Primeiro, aquela goleada traumática em Lisboa frente ao Bayern por 8-2 com números nunca antes vistos na longa história do clube nas competições internacionais. Depois, aquele burofax enviado da Argentina para Barcelona por Lionel Messi a pedir a rescisão de contrato para sair a custo zero dos catalães. A história dos blaugrana nos últimos seis meses teve vários capítulos mas todos encontraram na génese dois momentos que marcaram de muito toda a realidade do conjunto catalão. Como sublinhava o El País, é preciso recuar a 2000 e ao impacto da transferência de Luís Figo para o Real Madrid (e fez esta semana 18 anos do regresso do português a Camp Nou, naquela que foi uma das reações mais adversas de um estádio a um jogador em específico este século) para se encontrar um abalo semelhante. A situação tornou-se dramática, com muitos vencidos e sem vencedores. A catarse tornou-se uma necessidade, tal como Juan Laporta conseguiu assumir uns anos depois para levantar de novo o clube.

Vejamos o exemplo de Lionel Messi, a grande referência da equipa ainda mais reforçado nesse papel após as saídas de Iniesta e Xavi. Quis sair, forçou a rescisão, voltou atrás, deixou juras de amor ao clube não perdoando o facto de não lhe darem a liberdade de escolher um outro destino, criticou o então presidente Josep Maria Bartomeu, voltou à equipa e marcou apenas seis golos em 11 jogos oficiais entre Liga e Champions, sendo que apenas um foi de bola corrida. “Estou cansado de ser sempre o culpado de todos os problemas do clube”, atirou no regresso à Catalunha depois dos compromissos na seleção, antes de um episódio onde mal aterrou tinha dois funcionários das Finanças à espera para liquidar um imposto em dívida. Contra o Atl. Madrid, foi mais do mesmo. Ou menos do mesmo. E a opção de Ronald Koeman passou por deixar o argentino de fora na deslocação a Kiev.

Os nove pontos nos primeiros três jogos da Liga dos Campeões davam outro conforto ao holandês para fazer uma gestão mais larga em termos físicos da equipa, tendo em conta que a prioridade nesta fase passa sobretudo por tirar a equipa do 11.º lugar que ocupa no Campeonato com apenas três vitórias em oito jogos. Sem Ansu Fati, Piqué e Sergi Roberto por várias semanas após lesões graves, abdicou de Messi e de Frenkie de Jong para defrontar o Dínamo Kiev do sempre perigoso Mircea Lucescu. E quase de forma automática essa ideia da catarse ganhou forma em Antoine Griezmann, o avançado francês que continua a sentir algumas dificuldades para se adaptar à nova vida em Barcelona e sobretudo às ideias de jogo de Valverde, Quique Setién e agora Koeman. Coincidência ou não, este foi também o timing para uma entrevista a responder a muitas das críticas feitas.

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Não falo desde que cheguei, desde a minha apresentação no Barcelona. Só quis falar dentro de campo, com a bola nos pés, sou assim. Mas agora chegou a altura de dizer basta porque já ando a ouvir comentários há muito tempo”, explicou no início da entrevista a Jorge Valdano no Universo Valdano.

“É possível que haja histórias de balneário, entre adeptos e jornalistas, sobre minha chegada ao Barcelona. Falei com o Messi quando cheguei e ele disse-me que, da primeira vez que tinha recusado o Barcelona, ficou lixado por ter feito comentários públicos sobre mim. Sinto que está comigo até à morte, em cada jogo, sou um companheiro de equipa. Ouço as críticas e também é verdade que o que estão a ver não é o melhor Griezmann. Preciso de ajuda de toda a gente. Quando perdemos sou logo visado e como não falo, e como as minhas pessoas não falam, sou um alvo fácil. Em ano e meio já tive três treinadores no Barcelona e vim de um clube com um estilo que é o contrário deste. E houve uma pandemia pelo meio, estive quase cinco meses em jogar. É difícil, preciso ainda de mais tempo para me adaptar a um novo clube, a novos companheiros, treinadores e sistemas diferentes”, referiu. “120 milhões de euros pelo meu passe? Isso é com o clube, se pagaram foi porque acreditam. Posso ajudar mas não como as pessoas esperam, que é fintar cinco jogadores e marcar golo. Ajudo trabalhando”, acrescentou.

Ao contrário do que era apontado, o francês começou no banco, ficando o ataque entregue a Trincão, Pedri, Coutinho e Braithwaite com Pjanic e Alena no meio-campo. Ou seja, e entre os habituais titulares, apenas o médio ofensivo brasileiro, quando não cedia o lugar a Dembelé para jogar com Fati (antes da lesão), Messi e Griezmann. No entanto, e perante um Dínamo Kiev que pouco ou nada teve a ver com aquele que se apresentou em Camp Nou (2-1 para os catalães), o Barcelona arrancou de forma decisiva para uma goleada após o intervalo com Sergino Dest a inaugurar o marcador (52′), Braithwaite a bisar (57′ e 70′, o último de grande penalidade) e o internacional gaulês a fechar as contas em cima do minuto 90, naquele que foi em termos coletivos o melhor golo da noite e que provou que muitas vezes não é preciso fintar cinco jogadores para se destacar aos olhos dos adeptos. De forma conjuntural ou estrutural, o Barça teve a sua catarse na Ucrânia. E Griezmann foi à boleia do momento.