O Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais os diplomas de apoios sociais aprovados no Parlamento e promulgados pelo Presidente da República. Os juízes-conselheiros decidiram pela inconstitucionalidade das normas que propunham três apoios excecionais à pandemia: apoio no âmbito da suspensão de atividade letivas e não letivas presenciais; apoio excecional à família; e medidas excecionais por redução forçada da atividade económica e de incentivo à atividade profissional.

Os juízes fizeram uso da lei-travão para barrar as medidas, alegando que estas três normas “implicavam, em parte, um aumento de despesas no corrente ano económico“. Apesar de “o restante pedido do primeiro-ministro não [ter obtido] provimento do Tribunal”, António Costa leva a melhor sobre o chefe de Estado e constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa.

No acórdão do TC lê-se ainda que “é difícil distinguir quais são as matérias com efeitos financeiros diretos, até porque são raras as normas que não possuem nenhuma implicação financeira”. E, tendo em conta que a lei-travão é “a tutela do plano financeiro do executivo para o ano económico em curso, baseado no Orçamento que a Assembleia da República aprovou e cuja execução incumbe ao Governo”, o TC considera que “esse propósito seria frustrado caso se permitisse que os deputados adotassem normas que, não criando uma despesa imediata, tivessem efeitos financeiros negativos naquele ano económico”.

No mesmo sentido, os juízes explicaram que com estes diplomas em que o apoio pago pela segurança social ao invés de ser de 1/3, passaria a ser de 100 % da base de incidência contributiva, sendo ainda ampliado o valor máximo elevado de 2,5 IAS para 3 IAS, implicaria um “claro desequilíbrio em face da solução estabilizada para os trabalhadores por conta de outrem, uma vez que, em regra, nesses casos, a segurança social suporta 1/3 da remuneração, e para os trabalhadores independentes passa a suportar a totalidade da remuneração”. Desta forma, concluiu o TC, “o alargamento à totalidade da base da incidência contributiva fará quase triplicar a despesa prevista e orçamentada“.

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A decisão não tem efeitos retroativos e não retira os apoios sociais a quem os recebeu, ou seja ninguém tem de devolver os apoios que recebeu até agora.

Decisão do TC “dá razão ao Governo”

O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, diz que a decisão do Tribunal Constitucional “dá razão ao Governo que sempre disse que os diplomas em causa eram inconstitucionais”. “O Tribunal achou claro que a violação da norma travão tornaria inviável o cumprimento do Orçamento aprovado pelo próprio Parlamento e abriria um procedimento grave de imprevisibilidade, instabilidade e insegurança quanto à execução da política orçamental”, explicou.

A norma-travão constitui um efetivo travão, ao desvirtuamento ao OE através de iniciativas parlamentares avulsas, à perturbação da ação governativa por maiorias negativas meramente conjunturais, à instabilidade política que resultaria de o Governo ser ver confrontado com a necessidade de executar um OE em constante mudança, ao sabor dos ventos mediáticos ou das reivindicações mais ouvidas a cada momento”, apontou o governante.

Em nome do Governo, Tiago Antunes quis deixar claro que o que estava em causa “nunca foi o pagamento de apoios sociais”, ao enumerar os vários apoios dados ao longo da pandemia da Covid-19. “Ninguém perderá acesso aos apoios em questão por força deste acórdão nem nunca foi essa a intenção do Governo”, realçou.

Em causa estava, enalteceu, “uma questão essencial à estabilidade do país”, “o respeito pela separação e pelo equilíbrio de poderes previsto na Constituição e a garantia que uma vez aprovado o Orçamento é ao Governo e só ao Governo que compete executá-lo”. Neste seguimento, o secretário de Estado afirmou ainda que a lei-travão é um “elemento-chave do sistema político” e “não uma mera formalidade“.

“Continuamos a assistir a um reiterado desrespeito por parte da AR como sucedeu ainda recentemente com a aprovação de dois decretos sobre o recrutamento de professores”, frisou, ao referir que há um “núcleo de matérias que são próprias da atividade administrativa do Governo” e que estas não estão a ser respeitadas.

Apesar da razão dada pelo TC, o Governo mantém-se “fortemente empenhado no diálogo” e na busca de consensos e compromissos, em especial com os parceiros de esquerda.

“Valeu a pena [promulgar] para verificar que o apoio que era urgentíssimo foi dado na hora”

Marcelo Rebelo de Sousa considera que, apesar da decisão do Tribunal Constitucional, “todos os efeitos sociais úteis que importava garantir foram garantidos, e garantidos a tempo, num tempo em que cada dia valia por uma eternidade”. Em declarações ao Expresso e à RTP, o Presidente da República mostra-se certo de que os efeitos sociais para o futuro prosseguem “devido ao decreto de lei entretanto aprovado pelo Governo, já depois do diploma da Assembleia da República”, o que significa que “o efeito prático pretendido foi produzido” e que “não era possível melhor solução”. “Quem recebeu, recebeu. TC teve essa sensibilidade social de não pôr em causa [o que as pessoas receberam de apoios]”, frisou.

“Há derrotas que sabem a vitória, mas valeu a pena [promulgar] para verificar que o apoio que era urgentíssimo foi dado na hora antes do decreto-lei do Governo e da decisão do TC”, realçou, ao insistir que na sua opinião os diplomas eram constitucionais e frisando que houve uma “proteção imediata dos portugueses”.

“Como disse há dois meses, uma solução como a hoje conhecida teria quatro virtualidades. Mostraria que as instituições constitucionais funcionam; não questionaria a parte em que uma das leis já não seria aplicável – a telescola logo, na altura, terminada; não atingiria o essencial – os apoios económicos mais importantes –, pois o Governo elaborou decreto-lei, que eu promulguei há meses, a cobrir matéria das leis da Assembleia da República; finalmente, o Tribunal Constitucional ressalvaria os efeitos já produzidos pelas leis no passado”, explicou o Presidente da República que tinha dito, na altura, que ganharia “sempre”, mesmo no caso de derrota no Constitucional.

Apesar de Marcelo insistir que na sua “apreciação” as leis em causa não são inconstitucionais, o chefe de Estado diz que “assim aconteceu” e que realçou que o importante é que “todos os efeitos sociais úteis que importava garantir foram garantidos, e garantidos a tempo, durante mais de três meses, o que me parecia fundamental”.

“Governo se quisesse assumia esses apoios e apoiava as pessoas”

Rui Rio reagiu poucos minutos depois da decisão do Tribunal Constitucional, disse que a inconstitucionalidade não é surpreendente e admitiu que “todos” tinham consciência de que “havia dúvidas relativamente à constitucionalidade” doa apoios sociais aprovados com os votos contra do PS. Contudo, o líder do PSD realçou que a AR entendeu que devia haver um “esforço” para aumentar os apoios em tempos de pandemia e “o Governo se quisesse assumia esses apoios e apoiava as pessoas, como não quis recorreu ao TC, sabendo que a probabilidade de ser inconstitucional era razoável”.

“Quem sai aqui prejudicados são os portugueses que deixam de ter apoios e que ficámos a perceber que o Governo não quer dar esses apoios sociais. O critério do Governo foi político, o do TC foi judicial”, acrescentou.

Governo quis “guerra constitucional” mas acórdão do TC “não tem efeito prático”

O Bloco de Esquerda acredita que o Governo quis “lançar uma guerra constitucional” mas sublinhou que o acórdão do TC que chumbou de normas de diplomas que reforçavam apoios sociais “não tem efeito prático”. Contactado pela agência Lusa, o deputado bloquista José Soeiro sublinhou que o Governo “quis lançar uma espécie de guerra constitucional contra uma medida de emergência social e de apoio aos trabalhadores independentes”, quando pediu a fiscalização sucessiva da constitucionalidade do diploma.

“Parece-nos incompreensível do ponto de vista daquilo que estava em causa… E este acórdão não tem efeito prático, porque os apoios não vão ser anulados”, completou.

Para José Soeiro “não surpreende que o TC diga que o Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) não previa estas medidas”, uma vez que o executivo socialista não as contemplou, apesar de, mais tarde, as considerar necessárias.

“Era um orçamento que deixava muita gente para trás, como se verificou logo em janeiro, quando a pandemia se agravou e o próprio Governo reconheceu que o orçamento não era suficiente”, prosseguiu o bloquista, sustentando que “se tivesse sido o Governo a prever estes apoios, a fazer estas alterações, não haveria nenhum problema de constitucionalidade”.

O deputado considerou que “o parlamento só agiu porque o Governo não o tinha feito” e que, “em todo o caso, verifica-se que, mesmo com esta posição do Tribunal Constitucional, o próprio Governo, obviamente, não se atreve a reverter” esta medida.

PAN defende que “Governo não pode deixar cair apoios” sociais 

O PAN defendeu que, na sequência da declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o “Governo não pode deixar cair” os apoios sociais aprovados pelo parlamento, porque “quem não poderá sair derrotado são os portugueses”.

“Apesar do entendimento do Tribunal Constitucional, porventura de cariz mais conservador, quem não poderá sair derrotado são os portugueses, que se encontram como já referimos em maiores dificuldades. Pelo que consideramos que o Governo não deve deixar cair estes apoios, não obstante esta decisão, devendo para tal procurar encontrar uma solução urgente”, refere a porta-voz do PAN numa nota enviada à Lusa.

Na ótica de Inês Sousa Real, “estes apoios que foram aprovados pelo parlamento são da mais elementar justiça e à data revelaram-se imprescindíveis para não agravar ainda mais os efeitos das medidas restritivas que foram impostas”.

“E isso não mudou, tanto mais que continuamos a viver um contexto absolutamente extraordinário em resultado desta crise sanitária que tem custado o emprego a tantas famílias e o agravamento dos orçamentos familiares e do risco de pobreza em Portugal”, salientou.

Chega diz que lei-travão “não pode justificar tudo” 

O presidente do Chega defendeu hoje que a lei-travão “não pode justificar tudo” em momentos de crise, na sequência da pronúncia do Tribunal Constitucional sobre os apoios sociais, e considerou que “o grande derrotado” é o povo.

“A ‘norma-travão’ não pode justificar absolutamente tudo do ponto de vista da contenção em momentos de crise como aquela que estamos a viver”, afirmou André Ventura num vídeo divulgado esta quarta-feira.

Na sua ótica, “é evidente que há um grande derrotado, que é o povo português e aqueles que mais têm sofrido com esta pandemia”. “Quem perde é Portugal, são os trabalhadores independentes, são as famílias”, acrescentou.

“TC dá razão a uma birra do primeiro-ministro”

O CDS-PP considerou que o Tribunal Constitucional deu razão “a uma birra do primeiro-ministro” e salientou que o Governo deu “a mão à palmatória” ao dizer que as pessoas não perderão o acesso aos apoios sociais. “O Tribunal Constitucional dá razão a uma birra do primeiro-ministro porque se o primeiro-ministro quisesse, de facto, acudir a estas pessoas tinha o instrumento para o fazer, apresentava um orçamento retificativo no parlamento, que o CDS logo se disponibilizou a apoiar”, afirmou, em declarações à agência Lusa, o vice-presidente centrista Miguel Barbosa.

O dirigente criticou de seguida que “o primeiro-ministro não o quis fazer” mas “quando precisa de atirar dinheiro para os buracos da TAP ou do Novo Banco ou qualquer outro pequeno ou enorme cambalacho” não “falta dinheiro”.

Porém, quando se trata de “acudir com alguns milhões de euros a pessoas que precisam, a famílias que estão em dificuldades, que estão postas em situações de enorme tensão psicológica, o primeiro-ministro achou que valia a pena fazer disto um cavalo de batalha e criar um moinho de vento”.

“E o Governo agora vem dizer assim sendo os apoios vão-se manter, o próprio Governo dá a mão à palmatória”, apontou Miguel Barbosa. Por isso, o CDS considera que a decisão do TC, ao ressalvar “todos os apoios que já foram entretanto prestados”, “é uma derrota em toda a linha do Governo porque o próprio Governo vem emendar a mão e dizer que, apesar de tudo, vai manter os apoios, portanto reconhece na prática a valia destas medidas”.