O Ministério Público pediu esta terça-feira ao Tribunal da Concorrência a condenação da auditora KPMG e de cinco dos seus sócios, nas alegações finais do julgamento dos recursos às coimas aplicadas pelo supervisor no âmbito do caso BES.

Nas alegações finais do julgamento dos recursos apresentados junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, iniciadas esta terça-feira, o procurador do Ministério Público, Manuel Pelicano Antunes, acompanhou a decisão condenatória do Banco de Portugal (BdP), sem, contudo, se pronunciar quanto ao valor das coimas aplicadas.

Na decisão de 22 de janeiro de 2019, o BdP condenou a KPMG ao pagamento de uma coima de 3 milhões de euros, o seu presidente, Sikander Sattar, de 450 mil euros, Inês Neves (425 mil euros), Fernando Antunes (400 mil euros), Inês Filipe (375 mil euros) e Sílvia Gomes (225 mil euros), de que todos recorreram.

A decisão do BdP concluiu que houve a violação de normas que determinam o “dever de os revisores oficiais de contas ao serviço de uma instituição de crédito e os auditores externos de comunicarem factos que são suscetíveis de determinar uma emissão de reserva às contas da entidade que auditam”, neste caso o Banco Espírito Santo (BES), e a prestação de informações incompletas e de informações falsas ao supervisor, relativas à situação da filial em Angola (BESA), situações que o Procurador considerou terem ficado provadas.

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Manuel Antunes acompanhou o supervisor no entendimento de que as reservas emitidas nas certificações legais das contas dos exercícios de 2011 a 2013 do BESA, emitidas pela KPMG Angola, deveriam ter constado das certificações feitas às contas consolidadas do Grupo BES, “casa-mãe” da sucursal angolana.

Para o procurador, havia informação em memorandos internos da auditora que não transparecia nos pareceres e foram tiradas conclusões sobre ausência de impacto nas contas consolidadas sem serem apresentados factos que as sustentassem, o que deveria ter originado reserva ou mesmo escusa de opinião.

Também sobre o dever de comunicação ao Banco de Portugal, Manuel Antunes concluiu que a auditora não informou o supervisor sobre a limitação de acesso a informação e sobre a qualidade da carteira de crédito do BESA e que deu “informação materialmente falsa” por saber da inexistência de provisões para um valor muito significativo de imparidades.

No início da audiência desta terça-feira, a juíza Vanda Miguel indeferiu a junção de parte da impugnação judicial apresentado pela defesa do ex-presidente do BES Ricardo Salgado, no âmbito de um outro processo, pedida pelo Banco de Portugal, e pediu ainda para ouvir a responsável da KPMG Angola, Inês Filipe, para esclarecimento de algumas dúvidas.

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Em particular, Vanda Miguel quis esclarecer por que motivo foi apontado o valor de 3,4 mil milhões de dólares de imparidades caso não tivesse sido emitida a garantia soberana pelo Estado angolano a 31 de dezembro de 2013, esclarecendo Inês Filipe que esse valor representava uma “hipotética perda máxima” e que os restantes cerca de 2 milhões de euros (igualmente abrangidos pela garantia soberana) estavam cobertos por colaterais (como hipotecas).

Questionada pela juíza sobre o que aconteceu de “tão grave” para aparecer um valor tão elevado de imparidades nas contas de 2013 do BESA, Inês Filipe salientou que, entre novembro de 2012 e maio de 2014, ocorreram “factos muito importantes” na organização do banco, que começaram com a passagem de Álvaro Sobrinho da presidência da Comissão Executiva para a presidência do Conselho de Administração e a entrada da equipa liderada por Rui Guerra.

Em particular, referiu o impacto da saída de Álvaro Sobrinho e de toda a sua equipa, no final de junho de 2013, no contacto com os clientes que detinham os projetos de maior relevância, num banco que tinha uma carteira de crédito “altamente concentrada”.

A auditora afirmou que foi necessário vencer a “desconfiança” gerada pela saída da equipa da área de crédito e que testemunhou o resultado do esforço da nova equipa, que, em fevereiro, março de 2013, estava já a normalizar esses contactos, no sentido de serem regularizados os atrasos nos pagamentos, explicados pelo contexto de abrandamento económico, com impacto em investimentos que se destinavam a escritórios, habitação e turismo.

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Inês Filipe salientou que, ao contrário do que aconteceu com o BES, que entrou em resolução em agosto de 2014, o BESA procedeu a uma alteração acionista acompanhada por um aumento de capital, “mudou de nome, mas existe até hoje”, tendo a KPMG Angola sido mantida como auditora até 31 de dezembro de 2015.

A auditora recordou a frase proferida pelo ex governador do BdP Carlos Costa no depoimento que prestou no TCRS no passado dia 27 de outubro, para justificar a decisão de resolução do BES depois de ter afirmado no parlamento, em 18 de junho, não ser esperado um impacto relevante da filial angolana, de que “muitas vezes basta um mês e muda muita coisa numa instituição”, para sublinhar o impacto gerado pelas alterações internas “muito significativas” ocorridas no BES Angola.

O julgamento prossegue na próxima quinta-feira com as alegações do Banco de Portugal e início das alegações das defesas.