Quando alguém num escritório da Netflix algures no mundo olhou para uns gráficos e resolveu dar luz verde a esta série, tinha em mente um público-alvo no qual estou incluída. Estou a dois meses de fazer 40 anos e fui mãe relativamente tarde, aos 35. Caibo no estereotipo ao qual “On The Verge” procura fazer justiça com as suas quatro personagens principais: o das mulheres em processo de envelhecimento que optaram por ser mães depois de consolidarem outros aspetos das suas vidas. É suposto serem as adultas na sala, mas isso nem sempre acontece.
As séries para que mães se sintam mais acompanhadas neste caos que é tentar ter todos os pratos no ar são cada vez mais comuns. A própria Netflix tem a australiana “The Letdown” e a canadiana “Working Moms”. Até a matriarca de todas as séries para um público feminino, “Sexo e a Cidade”, incorporou a maternidade nas temporadas finais, através da personagem Miranda. O objetivo parece ser sempre o mesmo, o de criar empatia numa fatia de público cada vez mais importante para pessoas que fazem tabelas de Excel para marcas em busca de consumo: as mulheres entre os 25 e os 44. No caso de “On The Verge”, o atrevimento diferenciador é o de ir a mulheres entre os chamados “quarenta e muitos” e os cinquentas, aquelas que numa telenovela portuguesa já fazem de avó acamada da protagonista. Mas num mundo onde há tantas pessoas de 30 anos ainda sem perspetivas de vida, os 50 são os novos… 25?
[o trailer de “On The Verge”:]
Apesar de alguns bons momentos, esse objetivo de ser relacionável falha, cortesia de personagens que de tão imperfeitas são pouco mais do que caricaturas, às vezes até irritantes. O genérico, bem conseguido, mistura recortes de figuras femininas tão díspares que vão de Paris Hilton a Ruth Bader Ginsburg. Pena, então, que as quatro amigas que aqui acompanhamos, representem tão pouco do que é o espectro de possibilidades de uma série como esta.
Justine, Anne, Yasmin e Ell até exibem um esforço de variedade, mas soa a falso. Temos uma francesa, uma muçulmana, uma fã de drogas leves e uma que nunca sabe como pagar as contas. Mas, espremido, falta o efeito de “ah, eu de facto sou parecida com aquela”. Acabam por ser todas mulheres esmagadas por fait divers do dia-a-dia, com pouco interesse e mediana graça.
A francesa Julie Delpy é a criadora da série, realizando alguns dos episódios e participando nos guiões de todos. E é impossível não pensar nesta atriz e não a associarmos logo ao seu maior sucesso: a trilogia “Antes do Amanhecer” (1995), “Antes do Anoitecer” (2004) e “Antes da Meia Noite” (2013). Delpy, o co-protagonista Ethan Hawke e o realizador Richard Linklater trabalharam juntos nos guiões dos filmes, conhecidos pelos diálogos orgânicos e pela empatia que as personagens causam no espectador. Infelizmente, “On The Verge” não consegue o mesmo efeito, acabando assim naquela categoria de séries que não são terríveis de ver, mas nas quais passados cinco minutos já estamos a mexer no telemóvel e a dar-lhe apenas a nossa atenção periférica.
Porém, ainda existem algumas boas ideias, como um embate entre a personagem de Delpy e a própria atriz em nome próprio ou as peripécias de uma mãe que se torna vlogger para meter a sua família disfuncional a render. Existem também algumas boas falas, muitas delas spoiladas no trailer. O segundo episódio, “Viva Itália”, faz lembrar um dos mais míticos episódios de “Faulty Towers” (de e com John Cleese), mas em vez de “don’t mention the war”, ninguém pode falar de italianos para não perturbar um casal que recupera de uma traição extraconjugal. No outro lado do espectro está um subplot sobre espionagem absolutamente estapafúrdio, com a personagem muçulmana, que nem sequer cola com o resto da série.
O que fica ao final de dez episódios é que estava aqui, talvez, um bom filme indie, houvesse alguns cortes na palha narrativa e um fio condutor mais forte. Como está, resta uma série morna com balzaquianas contemporâneas com pouca espessura e não graça que chegue para colmatar essa falha. “On The Verge” serve para um fim-de-semana preguiçoso, quando o zapping não tem nada que se destaque, e só porque o catálogo não documental da Netflix anda muito mais fraco do que o que foi (e do que o das suas competidoras diretas, já agora).
Porém, o final é melhor que o arranque, com o fantasma da Covid a entrar em cena para trazer uma nova onda de peripécias. Tal como as protagonistas, “On The Verge” vai-se encontrando, aos tropeções. Apenas não é memorável que chegue para estarmos a contar os dias para uma hipotética segunda temporada.