O plano de reestruturação da TAP terá de ser entregue em Bruxelas até quinta-feira, marcando o arranque de um processo que será decisivo para o futuro da companhia aérea. Já se sabia que Portugal (o Governo) terá de levar a cabo uma negociação exigente com a Comissão Europeia, como aliás notou, no Parlamento, o antigo presidente da TAP Antonoaldo Neves, antes de ser afastado do cargo.

Presidente executivo da TAP pede união do país para salvar empresa e avisa que é preciso “brigar” com Bruxelas

Também se antecipava um plano duro nos cortes – com impacto nos salários e no emprego – e cuja amplitude foi crescendo à medida que se prolongava a incerteza que a pandemia gerou na economia em geral, e no turismo e viagens aéreas em particular. O Governo acabou por afastar a ideia de que o plano fosse colocado a votos no Parlamento, mas isso não evita a necessidade de algum consenso político sobre medidas que vão ter uma amplitude temporal que vai além de uma legislatura.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A notícia de que o Governo queria levar o plano a votos no Parlamento foi avançada por Luís Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC ao domingo, uma indicação que foi dada ao maior partido da oposição (mas não ao seu líder), confirmou a direção do PSD já esta segunda-feira. O primeiro-ministro veio entretanto recusar a ideia de uma votação parlamentar, atribuindo-a a uma precipitação, sem esclarecer se a ideia veio de dentro do Executivo. Segundo o jornal Público, essa seria a intenção do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, mas que foi travada pelo próprio Governo.

Costa diz que a TAP não vai ser votada no parlamento. “Quem Governa, governa”, mesmo nas decisões impopulares

A ideia de sujeitar o plano de reestruturação da TAP ao Parlamento surge no rescaldo da votação por uma coligação negativa que pôs em cheque o cheque anual do Fundo de Resolução para o Novo Banco. Esta transferência está prevista num contrato fechado à margem do Parlamento, em 2017, e que comprometeu o Estado com investidores privados, mas também com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.

Os dois dossiês já foram várias vezes comparados, com políticos e comentadores a referirem-se à TAP como “o novo Novo Banco”, pela necessidade de injeções públicas, que no caso da transportadora aérea não têm ainda limite quantitativo ou temporal fechado.

Mesmo sem ida a votos, o tema será discutido no Parlamento e advinha-se uma forte contestação por parte dos partidos fora do Governo. À esquerda por causa dos elevados custos sociais com o Estado/acionista a ter de desempenhar o papel de patrão assumindo decisões como cortar salários, suspender acordos laborais e eventualmente despedir. À direita, porque a salvação da TAP vai custar mais do que o dinheiro já injetado — 1.200 milhões de euros — provavelmente o dobro dos 500 milhões de euros já inscritos e votados no Orçamento do Estado para 2021.

A negociação com a dura “DG Com”

O primeiro obstáculo a ultrapassar é a Comissão Europeia, a quem Portugal terá de convencer que a sua proposta vai  conseguir trazer a companhia aérea para um patamar que poucas vezes foi alcançado em décadas de operação: o de uma exploração equilibrada, em que as receitas permitem cobrir os custos e ir pagando a dívida. Portugal vai tentar que isto seja feito sem sacrificar a dimensão mínima de uma TAP, que – para além de servir as comunidades portuguesas e o território nacional – continue a ter um hub em Lisboa e a ser um ponto incontornável nas ligações da Europa ao Brasil e a alguns países africanos.

O chumbo definitivo do plano de reestruturação – que implicaria a devolução de 1.200 milhões de euros já injetados e a insolvência da TAP – é um cenário limite, que serve sobretudo para dramatizar o tema nesta fase decisiva. Mas a negociação poderá ser longa e ter vários percalços. Já aconteceu os serviços da DG Comp chumbarem propostas de planos para companhias aéreas que foram revistos e entretanto aprovados, como aconteceu com a Lufthansa. Mas a TAP foi a única companhia aérea no contexto da pandemia a pedir ajuda ao abrigo do regime de resgate e reestruturação (porque o executivo comunitário não aceitaria que a TAP tivesse apoios por causa das quebras relacionadas com a pandemia). Ou seja: espera-se, por isso, que a Comissão Europeia seja ainda mais exigente.

A DG Com, que supervisiona as matérias da concorrência e das ajudas de Estado na União Europeia, é a mais poderosa das direções-gerais de Bruxelas e as suas decisões são tomadas pelos serviços técnicos, e pouco permeáveis a influência política. Portugal já sentiu essa força em várias negociações. Se na Caixa Geral de Depósitos foi possível chegar a bom porto, o resultado foi menos positivo no Novo Banco, para já não falar do Banif ou até de empresas que desapareceram após a declaração de ajudas de Estado ilegais, como foi o caso dos Estaleiros de Viana do Castelo.

E não basta apresentar as metas no papel. Será preciso propor um envelope financeiro que permita relançar a companhia (e que dificilmente poderá ser ajustado se as coisas não correrem como previsto), resistir a exigências de mais cortes no emprego, na oferta ou nos aviões e, sobretudo, persuadir os serviços europeus de que Portugal e a TAP são capazes de executar o que propõem. Isto tudo numa negociação que não pode arrastar-se no tempo. Em 2021, a empresa precisa de mais liquidez e só a poderá receber se o plano estiver aprovado na Comissão Europeia, ou pelo menos bem encaminhado.

A negociação (que agora parece impossível) com sindicatos

Para que o plano seja convincente em Bruxelas, é necessário ultrapassar mais uma barreira em Lisboa: a negociação com os trabalhadores da TAP. Nesta área estão em causa dois processos fundamentais (e ainda por cima complementares) para reduzir os custos estruturais: menos trabalhadores (redução de 2.000 a 3.000 empregos) e menos bem pagos (corte da massa salarial em 25%), sendo que as condições mais desfavoráveis de salários e outras regalias não serão temporárias, ou pelo menos que terão de durar alguns anos.

Pessoal de voo quer suspensão imediata do plano de reestruturação da TAP

Para já, a reação pública dos sindicatos tem sido de total oposição aos planos que vão sendo conhecidos. Pelo menos por parte dos sindicatos que representam as classes mais emblemáticas da TAP (com os pilotos à cabeça), da qual não se viu ainda manifestação de disponibilidade para negociar. A existência de mais de uma dezena de sindicatos e de diversos interlocutores do lado dos trabalhadores também não tem ajudado no processo negocial. O Sindicato Nacional dos Pessoal de Voo da Aviação Civil tem sido uma das vozes mais audíveis contra o processo, pedindo mesmo a reavaliação do plano de reestruturação ainda antes deste ser conhecido e entregue à Comissão Europeia, cujo prazo limite é esta quinta-feira.

Do outro lado também não parece haver grande abertura para recuar ou rever de forma significativa as condições que estão a ser postas em cima da mesa. Mas para além dos despedimentos, as outras matérias que a empresa quer rever (como a redução da massa salarial e mexidas em horários e tempos de descanso) são direitos consagrados em instrumentos de contratação coletiva — acordos de empresa — que não podem ser alterados de forma unilateral, a não ser com recurso a legislação que já não é usada há décadas, como noticiou o Observador, ou com decisões políticas que impliquem produção legislativa específica para resolver o caso TAP.

TAP estuda recorrer a lei de 1977 para suspender os acordos com sindicatos de forma unilateral

A discussão política sobre o futuro da TAP

E esta seria uma das formas de o plano de reestruturação da TAP chegar à votação em Parlamento, mesmo que não fosse essa a intenção do Governo. Situações de direito laboral, sobretudo quando estão em causa direitos fundamentais, como são as garantias salvaguardadas em acordos de empresa, deverão ser definidos por lei e aprovados pelo Parlamento, e não apenas pelo Governo. Ainda que o Executivo optasse por legislar através de decreto-lei à medida da TAP, os deputados poderiam sempre pedir a sua reapreciação parlamentar.

Outra matéria que poderá exigir votação parlamentar seria uma nova injeção de dinheiros públicos ou uma garantia do Estado em montante superior ao que está fixado na proposta aprovada de Orçamento do Estado para 2021 e que é de 500 milhões de euros. Mas este cenário foi também afastado pelo Governo que considera existirem já no Orçamento aprovado instrumentos de financiamento que permitem acomodar mais apoio público à TAP, nomeadamente através da atribuição de garantias do Estado a empréstimos privados.

A votação do plano da TAP pelos partidos seria uma abordagem pragmática  — porque se anteciparia a eventuais necessidades ou chamadas de diploma por parte do Parlamento — mas também tática — porque obrigaria os partidos a definirem as suas posições face à reestruturação da empresa e a ser co-responsáveis pelo resultado final, partilhando a fatura deste processo, quer contribuam para a aprovação, quer sejam decisivos para a rejeição.

No entanto, o líder do PSD, Rui Rio manifestou-se contra a possibilidade, acusando o Governo de fugir às suas responsabilidades já que esta é uma matéria da competência exclusiva do poder executivo, como foram outras reestruturações e decisões relativas à companhia aérea.

Ainda que todos estes obstáculos sejam ultrapassados e o plano seja aprovado, o mais difícil poderá ser executá-lo. A TAP parte para esta missão com o Estado como o maior acionista (o que minimiza conflitos com privados, mas enfraquece o know-how), uma administração atualmente liderada por presidente executivo interno, trabalhadores pouco motivados para atravessar um céu cheio incertezas sobre a retoma da aviação e muita concorrência.

TAP deve operar a menos de 50% em 2021. Plano só prevê retoma total em 2024 (no cenário otimista)

Para cumprir as metas prometidas a Bruxelas, não basta conseguir sobreviver, é preciso recuperar uma parte do mercado que foi perdida, não perder dinheiro na operação, e conseguir libertar meios financeiros para pagar os compromissos financeiros que foram adiados, as dívidas, e até repor, se for esse o acordo negociado, algumas das regalias que agora pretende cortar aos seus colaborares. Terá ainda de conseguir atrair investidores privados, mesmo que numa primeira fase sejam subscritores de dívida e não de capital.

E não há segundas oportunidades em caso de erro. Depois de receber esta ajuda de Estado, a TAP não pode voltar a recorrer a este mecanismo durante dez anos. A última vez que o fez foi em 1994, um processo que foi finalizado no final do século passado.

Atualizado no dia 10 de dezembro, com a clarificação do Governo de que o plano de reestruturação da TAP não será votado na Assembleia da República.