Morreu aos 89 anos o padre Vítor Feytor Pinto, que foi durante vários anos responsável pela paróquia do Campo Grande e presidente da Pastoral da Saúde, confirmou o Observador junto de fonte oficial do Patriarcado de Lisboa.

À Rádio Observador, o Padre Hugo Gonçalves, pároco do Campo Grande, diz que Feytor Pinto faleceu no Hospital da Luz, em Lisboa. Segundo a Renascença, que avançou a notícia, Vítor Feytor Pinto tinha sido transportado da Casa Sacerdotal para um hospital de Lisboa, depois de uma indisposição sentida na terça-feira. Acabaria por morrer esta noite.

O velório terá início às 18h00 desta quarta-feira, na Igreja do Campo Grande, em Lisboa, estando agendada uma vigília de oração a partir das 21h30, informou o Patriarcado de Lisboa. Na sua página na internet, o Patriarcado adianta que a missa exequial tem lugar na quinta-feira, às 11h30, sendo presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.

O padre lidava há vários anos com problemas de saúde, depois de uma septicémia, em 2019, e de, no ano passado, ter estado infetado com Covid-19, o que o obrigou a ficar internado durante 40 dias.

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Vítor Feytor Pinto foi responsável pela paróquia de Campo Grande, no Patriarcado de Lisboa, durante vários anos, e teve uma vida ligada à Saúde. Foi, inclusive, presidente da Pastoral da Saúde e fez parte de um grupo de personalidades que lutaram por uma nova lei para o SNS, por defender uma maior valorização do serviço.

Em 1982, foi o responsável pela organização da visita a Portugal do Papa João Paulo II a Portugal. Chegou a descrever essa visita como “os quatro dias mais felizes” da sua vida.

Já em 1992 foi convidado pelo então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva para ser alto-comissário do Projeto Vida, dedicado ao combate à toxicodependência. Esteve no cargo durante cinco anos, três dos quais em que presidiu ao conselho de administração do Observatóro Europeu da Droga e da Toxicodependência. Em 2014, recebeu um louvor do Ministério da Saúde como agradecimento pelos 40 anos dedicados à área.

Foi Assistente Nacional e Diocesano da Associação Católica de Enfermeiros e Profissionais de Saúde (ACEPS), Assistente Diocesano dos Médicos Católicos e Assistente Diocesano da Associação Mundial da Federação dos Médicos Católicos (AMCP), para além de ter sido fundador do Movimento de Defesa da Vida, em Lisboa.

Mestre em Bioética e licenciado em Teologia Sistemática, foi admitido em novembro de 2005 pelo Papa Bento XVI entre os membros da Família Pontifícia, nomeando-o seu capelão, com o título de Monsenhor.

“A Vida é sempre um valor”, “100 entradas para um mundo melhor” e “A palavra vivida” foram alguns dos livros escritos pelo Padre Vitor Feytor Pinto, que integrou, também, o Conselho Pontifício para os Profissionais da Saúde e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Bispos lembram conhecedor do “espírito renovador” do Concílio Vaticano II

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) lembrou o padre Vítor Feytor-Pinto, que morreu hoje aos 89 anos, como “um profundo conhecedor do espírito renovador do Concílio Vaticano II, divulgando os seus documentos com persistente entusiasmo e assertiva comunicação”.

Numa nota publicada na página da CEP na Internet, o secretariado-geral da Conferência manifesta “a sua oração solidária e memória agradecida pelo que o padre Vítor foi entre nós”, estendendo a oração “aos seus familiares e às dioceses que serviu: na Guarda ao longo de dez anos e no Patriarcado de Lisboa durante mais de cinco décadas”.

“Além das inúmeras tarefas assumidas a nível diocesano, exerceu a sua missão com grande dedicação ao serviço de vários organismos da Conferência Episcopal, por exemplo como Diretor do Secretariado Nacional da Educação Cristã e Juventude e como Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde”, refere o comunicado, acrescentando que “a família e a juventude sempre estiveram no seu horizonte evangelizador, sendo assistente nacional de várias associações e movimentos de caráter juvenil e familiar”.

Segundo a CEP, “essa forte presença evangelizadora estende-se a organismos como o Movimento por um Mundo Melhor, a Ação Católica e a Juventude Escolar Católica, os Cursilhos de Cristandade e as Equipas de Nossa Senhora”.

“Exerceu ainda cargos na Igreja Universal e na sociedade, de que podemos destacar a fundação do Movimento de Defesa da Vida, o acompanhamento pastoral de associações de Médicos Católicos e a ação em organismos contra a droga e a toxicodependência”, sublinha a CEP.

A luta pela valorização do SNS. E os elogios rasgados aos profissionais que o trataram durante a Covid-19

Numa entrevista ao Diário de Notícias, em dezembro de 2020, a propósito da infeção com o vírus da Covid-19, elogiou a forma como foi tratado pelo SNS. Felicitou os profissionais de saúde e a ministra Marta Temido, “pelo trabalho intenso que está a ser feito no SNS” e a que assistiu no Hospital de Santa Maria.  “Comecei por estar no piso 2, passei para o piso 5, para os cuidados intensivos, onde fui espetacularmente tratado, com uma técnica fantástica, por médicos, enfermeiros, auxiliares, todos, e ao mesmo tempo com uma enorme humanização, que é aquilo que na saúde é fundamental”, contou. Ao todo, foram mais de 40 dias de internamento.

Foi também no Hospital de Santa Maria, escrevia o Diário de Notícias, que começou o trabalho como sacerdote ligado à saúde e à espiritualidade dos doentes e profissionais de saúde. Ao longo dos anos, apelou sempre à importância de se valorizar o SNS. “O SNS é fundamental. É a nossa salvação em termos técnicos, tive os melhores cuidados e de forma muito humanizada. É o serviço de todos os portugueses, não há exceções.” Na altura, ainda a recuperar da infeção, mostrava vontade em lutar “para se conseguir ultrapassar esta crise”.

A “vocação” e o percurso “profundamente livre”. “Não sou capaz de estar preso a ideologias, a partidos”

Nasceu a 6 de março de 1932, na freguesia de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Desde os cinco anos que queria ser padre, mas só impôs a decisão, perante o pai, aos 10. “O pai queria que eu fosse para o liceu, ele tinha um Colégio, e eu disse que não, que o meu lugar seria no Seminário. Naquele tempo entrava-se no Seminário aos 10 e eu entrei aos 10”, disse numa entrevista à agência Ecclesia.

Na mesma conversa, explicava que recebeu o título de monsenhor pelo Papa Bento XVI, mas preferia que lhe chamassem padre. “Simplesmente no trato familiar, normal, em comunidade sou o padre Vítor. É assim que me sinto bem”, afirmou. Na mesma conversa, falou sobre a mãe, “uma senhora espantosa” que o acompanhou ao longo de toda a vida sacerdotal e que caraterizava como uma “crente crítica” — ao contrário do pai, um “crente fervoroso”. Com a mãe, tinha “discussões até às 4h da manhã sobre problemas teológicos, muito interessantes”.

O sacerdócio, indicou, era uma “vocação”. “Eu escolhi o sacerdócio e sinto-me muito feliz desde que achei que devia ser padre, sinto-me muito feliz com a opção que fiz, que é uma vocação. Reconheço profundamente que estou na vocação em que Deus quis que eu estivesse”, disse à Ecclesia.

O seu percurso, contava ainda, foi “profundamente livre”. “Não sou capaz de estar preso a ideologias, a partidos, a opiniões que podem ter um contraditório. Sinto completamente livre o meu coração e a minha mente, precisamente para poder optar, porque perante o meu discernimento é aquilo pelo qual devo optar. Sinto-me feliz, porque me sinto completamente livre.”

Mas, admitia, durante o tempo de Seminário, teve dúvidas. “Hesitei, claro, duvidei. Eu tive a preocupação de sentir o que era de verdade. E na altura da pós-adolescência, 16, 17 e 18 anos, foram tempos de grande clarificação”. A juventude é também marcada pela música. Aos serões, tocava piano, violino, cantava, declamava poesia. De José Régio a Fernando Pessoa e Guerra Junqueiro. “Nós cultivávamos o serão com cultura. Na altura era uma sorte não ter televisão.”

Celebrou 66 anos de sacerdócio em julho. O dia da ordenação recordava vivamente: “Acordei com uma pomba a picar o vidro da minha janela. Olhei e pensei: de facto o Espírito Santo está a querer chegar nesta hora”, contou.

Sobre o Papa Francisco, dizia admirar a “alma conciliar, uma inteligência conciliar, um coração conciliar”. “Ele é fabuloso. Se esta é a corrente papal, alguns certamente começam a criticar para julgar que o importante é o passado. São tremendos conservadores”, observou.

Marcelo cancela ida a Tenerife para estar nas cerimónias fúnebres

O Presidente da República cancelou a ida a Tenerife (Canárias) — onde iria marcar presença para um encontro de Ministros da Justiça Ibero-Americanos e dos Países de Língua Oficial Portuguesa — para marcar presença nas cerimónias fúnebres do padre Feytor Pinto. Marcelo tinha visita marcada para quarta e quinta-feira, juntamente com o Rei Felipe VI de Espanha.

Marcelo Rebelo de Sousa lamentou a morte do padre Feytor Pinto, recordando-o como “uma das figuras mais importantes da Igreja Católica portuguesa nos últimos cinquenta anos”, e prestou homenagem ao “mestre pela palavra e pelo exemplo”.

Numa nota publicada no site oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa “lembra, já com saudade, o padre Feytor Pinto”, considerando que com a sua morte “desaparece uma das figuras mais importantes da Igreja Católica portuguesa nos últimos cinquenta anos”.

“E, certamente, das mais presentes em movimentos de jovens, de famílias, de comunidades sociais as mais diversas, e das mais sensíveis a todos os grandes problemas da sociedade portuguesa, da educação à saúde, da solidariedade social às migrações, da inclusão ao mundo do trabalho”, acrescenta o chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa refere que Feytor Pinto “não precisou sequer de pertencer à hierarquia para ter influência decisiva em momentos essenciais da afirmação da mensagem cristã”. “O Presidente da República homenageia ainda o homem, o mestre pela palavra e pelo exemplo, o cidadão, o português, apresenta os seus mais emocionados sentimentos aos seus familiares e recorda, em particular, uma muito antiga amizade”, lê-se na nota.

O chefe de Estado declara que “os anos mais recentes tornaram ainda mais forte” essa amizade, “com o acompanhamento próximo da ‘via crucis’, feita de amor à vida e de capacidade de resistir e de se reinventar, que o padre Vitor Feytor Pinto demonstrou até ao último minuto” da sua vida.

À entrada da capela do Campo Grande para prestar homenagem a Vitor Feytor Pinto na tarde desta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa recordou-o como uma pessoa que “influenciou muitos daqueles que vieram a ser importantes na Igreja” uma vez ter sido “mestre, professor”, tendo influenciado várias gerações, mesmo antes do 25 de abril. “Sempre teve o espírito muito aberto, tinha uma visão de futuro, tinha cultura mas muita humildade.”

Começou, segundo Marcelo, a falar antes de todos de temas como a “bioética, os cuidadores informais, os cuidados paliativas” e teve um grande impacto no Serviço Nacional de Saúde, mas também junto a sucessivos chefes de Estado, como Mário Soares ou Cavaco Silva.

Vitor Feytor Pinto “dialogava com todos, compreendia todos e se havia algum problema para resolver” era ele o chamado pela sua “idade”, o seu “estatuto”, a sua “experiência” e a sua “autoridade”.

Ferro lembra envolvimento na sociedade civil

O presidente da Assembleia da República manifestou “profundo pesar” pela morte do padre Vítor Feytor-Pinto, salientando que ficará “na memória de todos” o seu “forte envolvimento em questões de saúde e da sociedade civil”.

Em comunicado, Eduardo Rodrigues relembra que o padre Vítor Feytor-Pinto nasceu em 1932 em Coimbra e foi ordenado na Diocese da Guarda em 1955, tendo a “sua vida e o seu trabalho” sido “muito influenciados pelo Concílio Vaticano II, do qual foi um fervoroso divulgador”.

O presidente da Assembleia da República frisa ainda que o trabalho do padre Feytor-Pinto também ficaria “ligado à reflexão sobre a Pastoral da Saúde e a defesa dos direitos fundamentais, destacando-se igualmente o seu trabalho ao longo de vários anos como responsável da paróquia do Campo Grande”.

Padre Feytor Pinto “nunca viveu como sendo um homem doente”

O coordenador nacional da Pastoral da Saúde, padre José Manuel Pereira de Almeida, destaca a “vida cheia sempre entregue aos outros” e o otimismo mesmo durante a doença prolongada. Em declarações à Rádio Observador, lembra o percurso de Feytor Pinto, vindo da diocese da Guarda, “que sempre recordou”.

Padre Vítor Feytor Pinto “nunca viveu como sendo um homem doente”

Recorda como o padre acompanhou o pontificado de João Paulo II” na transformação de uma pastoral fechado no horizonte dos doentes para uma pastoral da saúde”, a presença enquanto capelão dos hospitais em Lisboa e as responsabilidades na Pastoral da Saúde, “promovendo semanas de reflexão em Fátima e a participação portuguesa de encontros em Roma”.

“Era uma pessoa muito querida e estimada por todos e de grande dinamismo, sempre otimista, mesmo agora durante a doença que foi muito prolongada e com muitas complicações. Nunca viveu como um homem doente, brilhou com a sua humanidade”. “O legado é de uma grande exigência e uma vida vivida por todos, com este sentido de entrega para que todos tenham vida.”

João Paulo Malta, vice-presidente da Associação de Médicos Católicos Portugueses, que conheceu o padre Feytor Pinto nos anos 80, também lembra o “sorriso” que manteve e a “afabildiade”, a que se juntava uma “ética e fé inquebrantáveis”. Também salienta o papel enquanto capelão hospitalar. “Preocupava-se com a pessoa integral no seu aspeto físico, biológico, mas também psicológico, afetivo, relacional e confessional, era um homem de uma inteligência na procura de consensos e problemas absolutamente inultrapassável”, referiu, à Rádio Observador.

Padre Feytor Pinto “tinha uma fé e moral inquebrantável”, recorda João Paulo Malta

Notícia atualizada às 19h03 com declarações de Marcelo e da Conferencia Episcopal Portuguesa