Nota prévia: não li nenhum livro de Robert Jordan, a saga era-me completamente desconhecida. Todos os comentários presentes neste texto dizem respeito à série e apenas a ela. Agora que estamos esclarecidos, tenho de confessar: foram primeiros episódios cansativos. Isso até seria bom se fosse o resultado de uma história tão intensa e impressionante que nos sugasse energia a cada episódio. Mas é o oposto. “A Roda do Tempo” — cujos primeiros três episódios estão disponíveis desde esta sexta-feira, 19 de novembro, na Amazon Prime Video — estava a ser apregoada como a grande sucessora de “A Guerra dos Tronos”, mas não é o facto de as expectativas estarem muito altas que faz a desilusão ser maior. A série — ou a primeira temporada, pelo menos — parece o esboço de uma ideia. Podia ter sido suficiente para vender o projeto, mas não é aceitável para apresentar aos espectadores como o produto final.
Nos seis episódios disponibilizados aos jornalistas (há oito no total) suspirei, bufei, revirei os olhos. Número de vezes em que roí as unhas: zero. Número de vezes em que arranquei cabelos: zero. Número de vezes em que me apeteceu gritar por matarem determinada personagem: zero. Número de vezes em que acabei um episódio e tive vontade de ver logo o seguinte: -875.
Vamos à história: estamos num universo fantástico onde algumas mulheres, conhecidas como Aes Sedai, têm poderes mágicos que usam para fazer o bem, claro. Há uma profecia sobre alguém que haverá de salvar o mundo (ou destruí-lo) — ao estilo do verdadeiro herdeiro do trono de ferro em “A Guerra dos Tronos” — e criaturas que são “servidoras do lado negro”.
[o trailer de “A Roda do Tempo”:]
Rosamund Pike é Moiraine, a feiticeira que procura o ser especial, é o único nome verdadeiramente conhecido do elenco. Isso não teria de ser necessariamente mau, também ninguém conhecia os atores de “A Guerra dos Tronos” antes da série, mas neste caso até é. Não há nenhum ator que se destaque especialmente e a culpa disso também é o pobre desenvolvimento das personagens. Os cinco pretendentes ao trono (perdão, a serem o “dragão reencarnado”) têm 20 e poucos anos e são de uma vila perdida nos confins deste reino. Rand (Josha Stradowski), Egwene (Madeleine Madden), Perrin (Marcus Rutherford) Mat (Barney Harris) e a desconfiada parte curandeira/parte feiticeira Nynaeve (Zoë Robins) têm todos qualquer coisa diferente, jura Moiraine (que devia ser misteriosa mas é apenas monocórdica), e têm de ir com ela para a capital do reino. E eles vão, sem grandes questões. Mal conhecemos os protagonistas, não há muitos dados sobre eles nem tempo para criarmos qualquer tipo de empatia. De repente, já estão todos a cavalo em direção ao destino. Passamos a temporada nisto, numa demorada e bastante enfadonha jornada. Bom, assim ao menos dá para aprofundar as personagens, não? Não.
O que dizem é muito poético e complexo mas, a partir de certo ponto, já nem dá vontade de tentar perceber. Só queremos muito que a coisa avance: menos conversa e mais ação, pessoal. Isso nunca se materializa. Épicas cenas de luta são inexistentes — mas as feiticeiras são muito eficazes a fazer gestos com as mãos para canalizar energias, parabéns. As criaturas não-humanas parecem muitas vezes disfarces de Halloween e calculo que não era bem esse o objetivo. Mas cavalos, há bastantes. Não quero que se esqueçam disso. Também há sombras negras que se espalham e transformam tudo em cinzas, morcegos expelidos pela boca, uma feiticeira matreira e mazinha e um grande bocejo — desculpem, isto não está na série, é mesmo só meu.
Se a jornada a cavalo (já disse que há muitos cavalos?) é longa, deve passar por muitas localidades, encontrar perigos e obstáculos. Na teoria, sim, mas na prática está tudo bastante deserto. Parece que toda a gente fugiu do apocalipse e só os protagonistas de “A Roda do Tempo” é que não foram avisados. Numa suposta vila só vemos uma cabana à beira-rio, numa cidade há muitas muralhas mas ninguém à vista. Acampamentos há uns quantos, mas no meio da floresta e limitados às personagens que já vimos. Ah, vão ver outra cara conhecida. El Profesor (Álvaro Morte) mudou-se dos assaltos de “La Casa de Papel” para aqui. Tem um olhar bastante sinistro e não é muito boa companhia. Tirando isso, não se perde tempo com grandes análises.
Passemos ao capítulo do romance.
OK, era isto. Não é por aqui que a história vai agarrar ninguém. Há uma paixoneta entre dois dos possíveis dragões reencarnados e uma dinâmica estranha entre as feiticeiras e os guerreiros que andam sempre com elas para proteção e para, no fundo, satisfazerem qualquer necessidade das Aes Sedai. Não há um incestozinho, um casamento regado a sangue, um amor proibido entre um anão e uma prostituta, nada, nadinha. Não me venham dizer que não querem comparações com “A Guerra dos Tronos”. Se os zunzuns andavam a promover isto como a grande sucessora, sinto que tenho legitimidade para comparar até as pedras das paisagens.
Acredito que os 14 livros de Robert Jordan (aos quais se acrescentam os spinoffs) sejam viciantes. Porém, a adaptação de Rafe Judkins (produtor de “Os Agentes S.H.I.E.L.D.” e “Hemlock Grove”) não faz muito para dar credibilidade a esse legado. A segunda temporada de “A Roda do Tempo” está confirmada mas, pela parte que me toca, não fiquei com vontade de ver mais. Agora, se calhar, vou esconder-me lá numa das cidades desertas porque temo que os maiores fãs da saga venham atrás de mim com algum feitiço maléfico.