Alguns reitores e diretores de universidades britânicas estão a começar a pedir aos professores que nelas lecionam — e que estão encarregados da avaliação dos alunos — que não penalizem os estudantes por erros ortográficos, gramaticais e de pontuação. Os argumentos invocados são diferentes, consoante as universidades, mas estão unidos num objetivo: fomentar a “inclusão” social dos alunos.

O caso que está a ter mais eco na imprensa britânica — no jornal The Telegraph, por exemplo, mas também no The Times — é o da universidade de Hull, instituição de ensino situada na cidade homónima (por sua vez localizada no nordeste litoral inglês).  Segundo relata o The Times, a universidade diz querer “desafiar o statuos quo” e quer fazê-lo diminuindo os padrões de exigência técnicos anteriormente aplicados à escrita e oralidade dos alunos.

O jornal The Telegraph nota que o novo guia de avaliação que os professores devem seguir explica que alguns estudantes podem ficar em desvantagem ou podem ser desencorajados devido à exigência de um “grande domínio técnico” do inglês escrito, seja por terem passado por escolas piores do que outros alunos com melhor contexto sócio-económico, seja por não terem o inglês como primeira língua (como idioma dominante) seja por terem algum problema de saúde de longa data que dificulta a aprendizagem gramatical e ortográfica.

O guia da Universidade de Hull vai mais longe e refere mesmo: “Pode argumentar-se que construir uma voz académica significa adotar um modo de expressão que é homogéneo e que é da Europa do Norte, masculino, branco e elitista”. Para a universidade, aquilo que era conhecido até aqui como a escrita académica — uma escrita num inglês considerado tecnicamente correto — é um modo de expressão “que depende de um nível alto de domínio técnico do inglês escrito e falado” e que “obscurece as particularidades dos estudantes”.

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Diz ainda o novo guia da Universidade de Hull que o status quo será desafiado com estas novas práticas e esta nova “abordagem inclusiva”, mas também que “a nossa comunidade de ensino vai encorajar os estudantes a desenvolver uma voz académica autêntica, uma voz que possa comunicar ideias complexas com rigor e integridade – uma voz que celebra, em vez de obscurecer, o contexto de onde provêm os alunos e as suas características”.

A ideia desta instituição de ensino superior passa por não prejudicar alunos que tenham um menor domínio técnico da língua inglesa. Mas a Universidade de Hull não está sozinha. Também de acordo com o The Telegraph a Universidade de Worcester pede aos seus professores que tenham menos em conta o domínio técnico e formal da língua e incidam mais a sua avaliação em “quão bem o estudante comunicou a sua compreensão” da matéria. É “mais justo”, entende esta universidade, que os professores avaliem os alunos pela qualidade das suas ideias e conhecimento do que pela sua ortografia ou domínio da gramática – dado que alguns alunos têm “contextos diversos” e podem partir em “desvantagem” face a outros.

Um dos principais defensores das medidas adotadas na Universidade de Worcester é o seu vice-reitor, David Green, um académico que defendeu a opção da universidade dizendo: “Muitos escritores e cientistas famosos eram considerados insuficientes na ortografia. Isto inclui Sir Winston Churchill, que ganhou um Prémio Nobel da Literatura mas seria supostamente considerado alguém que cometia erros ortográficos na juventude, ou Albert Einstein, cujos erros gramaticais e ortográficos em inglês – a sua segunda língua – eram lendários”:

A dislexia foi diagnosticada a muitos alunos do Reino Unido. É essencial que os critérios de avaliação das universidades se prendam mais no conhecimento dos estudantes sobre as matérias e na sua capacidade de raciocinar, analisar e expressar o pensamento de forma convincente”, apontou ainda o académico.

Por sua vez, a Universidade das Artes de Londres pede já aos seus docentes explicitamente que “aceitem ativamente os erros de ortografia, gramática ou outros erros de linguagem” desde que estes não “impeça a comunicação de forma significativa”. Os professores devem até evitar impor as suas ideias sobre o que consideram ser o “inglês correto” aos alunos.

Estas novas estratégias para fomentar a inclusão dos alunos estão a gerar polémica no Reino Unido. Se está a ser questionada a ideia de que a inclusão social é um fim que deve ser procurado através de uma menor exigência de domínio formal da língua a um nível superior (académico), mais criticada ainda está a ser a conceção de que o que anteriormente se considerava ser um inglês correto e bem escrito é agora uma forma de expressão (exclusivamente) masculina, branca e elitista.

A relativização quanto à forma mais correta de os alunos do ensino superior se expressarem no idioma mais falado nos países cujas universidades frequentam — ou, sequer, o abandono da prossecução desse maior domínio técnico da linguagem como objetivo de relevo do ensino superior — não está a ser consensual no Reino Unido.