No meio dos agitados eventos que marcaram o ano passado, houve um que, de tão ténue, escapou aos relógios de pulso mais vigilantes. O dia 19 de julho de 2020 foi o mais curto registado nas últimas cinco décadas: teve menos 1,4602 milissegundos do que os usuais 86.400 segundos que compõem as 24 horas de um dia. E este ano, os dias estão a ser ainda mais pequenos, com menos 1,5 milissegundos do que o normal.

Foi assim porque a Terra está a girar mais depressa sobre o seu próprio eixo. Nada que deva assustar a humanidade: desde que se inventaram os relógios atómicos, nos anos 60, que os cientistas sabem que a rotação do planeta varia ao sabor das marés, do efeito gravitacional da Lua, da erosão das montanhas e de fenómenos catastróficos como os terramotos, tsunamis, furacões e erupções vulcânicas.

É por isso que, de vez em quando, para que a nossa medição do tempo bata certo com a velocidade da rotação da Terra, se adiciona um segundo extra — o segundo bissexto — ao Tempo Universal Coordenado (UTC). Desde 1970 até agora, isso já aconteceu 27 vezes, a última das quais na Passagem de Ano de 2015 para 2016. No fundo, o mundo inteiro esperou um segundo para celebrar a entrada do Ano Novo e alinhar os relógios ao planeta.

Mas 2020 trouxe uma surpresa (sim, outra): a rotação do planeta começou a acelerar ao ponto de, ao longo deste ano, os relógios atómicos poderem acumular 19 milissegundos de atraso em relação ao verdadeiro movimento da Terra em torno de si mesma. Se isso se confirmar, poderá vir a ser necessário retirar tempo aos relógios — algo que nunca aconteceu em 50 anos de medição atómica do tempo.

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A decisão será do Serviço Internacional de Sistemas de Referência e Rotação da Terra, em Paris, França, que monitoriza a passagem do tempo com recurso a 260 relógios atómicos espalhados pelo planeta. A adição de um segundo bissexto é imprevisível e depende dos cálculos de um comité, que reúne a meio e no final de cada ano. Se os cientistas decidirem avançar, o segundo é acrescentado seis meses depois, a 30 de junho ou a 31 de dezembro.

Mas mesmo que ninguém mexa nos relógios, pode demorar centenas de anos até os terráqueos repararem num desfasamento notável entre a nossa medição do tempo e o movimento da Terra — é, aliás, por isso que se tem debatido se este serviço é tão fulcral assim. A Agência Espacial Europeia (ESA) chegou mesmo a considerar este ajuste um “perigo para a navegação” em 2014. Mas a discussão já dura desde 2005 e o Serviço continua no ativo.

É que, para o mundo tecnológico, por exemplo, esse ajuste é menos confortável. Como os satélites e alguns computadores dependem da contagem do tempo em relógios atómicos para funcionar, podem ser reportados erros por causa destes ajustes. Em 2012, quando se acrescentou um segundo bissexto, empresas como a Linux, LinkedIn, Mozilla e Qantas reportaram falhas de funcionamento até serem ajustadas em função da nova hora.