O tribunal atirou uma data: 22 de outubro para ouvir as testemunhas que faltam de manhã e fazer as alegações finais à tarde. A defesa de Ricardo Salgado torceu o nariz. Não que houvesse um problema de agenda. Mas porque, desde logo, ainda existe a possibilidade de o ex-banqueiro prestar declarações em tribunal — fazê-lo ou não depende de recursos em tribunais superiores pendentes. Mas o juiz Francisco Henriques resolveu o problema rapidamente: “Se o doutor Ricardo Salgado quiser vir, vem. Se não quiser não vem”. Depois, porque os advogados querem ter algum tempo, pelo menos mais do que uma hora de almoço, entre a audição da última testemunha e as alegações finais — o que o magistrado também resolveu, atirando: “Também não são três testemunhas que vão mudar alguma coisa”.

A data acabou por ficar marcada, apesar das reservas da defesa, e deu-se início à sessão número cinco do julgamento do ex-banqueiro, que resulta de separação dos processos da Operação Marquês. Uma sessão que rapidamente se percebeu que ia ser curta: não só a defesa do Ricardo Salgado dispensou a mulher do ex-banqueiro, Maria João Salgado, de ser ouvida como testemunha — ao Observador, a defesa do arguido não quis adiantar a razão — como logo pela manhã a funcionária judicial começou a ter dificuldades em contactar uma testemunha: o padre Avelino Alves, sacerdote da capela da família, junto à casa em Cascais.

A notificação para ser ouvido como testemunha abonatória terá sido entregue ao próprio no dia 8 de setembro, pelo que confirmou o tribunal. No entanto, o pároco de Pêro Pinheiro não apareceu. O tribunal tentou contactá-lo ao longo da manhã a contactá-lo por telefone, mas sem sucesso. Por ter sido notificado e não ter comparecido, o padre Avelino Alves arriscava uma multa. Mas o tribunal optou esperar que os advogados de defesa o consigam contactar para ser ouvido na próxima sessão, esta terça-feira

Para esta segunda-feira, restaram assim três testemunhas — todas elas disseram não conhecer Ricardo Salgado.

Ex-diretor de finanças da Rio Forte diz que “nunca” conheceu Salgado. Funcionários de empresa de Granadeiro foram ouvidos — e falou-se de vindimas

“Conhece o arguido?”, começou por perguntar o juiz Francisco Henriques. “Sim, como figura pública”, respondeu-lhe a testemunha, para depois ouvir do magistrado: “Ó, está bem. Não é como figura pública”. A resposta final foi “não”. João Pinho Cardão, que trabalhou em duas empresas do grupo Espírito Santo, garantiu em tribunal que nunca conheceu Ricardo Salgado.

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Chamado pela defesa para testemunhar no julgamento, João Pinho Cardão disse que começou a trabalhar na Espírito Santo Resources em 2004. “Fui a uma entrevista de emprego com o doutor Gonçalo Cadete”, explicou, questionado pelo advogado Francisco Proença de Carvalho. Depois, detalhou como passou para a Rio Forte: “Quando foi criada, o doutor Gonçalo Cadete foi convidado para CFO e equipa que trabalhava com ele manteve-se”. João Pinho Cardão, que agora está afastado do Grupo Espírito Santo, garantiu que Salgado nunca teve qualquer função na Rio Forte, nem nunca respondeu diretamente dele. “Conheço, sei quem é, mas nunca o conheci”, rematou.

Foram ouvidos dois funcionários da empresa Margar. “Isso não é a empresa do senhor Henrique Granadeiro?”, perguntou o juiz ao primeiro dos dois a ser ouvido, o encarregado de exploração agrícola Inácio Falcato. “É”, respondeu-lhe. A inquirição foi breve e a testemunha saiu da sala, não sei antes o juiz Francisco Henriques lhe perguntar como estavam a correr as vindimas. “Fizemos esta noite. Amanhã deve estar acabada”, respondeu Inácio Falcato. O segundo a ser ouvido, o contabilista Ricardo Charneca, prestou declarações por videochamada e deixou também a garantia de que nunca conheceu Ricardo Salgado.

O julgamento continua esta terça-feira — a última sessão prevista até 22 de outubro — com a audição de quatro testemunhas: Carlos Silva, Yves Alain Morvan, Tereza Araújo e Pedro Brito e Cunha.

Como Ricardo Salgado sai (quase) limpo do processo

Ricardo Salgado estava inicialmente acusado de 21 crimes, entre corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Mas a decisão do juiz de instrução Ivo Rosa, a 9 de abril, foi a de o levar a julgamento apenas por três crimes de abuso de confiança, num processo autónomo. Os crimes estão maioritariamente relacionados com a Espírito Santo (ES) Enterprises e envolvem um valor de mais de 10 milhões de euros. O juiz de instrução Ivo Rosa deu como indiciado que esta sociedade offshore, com várias contas bancárias no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, era “controlada pelo arguido Ricardo Salgado e utilizada pelo mesmo para movimentar fundos e realizar pagamentos sem que a sua origem, destino e justificação fosse revelada”.

Em relação a um dos crimes, Salgado terá utilizado a ES Enterprises para transferir cerca de 4 milhões de euros para a Savoices, uma outra empresa offshore da qual o ex-líder do BES era o beneficiário e que tinha conta noutro banco suíço. Um segundo crime está relacionado com transferências que a ES Enterprises fez para Henrique Granadeiro, tendo o ex-líder da PT transferido depois mais cerca de 4 milhões de euros para uma conta no banco Lombard Odier aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Begolino, que pertence a Ricardo Salgado e à sua mulher. O terceiro crime diz respeito a cerca de 2 milhões e 750 mil euros que tiveram origem no BES Angola, passaram por uma conta do empresário Hélder Bataglia e acabaram na Savoices de Ricardo Salgado.