Enviado especial do Observador, em Tóquio

– Parece que estou aqui a pedir qualquer coisa… Olhe, queria uma bica e um pastel de nata… E bem que ia!

As condicionantes das zonas mistas por causa da pandemia colocam os atletas a uma distância bem razoável dos jornalistas, que não têm outra forma de recolher informações a não ser lançar as perguntas, esticar o braço para colocar o gravador numa mesa ou simplesmente voltar aos tempos do regime old school e apanhar a escrever no bloco (guilty…). No final daquele que poderia ter sido o melhor dia de sempre na carreira – se não foi na mesma –, Catarina Costa era a tranquilidade em pessoa, tanto que era capaz de fazer até piadas com a posição em que estava, de braço apoiado na divisória tal e qual como se fosse um balcão, após ter chorado pouco antes de alegria pela vitória frente à argentina Paul Pareto e de tristeza pela derrota contra a mongol Urantsetseg Mukhbat.

Mais do que piada, Catarina estava a falar a sério. Apetecia-lhe uma bica, um pastel de nata, uma fatia de pizza como assumiria pouco depois. Todos os prazeres que restringiu nos últimos anos para chegar aos Jogos de Tóquio, lutar contra as melhores e terminar com um diploma olímpico selado com uma quinta posição.

“O que falhou para não ser mais? Não sei mesmo o que falhou… Sei que deixei tudo em cada combate hoje, deixei tudo em cada treino que fiz, a trabalhar de forma focada. O meu objetivo não era apenas estar a participar nos Jogos, era deixar a minha marca e acho que deixei. Sinto-me orgulhosa pelo trajeto que consegui, por cada combate que fiz, por cada oportunidade. Foi um dia quase perfeito onde fiz aquilo que mais queria: divertir-me no maior palco que existe no mundo, fazer o que mais gosto”, começou por referir a judoca na zona mista, já depois de um sentido abraço à portuguesa Leandra Freitas, que trabalha com a Federação Internacional.

“Tenho também de agradecer ao meu treinador, que mesmo na altura das dificuldades iniciais nunca deixou de acreditar e desenhar planos que depois se foram cumprindo. Preparámos muito bem todos os combates, todas as adversárias mas acabaram por ganhar nas alturas em que tiveram os seus melhores momentos”, acrescentou, antes de falar também da vitória sobre Paula Pareto, a antiga campeã olímpica: “Preparámos esse combate na semana passada, já aqui em Tóquio. Como dizia a Telma [Monteiro], quando começa estamos todas na mesma posição, no zero. Quando consegui marcar aquele ponto, pensei que era preciso só cabeça para aguentar e houve aquela reação emotiva. É uma grande amiga, por quem tenho grande respeito e fiquei muito feliz por ter partilhado esse momento com ela, também pelo exemplo que ela é para mim”.

Em paralelo, Catarina Costa falou também da sua parte académica, admitiu poder competir no final do ano já com o curso de Medicina terminado mas regozijou-se sobretudo com os dias de descanso que terá em agosto.

“Sim, é verdade que parei pela primeira vez este ano os estudos mas ainda assim consegui fazer uma cadeira que diziam que era mais fácil, estudei dois diazitos para aquilo. Valeu a pena, fez de mim melhor atleta e ajuda-me a estar focada. Plano para agora? Sair daqui, dar um abraço ao João [Neto, o treinador], comer uma fatia de pizza que está a olhar para mim no refeitório da Aldeia Olímpica desde que chegámos… Depois a seguir tirar férias, no mês de agosto, festejar com família e amigos estes anos que foram muito duros. Quando voltar em setembro quero começar um pouco mais relaxada mas gostava de fazer o torneio de Paris, em outubro. Se aí poderei já ser médica? Quiçá, quiçá…”, admitiu Catarina Costa, que agradeceu o apoio dos membros da Seleção presentes no Nippon Budokan e elogiou mais uma vez Pareto, por ter participado na cerimónia de abertura dos Jogos como uma das atletas que esteve também na linha da frente da luta contra a Covid-19 e levou a bandeira do Comité Internacional: “Muitas vezes olhamos mais para as atletas mas são sobretudo pessoas e não é qualquer uma que faz aquilo. Ainda bem que há pessoas como ela não só no mundo do judo mas também nos Jogos Olímpicos.

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