O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, não tem, neste momento, nenhum processo em risco de prescrição nem está a ser equacionada a transferência de qualquer processo para outro juiz, disse a juíza Mariana Machado.

Titular do Juízo 1 (J1) do TCRS desde julho de 2017, função que passou efetivamente a exercer em fevereiro deste ano, depois de uma comissão de serviço de três anos no Tribunal Constitucional, Mariana Machado disse à Lusa que a decisão tomada perante os processos que lhe estavam atribuídos foi o de fazer primeiro os julgamentos mais antigos e mais urgentes.

“Foi o que aconteceu. Fiz o da EDP/Continente porque era de 2017. Está feito e estamos a fazer o do Montepio. Com a pandemia pelo meio, entre fevereiro e esta data, estamos a falar de três processos de nível 3 (com coimas superiores a 500.000 euros) que vão ser terminados. Não me parece desrazoável”, disse.

No caso do processo em que a EDP e a Sonae recorreram das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) por pacto de não-concorrência, o TCRS proferiu em 30 de setembro a sentença que confirmou a condenação dos grupos por pacto de não-concorrência e reduziu em 10% as coimas de 38,3 milhões de euros aplicadas em maio de 2017 pela entidade administrativa.

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Já no processo do Montepio pesou a existência de contraordenações em risco de prescrição — algumas já efetivadas, como todas as que haviam sido imputadas pelo Banco de Portugal (BdP) ao ex-administrador Rui Amaral e uma a todos os arguidos.

Sem querer comentar o que sucedeu com este processo antes de assumir funções — com uma primeira sentença proferida em setembro de 2019 anulada pelo Tribunal da Relação —, Mariana Machado salientou que, neste momento, este é o único processo com risco de prescrição que tem em mãos.

Ao processo em que o Montepio e sete antigos administradores, entre os quais o ex-presidente Tomás Correia, foram condenados pelo BdP, em fevereiro de 2019, ao pagamento de coimas num valor global de cerca de 5 milhões de euros, foi apenso o decidido pelo supervisor no início deste ano por violação das normas de prevenção de branqueamento de capitais.

Na calha para avançar neste juízo estão os processos do BES Angola e o do chamado “cartel” da banca, que envolve 13 bancos que recorreram das coimas aplicadas pela AdC, no montante global de 225 milhões de euros, por troca de informação comercial sensível entre 2002 e 2013, processos que Mariana Machado disse à Lusa não correrem risco de prescrição não tendo, por isso, sido atribuída natureza urgente.

A haver “alguma prescrição já aconteceu antes, não se vai dar aqui, e vai ser feito com normalidade”, disse, sublinhando, contudo, os problemas de origem logística que este processo vai colocar, pelo grande número de intervenientes e a limitação de salas com que se defronta o TCRS.

“Tenho exposto a situação e não há razão nenhuma para pensar que não se vai fazer, como, aliás, tudo o que fui pedindo, foi sendo resolvido. Os aspetos estruturais é que não são possíveis de resolver. Não há sala”, disse.

Tendo em conta os processos de nível 3 existentes no J1 do TCRS, a sala 5 do Palácio da Justiça II foi-lhe atribuída às segundas e quartas-feiras, com as juízas titulares dos J2 e J3 a cederem a Mariana Machado o dia de sexta-feira e a aceitarem realizar audiências de julgamento fora das instalações do tribunal.

Pelas mãos de Marta Campos, titular do J2 desde setembro de 2013, passaram já sete recursos de nível 3, estando, neste momento, a finalizar o processo dos recursos da Pharol (antiga PT) e de ex-administradores às coimas superiores a 3 milhões de euros aplicadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM),no âmbito do investimento da operadora na Rioforte, empresa do Grupo Espírito Santo (GES), com leitura da sentença marcada para o próximo dia 09.

Ao mesmo tempo, tem avançado com o julgamento do recurso da NOS Comunicações às coimas de 2,6 milhões de euros aplicadas pela ANACOM, por contraordenações relacionadas com situações em que os clientes tentaram pôr fim aos seus contratos.

Quando este terminar, avançará com o recurso da EDP à coima “histórica” de 48 milhões de euros aplicada em setembro de 2019 pela AdC, por durante quatro anos ter praticado abuso de posição dominante no mercado de serviços de sistema no setor elétrico, a não ser que um outro recurso a uma decisão da AdC, que lhe será distribuído, tenha prazos de prescrição mais curtos.

A própria sublinha que, se não aceitasse fazer julgamentos fora do tribunal, o risco de prescrição aumentaria “em muito” e adverte que a escassez de salas pode levar a um aumento da pendência, podendo “transformar processos que inicialmente não estavam em risco de prescrição em processos com risco de prescrição”.

Tendo em conta o número de processos de nível 3, a que acrescem as ações cíveis, sobretudo as do chamado “cartel dos camiões”, próximas da centena e distribuídas pelos três juízos do TCRS, Marta Campos solicitou ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) a afetação de parte do seu serviço a outro magistrado, o que lhe foi concedido entre 06 de outubro e 30 de novembro.

Vanda Miguel, titular do J3 desde setembro de 2019, julgou já três processos de nível 3 — os recursos da TAP às coimas aplicadas pela Autoridade Nacional da Aviação Civil, da Nowo às aplicadas pela ANACOM e os da auditora KPMG e associados às multas do BdP, este com leitura da sentença marcada para o próximo dia 15.

Dado estar a julgar o recurso da KPMG, o CSM determinou que o recurso da MEO às contraordenações aplicadas pela ANACOM fosse julgado por outro juiz, dado o risco de prescrição, salientou.

Vanda Miguel tem para iniciar os julgamentos dos recursos da Superbock às coimas aplicadas pela AdC e o do chamado “cartel das escolas de condução”, um processo de nível 2 (coimas acima de 100.000 euros e abaixo dos 500.000) que tem início marcado para 06 de janeiro de 2021, não tendo atualmente qualquer processo em risco de prescrição.

Para esta juíza, perante casos muito complexos e com risco de prescrição, justificava-se a atribuição de exclusividade com afetação de outro juiz externo para o restante serviço.

Na resposta à Lusa, o CSM afirma que tem “acompanhado as necessidades quanto à tramitação e decisão dos processos de muito elevada complexidade – nível 3 -, tendo sido tomadas todas as medidas de gestão que foram sendo solicitadas e que se entenderam adequadas”.

Por outro lado, anunciou a abertura de concursos para admissão de 54 especialistas, três dos quais para o Gabinete de Assessoria Técnica sediado na Comarca de Santarém – um em Finanças e Contabilidade, um em Psicologia e um terceiro em Ciências Jurídicas – e que servirá também o TCRS.

A Lusa questionou igualmente o Ministério da Justiça, não tendo ainda obtido resposta.

Condições criam “entropia” no Tribunal da Concorrência por onde passam coimas de milhões

As condições logísticas do Tribunal da Concorrência, estrutura autónoma, de âmbito nacional, a funcionar na Comarca de Santarém, estão a gerar “entropia”, sobretudo devido ao avolumar de processos complexos e com elevado número de intervenientes.

A opinião é unânime às três juízas titulares do Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão (TCRS), que tem vindo a julgar os recursos às contraordenações de milhões de euros aplicadas pelas entidades supervisoras a entidades da banca, seguros, energia, grande distribuição, entre outras.

“Não me lembro, em 15 anos de judicatura, de ter que andar a negociar tempo de sala”, disse à Lusa Mariana Machado, titular do primeiro Juízo (J1) do TCRS, que acrescenta a falta de assessoria técnica e jurídica, processo que acredita estar em vias de se concretizar, sobretudo depois do anúncio, na quinta-feira, pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), da abertura de concurso para 54 especialistas.

Tal como as juízas Marta Campos, titular do J2, e Vanda Miguel (J3), Mariana Machado referiu igualmente a necessidade de cada juízo deste tribunal ser dotado de um escrivão auxiliar e outro adjunto, o que o reforço concretizado em setembro não resolveu.

“Admito que inicialmente [o TCRS] tenha sido pensado numa lógica correta” e “não tenha sido subdimensionado”, mas “as coisas alteraram-se” e, “neste momento, há um problema”, a que acresce a questão, que “não é conjuntural”, dos processos “com um número enorme de intervenientes”, sublinhou, frisando que a questão não se colocaria se o tribunal funcionasse num edifício autónomo.

Para Marta Campos, a escassez de salas “pode aumentar em muito o risco de prescrição”, dando como exemplo o facto de ter aceitado julgar fora do tribunal — numa sala cedida pelo Instituto Politécnico de Santarém – os recursos da Pharol (antiga PT) e de ex-administradores às coimas superiores a 3 milhões de euros aplicadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Neste processo, algumas das contraordenações prescrevem em março de 2021 (ou junho, se contar a suspensão devido à pandemia da covid-19).

“Se não tivesse optado por fazer o julgamento fora do tribunal apenas teria sido possível uma sessão de julgamento por semana. O que significa que o julgamento iria demorar 18 semanas, ou seja, quatro meses e meio, tendo demorado, em virtude do recurso à sala do Instituto Politécnico, seis semanas e meia”, disse a juíza à Lusa.

Dado o número de processos de nível 3 (com coimas superiores a 500.000 euros) atribuídos ao J1 – seis, com o da EDP (mais antigo) já concluído e outro (o do Montepio, que na prática corresponde a dois processos, que foram apensos) a decorrer –, Mariana Machado dispõe da sala maior existente no Palácio da Justiça II, nas instalações da antiga Escola Prática de Cavalaria, três dias por semana.

Marta Campos e Vanda Miguel repartem os outros dois dias, dispondo ainda, alternadamente, de uma segunda sala, mais pequena.

“A disponibilidade de sala de audiências em apenas dois dias por semana tem o efeito de arrastar os julgamentos […] e dilatar a prolação das sentenças, a não ser que as titulares dos processos se disponibilizem para realizar julgamentos noutros espaços fora do tribunal”, disse Vanda Miguel, juíza que está a concluir o julgamento dos recursos da auditora KPMG e de cinco associados às coimas de perto de 5 milhões de euros aplicadas pelo Banco de Portugal.

Com leitura da sentença marcada para o próximo dia 15, este processo iniciou-se em setembro num auditório da Escola Superior de Educação, com os mandatários a rearrumarem a sala para a tornarem mais funcional, passou pela sala 5 do TCRS e ainda pelo Tribunal do Cartaxo.

“Este tipo de soluções afeta de forma negativa a imagem do tribunal, não sendo facilmente compreensível pelos utilizadores da justiça o facto de o tribunal ter de sair da sua ‘própria casa'”, disse, referindo ainda que o “próprio ritualismo inerente ao julgamento acaba por ser afetado”.

Apontou ainda as situações em que as testemunhas, por engano, se deslocaram para o tribunal quando a sessão decorria no Politécnico, e “todas as limitações de ordem logística”, especialmente quando se trata de “processos de grande dimensão, com muitos volumes, anexos, apensos”.

Há ainda as questões informáticas, nomeadamente quanto à operacionalidade do Citius e à realização de videoconferências (como aconteceu no processo da Pharol, que decorreu maioritariamente desta forma, com frequentes quedas na comunicação).

A juíza sublinhou que, aos processos contraordenacionais, se juntam os de natureza cível, como o designado “cartel dos camiões”, com perto de uma centena de processos colocados por empresas portuguesas que compraram camiões aos fabricantes condenados, em 2016 e 2017, pela Comissão Europeia, por concertação de preços de vendas durante 14 anos.

Estes processos, distribuídos pelos três juízos do TCRS, contêm questões “nunca antes abordadas em Portugal”, o que reafirma e acentua a necessidade de assessoria, prevista há anos na lei, que as juízas têm vindo a solicitar.

Mariana Machado afirmou que o CSM auscultou as juízas em julho sobre as suas necessidades, acreditando estas que em breve serão colocados assessores nas áreas solicitadas, tanto técnicas — contabilísticas e financeiras — como jurídicas (para trabalho fora da sala de audiências, como, por exemplo, análise das questões prévias suscitadas).

Em resposta à Lusa, o CSM anunciou que foi aprovada na quarta-feira a abertura de concurso para admissão de 54 especialistas, sendo que o Gabinete de Assessoria Técnica sediado na Comarca de Santarém terá três especialistas – um em Finanças e Contabilidade, um em Psicologia e um terceiro em Ciências Jurídicas -, e não dois, atendendo à existência deste tribunal especializado.

“No que respeita à insuficiência de funcionários no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, já houve uma intervenção do CSM, encaminhando e solicitando diligências à Direção Geral da Administração da Justiça (DGAJ), apesar de ser competência desta”, acrescenta.

Por outro lado, o CSM afirma estar a acompanhar o processo de criação do Palácio da Justiça III em Santarém, da responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, que permitirá “a cada uma das Senhoras Juízas ter uma sala própria”, adiantando que tem tomado as medidas de gestão no sentido de assegurar a “tramitação e decisão dos processos de muito elevada complexidade – nível 3”.

Se a situação neste momento “é perfeitamente gerível”, as juízas do TCRS sublinham, contudo, que a questão de “subdimensionamento não parece ser transitória, atento o aumento da atividade sancionatória das autoridades administrativas de regulação e supervisão”, o que “requer soluções que não sejam meramente transitórias, como as que têm vindo a ser adotadas”.

Comarca de Santarém considera “falsa questão” edifício autónomo para Tribunal da Concorrência

O Juiz Presidente da Comarca de Santarém considera que a existência de um edifício autónomo para o Tribunal da Concorrência “é uma falsa questão”, sublinhando que têm sido encontradas soluções para a realização de todos os julgamentos agendados.

Questionado pela Lusa sobre a forma como estão a decorrer os julgamentos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), estrutura autónoma, de âmbito nacional, a funcionar na Comarca de Santarém, nomeadamente quanto à limitação no uso de salas no Palácio da Justiça II, Luís Miguel Caldas assegurou que, mesmo com as condicionantes da pandemia da covid-19, “jamais houve o adiamento de um julgamento por falta de instalações”.

Luís Miguel Caldas afirmou que os órgãos de gestão da comarca mantiveram reuniões com várias entidades do distrito de Santarém, dispondo de vários espaços externos, cedidos gratuitamente — tanto nas instalações do Instituto Politécnico como da Assembleia Municipal de Santarém, ou ainda os auditórios das bibliotecas municipais de Almeirim e de Tomar, município que disponibilizou igualmente salas no pavilhão municipal e no complexo de piscinas, bem como um auditório em Torres Novas disponibilizado pela associação empresarial — como internos — nos Tribunais do Cartaxo e da Golegã.

“Basta que a gestão da comarca seja previamente informada, para, dentro da panóplia de espaços, encontrar um adequado. E soluções têm sido dadas em todas as situações”, afirmou.

O responsável da comarca sublinhou o esforço de gestão acrescido dadas as condicionantes criadas pelas medidas decorrentes da pandemia da covid-19, que levaram, juntamente com a autoridade de saúde, à verificação de todas as salas, reduzidas a um terço da sua capacidade e equipadas com divisórias de acrílico.

Luís Miguel Caldas admitiu, contudo, a preocupação com a questão dos espaços numa comarca que, além dos processos complexos e com elevado número de intervenientes do TCRS, julga outros igualmente de grande dimensão, como acontece atualmente com o chamado caso Tancos.

“Não negligencio uma questão que me tem preocupado desde que iniciei funções, que é a da existência do Palácio da Justiça III. Nessa batalha que tenho tido, defendi já que deve ser equacionado o projeto de uma sala multiusos, multifunções, não só para o Tribunal da Concorrência, mas também para outros processos complexos, a exemplo do que existe em Sintra”, declarou.

“Santarém tem demonstrado que tem muito serviço para esse efeito”, disse, salientando que persistem “situações de gabinetes partilhados”, mesmo entre juízes.

Em setembro de 2019, numa apresentação do programa Tribunal +, em Santarém, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, admitiu que o Palácio da Justiça III “tem de avançar”, reconhecendo a necessidade de resolver os problemas existentes nos vários tribunais da comarca “num prazo relativamente curto”.

Nessa sessão, Luís Miguel Caldas salientou a “urgência absoluta” do avanço das obras para instalação do Palácio da Justiça III e da resolução das situações precárias nos tribunais de Benavente, Rio Maior, Torres Novas e Tomar, reconhecendo, mais de um ano depois, que continua “sem uma resposta concreta”.

A Câmara de Santarém anunciou já que cede o edifício lateral ao atual Palácio da Justiça II para as novas instalações, dando corpo à “grande cidade judiciária”, no espaço que acolheu a antiga Escola Prática de Cavalaria.

Em resposta à Lusa, o CSM afirmou estar a acompanhar o processo de criação do Palácio da Justiça III em Santarém, da responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, tendo tomado diligências “no sentido de serem ultrapassados constrangimentos”.

Atualmente, o Palácio da Justiça II acolhe, além do TCRS, o Juízo Central Cível e o Local Cível e os tribunais do Comércio, do Trabalho e de Família e Menores.

Criado em 2011, na sequência das exigências da ‘troika’, no âmbito da crise financeira de 2008, o TCRS, tribunal especializado de âmbito nacional, iniciou o seu funcionamento na Comarca de Santarém em março de 2012, defendendo Luís Miguel Caldas a sua localização “central”.

“Tem de haver uma compreensão do tecido empresarial global, dos consumidores, que estão disseminados no país”, disse, considerando que a localização da maioria das entidades de supervisão e regulação em Lisboa “não pode ser um critério” e que é preciso “combater esta tendência de macrocefalia”.

Sobre o número de funcionários afetos ao TCRS, o Juiz Presidente da Comarca de Santarém admitiu eventualmente a necessidade de mais um elemento, sublinhando que a situação neste tribunal tem sobretudo a ver com a complexidade dos processos e “não tanto com o número”.