamento rasteiro para Rafa encostar na área (77′). E poucos minutos depois de Vlachodimos ter tirado o 4-2 a Morelos (86′), o uruguaio ainda foi a tempo de surgir na cara de McGregor para fazer um empate (90+1′) que acabou por contar uma história diferente de tudo o que se passou em campo na Luz.