“Sou diretor de Enologia, responsável de Viticultura da empresa e, se não sou o funcionário mais antigo, devo estar lá próximo”, garante. “Estudei em Vila Real e, quando acabei o curso, um dos meus professores, que conhecia a família Soares Franco, perguntou-me se não queria vir a uma entrevista”. O pai, que é a sua primeira referência na área do vinho, “era um apreciador e, sempre que vinha a Lisboa, falava no Periquita, de que gostava muito. Naturalmente, ficou satisfeito por eu ter vindo trabalhar para cá”.

Na época, a viagem de Vila Real a Azeitão demorava cerca de sete horas. Mas não foi isso que demoveu o jovem Paulo, que veio para a entrevista de emprego e regressou no mesmo dia. “Vim conhecer um escritório que era uma casa (hoje a Casa-Museu)… era muito interessante, muito  diferente. Fui recebido numa sala de estar pelo engenheiro Fernando Soares Franco, que me fez algumas perguntas e gostou da ideia de eu me interessar por viticultura, pois as pessoas saíam da formação para irem para enologia”. Um mês depois já estava a trabalhar na empresa.

Construir o futuro

“A minha expectativa, ao vir para um local tão longe de casa, era estar cá cinco anos, aprender, e voltar à minha terra”. No entanto, a vida trocou-lhe as voltas. “Fui tão bem tratado e logo incluído num projeto tão aliciante e inovador, que acabei por ir ficando. A empresa estava a investir fortemente em viticultura, que era uma área que me agradava muito e não era comum na altura”. Isso fez com que acabasse por se ir demorando pelo sul. “Comecei a trabalhar com a quinta e sexta geração da família. Agora, já estou com a sétima geração, num novo ciclo de cinco anos, que é a entrada na reta final”.  Um fim que não deixa de ser um princípio: “curiosamente, neste ciclo de cinco anos, estou novamente inserido num projeto de inovação vitícola, em que estamos a reestruturar e a instalar uma vinha completamente mecanizada, que pretende fazer face à escassez de mão-de-obra neste setor. É a primeira que se faz assim em Portugal e estará em plena produção daqui a cinco anos. Dá-me uma satisfação especial ter começado num projeto na viticultura muito importante a nível nacional e agora acabar com outro projeto igualmente importante e inovador”.

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As recordações que guarda das últimas décadas são muito boas, mas não esquece a dificuldade de estar longe de casa e das saudades dos primeiros tempos. “Fora da empresa, não conhecia ninguém, por isso, foi um pouco difícil. Nos primeiros cinco anos, fiquei em casa do senhor Agostinho, o cozinheiro do nosso refeitório. A sua família foi excecional, fui muito bem tratado, o que também contribuiu para que optasse por continuar por aqui. Entretanto casei, fui para Palmela, e é onde estou“. E se, “Vila Real é uma terra linda, tive também a sorte de vir trabalhar para uma zona muito bonita”, não deixa de revelar.

Esses anos iniciais foram momentos de verdadeira aprendizagem e de saída da sua zona de conforto. “No primeiro projeto em que trabalhei, a marca era constituída por uma adega e uma vinha, mas parte desta estrutura estava ocupada com uma unidade de produção. Na altura, tive de falar com as pessoas, o que se tratava de um verdadeiro desafio, sobretudo porque era muito novo. Mas acabou por se transformar numa experiência de vida muito boa”.

O Periquita na sua vida

Para este enólogo, o Periquita é um vinho especial, com uma característica muito importante: reflete o vinho tinto português. “Tem havido algumas afinações de forma a adaptar-se ao consumidor atual, mas tentamos manter a tradição e a qualidade elevada. Trata-se de um vinho que, naturalmente, há muitos anos, tinha estágio de garrafa e que muitos apreciadores compravam para pôr na garrafeira e consumir passado um ano ou dois. Mas, hoje em dia, as pessoas querem chegar a casa, abrir o vinho e bebê-lo”. Apesar desta aproximação ao público, acredita que não há lugar a cedências: “o Periquita é um património, pelo que não podemos alterá-lo. Assim como não podemos colocar janelas de alumínio num monumento nacional.”

Quando questionado sobre se terá um legado a deixar nesta empresa à qual dedicou toda a sua vida profissional, afirma que não tem essa presunção. “Tenho a convicção de que dei tudo, dentro das minhas possibilidades. Gosto muito disto, como se fosse meu. O meu legado é, talvez, esta minha dedicação total desde o dia em que entrei (e que parece que foi ontem) até sair”, diz, sem deixar de acrescentar que é do seu ponto de vista, “claro!” De qualquer forma, sabe que nada é feito sozinho. “Tratou-se sempre de um trabalho de equipa, para o qual contribuí. De resto, não tenho nada de extraordinário para contar, a não ser estar cá há 34 anos. Espero que a reta final corra tão bem como até aqui e que as pessoas que ficam, digam: “Paulo Hortas?, bom tipo!”. E se tivesse de voltar ao início? “Faria tudo da mesma forma”.

Saiba mais sobre este projeto em https://observador.pt/seccao/observador-lab/periquita/