O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que enfrenta uma onda de críticas a nível global depois de a retirada militar norte-americana ter aberto o caminho para que os talibãs capturassem o Afeganistão, garantiu esta sexta-feira que o governo dos EUA não poupará esforços para retirar do país todos os cidadãos norte-americanos e de países aliados, bem como os afegãos que trabalharam lado a lado com as forças ocidentais ou que, pelas suas ligações ao Ocidente, possam ser um alvo para os talibãs.

“Vamos fazer tudo o que conseguirmos para garantir uma saída segura aos nossos parceiros e aliados afegãos, bem como aos afegãos que possam ser um alvo [dos talibãs] devido às suas ligações aos EUA”, prometeu Biden, durante uma conferência de imprensa em Washington. “Qualquer americano que queira vir para casa: nós vamos trazê-lo para casa“, assegurou, antes de acrescentar que a operação está a ser feita sob circunstâncias excecionais e que não pode “prometer qual vai ser o resultado final”.

“Posso garantir-vos que vou mobilizar todos os recursos”, disse Biden.

Depois de uma reunião com a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, com o secretário de Estado do país, Antony Blinken, e com outros membros de topo da administração para debater a atual crise no Afeganistão, o líder norte-americano explicou aos jornalistas que nos últimos dias foram feitos “progressos significativos” nas operações de evacuação dos norte-americanos e dos aliados, mas explicou que os esforços do Ocidente estão também concentrados em colocar “pressão internacional” sobre os talibãs para garantir que o movimento cumpre as promessas que tem feito publicamente — sobretudo no que diz respeito aos direitos humanos e, particularmente, das mulheres.

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“Temos controlo do aeroporto, o que permitiu retomar os voos. Não apenas voos militares, mas também voos civis, de outros países e de ONGs que estão a retirar civis afegãos vulneráveis”, especificou Biden no início da conferência de imprensa. “Temos quase 6 mil soldados no local a garantir a segurança no aeroporto. É uma das maiores e mais difíceis evacuações aéreas da história. O único país do mundo capaz de projetar esta força no outro lado do mundo, com este grau de precisão, são os EUA. Já retirámos mais de 18 mil pessoas desde julho e cerca 13 mil desde que a nossa retirada militar começou, em 14 de agosto.”

Entre os cidadãos afegãos que estão a ser retirados pelas forças norte-americanas encontram-se combatentes, tradutores e intérpretes, mas também mulheres que ocupavam lugares de liderança e que, por isso, estão em situação de maior vulnerabilidade — bem como as suas famílias. Joe Biden explicou ainda que, em cooperação com os jornais The New York Times, The Washington Post e The Wall Street Journal — os três mais importantes jornais americanos e dos mais relevantes títulos da imprensa global —, foi possível retirar 204 jornalistas americanos e afegãos do país.

Só na quinta-feira, foram retirados do país pelas forças americanas um total de 5.700 pessoas, disse o Presidente dos EUA.

Além disso, de acordo com Biden, os EUA estão também a colaborar com os países da NATO na retirada de cidadãos de várias nacionalidades. Joe Biden deu o exemplo de França e explica que as forças americanas garantiram a segurança de um conjunto de veículos que transportaram cidadãos franceses para o aeroporto de Cabul esta quinta-feira.

Ocidente coloca “pressão internacional” sobre os talibãs

Na mesma conferência de imprensa, Joe Biden reiterou que os EUA estão em contacto permanente com os talibãs “para assegurar que os civis têm uma passagem segura para o aeroporto“. Sublinhando que os EUA têm mantido contactos diretos com o grupo talibã desde 2018, primeiro através do gabinete político do movimento no Catar, e agora dentro do Afeganistão, Joe Biden salientou que as forças norte-americanas deixaram “claro aos talibãs que qualquer ataque contra as nossas forças, ou perturbação das nossas operações no aeroporto, vão ter uma resposta rápida e poderosa”.

Joe Biden explicou que os EUA querem manter uma operação no Afeganistão estritamente focada no combate ao terrorismo e avisa que estão atentos a potenciais ataques terroristas junto ao aeroporto — potencialmente provocados por membros do Estado Islâmico, inimigo dos talibãs. Os EUA têm estado em contacto com os parceiros da NATO na Europa para que as operações conjuntas no Afeganistão sejam mantidas no futuro com o foco no combate ao terrorismo e na estabilização na região — mas sem uma presença militar como até agora.

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Joe Biden explicou ainda que falou recentemente com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o Presidente francês, Emmanuel Macron — e todos concordaram em convocar para a próxima semana uma reunião extraordinária do G7. O objetivo, disse Biden, é “coordenar em conjunto uma abordagem mútua ao Afeganistão no futuro”.

Também discutimos a necessidade de cooperar com a comunidade internacional para garantir a ajuda humanitária, alimentar e médica, aos refugiados que passaram a fronteira para os países vizinhos”, disse Biden. Os líderes concordam também que é necessário “colocar pressão internacional sobre os talibãs no que toca ao tratamento dos afegãos no geral, e em particular das mulheres e das crianças”.

Admitindo que os talibãs estão “a tentar obter alguma legitimidade” no plano internacional, bem como “a tentar perceber como vão gerir aquele país”, Joe Biden disse que este é o momento em que o Ocidente — os EUA, a União Europeia e a NATO — tem de exercer pressão sobre o Afegnistão e impor “condições fortes”, nomeadamente no que diz respeito ao tratamento das mulheres e dos seus cidadãos, para poder reconhecer e apoiar o regime.

“Imaginem que o Bin Laden tinha decidido lançar um ataque da al-Qaeda a partir do Iémen. Alguma vez tínhamos ido para o Afeganistão?”

O Presidente norte-americano gastou uma grande parte da conferência de imprensa a defender a opção dos EUA de abandonar a presença militar no Afeganistão, depois de ter sido confrontado com perguntas sobre a credibilidade internacional dos EUA, que tem sido duramente criticados pelo modo como estão a retirar as suas forças armadas do Afeganistão e, com essa retirada, abrirem as portas ao avanço dos talibãs.

Garantindo que não tem recebido críticas dos líderes internacionais sobre o modo como a operação de retirada foi conduzida, Biden explica que é necessário colocar “as coisas em perspetiva”.

Que interesse temos no Afeganistão, agora que a al-Qaeda desapareceu?”, pergunta. “Entrámos no Afeganistão com a intenção expressa de nos livrarmos da al-Qaeda no Afeganistão, bem como de capturar Osama bin Laden. E fizemo-lo. Imaginem que o Bin Laden tinha decidido lançar um ataque da al-Qaeda a partir do Iémen. Será que alguma vez tínhamos ido para o Afeganistão? Haveria alguma razão para estarmos no Afeganistão controlado pelos talibãs? Qual era o interesse nacional dos EUA nessas circunstâncias? Nós fomos, cumprimos a missão. Vocês sabem a minha opinião há muito tempo.”

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“O custo estimado desta operação vai de um mínimo de 1 bilião de dólares até um máximo, estimado por uma universidade americana, de 2 biliões de dólares. Algo entre 150 e 300 milhões de dólares por dia. A ameaça terrorista metastizou-se. Há um risco maior do Estado Islâmico, da al-Qaeda e dos seus associados noutros países do que no Afeganistão”, explica Biden.

Joe Biden explica que os EUA pretendem manter a capacidade de eliminar terroristas de modo “cirúrgico” em vários pontos do mundo. “É aqui que devemos estar. A América a liderar o mundo. E os nossos aliados concordam connosco.” Biden disse aos americanos que “carrega o peso da responsabilidade” sempre que envia soldados dos EUA para situações de perigo — e lembra que o seu filho foi enviado para o Iraque quando ele era vice-presidente dos EUA.

Elogiando o trabalho dos militares americanos e dos outros países da NATO, Biden assume que “haverá tempo para criticar quando a operação estiver concluída”. “Mas agora estou concentrado em concluir esta missão”, disse Biden. No final os EUA vão “completar a sua retirada militar” e acabar com 20 anos de presença armada no Afeganistão.

Confrontado com a credibilidade das promessas que agora faz aos americanos, uma vez que os EUA não foram capazes de prever a rápida ascensão dos talibãs, Biden disse que se trata de uma comparação inválida e explica: “Uma questão era se as forças armadas afegãs que nós treinámos iriam ficar e lutar na guerra civil que têm em curso. O consenso era o de que era altamente improvável que, em 11 dias, elas iriam colapsar e que o líder do Afeganistão iria fugir do país”, diz Biden.

“Outra pergunta muito diferente é se há a capacidade para observar quando é que grupos terroristas se começam a acumular numa área particular do Afeganistão e a conspirar contra os EUA”, disse Biden. “É por isso que mantemos uma capacidade de, à distância, ir lá e fazer alguma coisa caso isso aconteça.”

Mas, entretanto, sabemos o que está a acontecer no resto do mundo, noutros países onde há um aumento significativo de ameaças terroristas”, disse o Presidente dos EUA. Nesses lugares, os EUA querem fazer o mesmo que no Afeganistão — ter uma capacidade cirúrgica para intervir e derrubar ameaças.

Os Estados Unidos invadiram o Afeganistão em 2001 para derrubar o regime talibã e capturar Osama bin Laden, o mentor do atentado do 11 de setembro contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque. Bin Laden tinha encontrado refúgio no Afeganistão, à época sob governo dos talibãs, que se recusaram extraditar o líder da al-Qaeda para os EUA. A invasão do Afeganistão em 2001 deu início a uma presença militar de duas décadas no país — mas a retirada daquela que se tornou na guerra mais longa dos EUA já era uma promessa antiga, desde o tempo de Barack Obama, mas adiada várias vezes.

Durante a presidência de Donald Trump, os EUA começaram a negociar diretamente com os talibãs, exilados no Catar, com vista à retirada total dos militares norte-americanos do país. A saída viria a ser consumada por Joe Biden, que em abril deste ano anunciou que o último soldado norte-americano estaria fora do Afeganistão, no máximo, até setembro de 2021. Os militares norte-americanos começaram, então, a sair gradualmente do país — e tornou-se evidente que os talibãs iriam aproveitar o momento para ganhar terreno no Afeganistão.

A entrega da base militar de Bagram, a mais importante base norte-americana no Afeganistão, ao exército afegão em julho representou um momento definidor na retirada — e em poucas semanas os talibãs já tinham a esmagadora maioria do território afegão sob controlo. Em 15 de agosto, os talibãs capturaram a capital, Cabul, e o Presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu do país, abrindo espaço à tomada definitiva do poder por parte dos talibãs.