“Ambição.” Esta foi a palavra mais repetida ao longo desta quinta-feira, o penúltimo dia da cimeira ambiental em Glasgow, quer pelo presidente da COP26, Alok Sharma, quer pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. É a última tentativa dos responsáveis da cimeira pressionarem os governos, que continuam a negociar o texto final que deverá sair desta cimeira — e cuja apresentação já foi atrasada um dia, da noite de quarta para quinta. Tudo porque continua a não haver entendimento sobre as medidas de mitigação das emissões de gases poluentes, com muitos países a não quererem abandonar tão rapidamente a produção de energia com base no carvão.

As negociações decorreram à porta fechada ao longo de todo o dia, enquanto Alok Sharma foi fazendo várias conferências de imprensa para dar conta do progresso das conversações. O tom não mudou durante toda a quinta-feira: “Ainda há muito trabalho a fazer”, “Estamos preocupados”, e “O tempo está a esgotar-se” foram algumas das frases utilizadas pelo presidente da COP26 para dar conta do atraso que está a impedir a redação de um texto final.

“Está a custar fazer progressos até em questões de rotina”, admitiu a certa altura Sharma que, porém, ia tentando manter o tom otimista: “Embora a janela para manter o objetivo dos 1,5 [graus de limite máximos e no aquecimento mundial] esteja a fechar, ainda é possível”, afirmou Sharma. “Em última instância, caberá às partes chegar a um consenso”, disse, referindo-se aos governos.

Enquanto o presidente da COP26 carregava na pressão de um lado, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reforçava a ideia por outro.

Não podemos aceitar o denominador comum mais baixo para a ação climática”, disse a certa altura o responsável máximo da ONU, que voltou a pedir “ambição” aos governos mundiais.

“As promessas soam ocas quando a indústria das energias fósseis continua a receber triliões de subvenções (…) ou quando os países continuam a construir centrais a carvão”, afirmou ainda Guterres durante a tarde. A referência ao carvão é chave, já que é a dependência desta matéria que está a travar grande parte do entendimento para um acordo final. Em causa está o financiamento para abandonar esta indústria que, para alguns países, não é ainda suficiente. Muitos dizem não ser capazes de cumprir o objetivo da neutralidade de emissões de gases poluentes até 2050 por essa razão.

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O primeiro sinal foi dado com as declarações do grupo dos Like Minded Developing Countries (LMDC), onde se incluem a China, a Índia e o Irão: “Pedimos à presidência que retire totalmente toda a secção que se refere à mitigação”, disse em conferência de imprensa o representante da Bolívia, Diego Pacheco, em nome do grupo, referindo-se às referências ao carvão e combustíveis fósseis. Horas depois, o LMDC acrescentaria que os países mais ricos estão a impor um “capitalismo carbónico” ao exigirem o fim da produção de energia com base no carvão.

Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia encarregado das questões climáticas, reagiu a estas declarações durante o dia, dizendo que aquilo que os países em desenvolvimento estão a exigir seria “extremamente mau” caso viesse a concretizar-se. “Se a removermos do texto, que mensagem vamos enviar? A única forma de a humanidade conseguir viver no planeta é se nos livrarmos da dependência dos combustíveis fósseis que estão a tornar a nossa sobrevivência impossível. Tem de fazer parte das conclusões”, disse Timmermans em conferência de imprensa.

As declarações ilustram a divisão entre os países ocidentais e os restantes, que protagonizam agora um braço de ferro na reta final das negociações. Mas, seja qual for o entendimento que saia desta COP, fica claro que este não é apenas um problema que opõe as nações mais ricas às mais pobres. Por um lado, porque o LMDC não inclui apenas países “em desenvolvimento”, ou não fizesse parte dele a China — que assinou um acordo com os EUA na véspera e não se pronunciou publicamente esta quinta-feira; por outro, porque estes não são os únicos países a revelarem incómodo com as metas propostas.

Ao final do dia, governos como os da Polónia e da África do Sul fizeram questão de deixar um esclarecimento: os seus países não irão abandonar a produção de carvão “da noite para o dia”. A Polónia disse não se considerar um dos países com uma das maiores economias do mundo e, por isso, não irá cumprir a meta de eliminar a produção de carvão até 2040. Já a África do Sul falou numa “falha de comunicação” e garantiu que não irá deixar o carvão “durante algumas décadas”. Como irão ser todas estas exigências acomodadas num texto final com que todos concordem? O último dia da cimeira em Glasgow o dirá.