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"Cowboy Bebop". Nem sempre os (re)encontros em carne e osso são os melhores

Este artigo tem mais de 2 anos

A Netflix recuperou a série de animação com uma versão "live action". Jazz, western, ficção científica e "nouvelle vague", num regresso que não apaga (em nada) o valor do original. Bem pelo contrário.

John Cho, Mustafa Shakir e Daniella Pineda são os atores que dão corpo (literalmente) às personagens de "Cowboy Bebop" que até aqui existiam apenas em forma animada
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John Cho, Mustafa Shakir e Daniella Pineda são os atores que dão corpo (literalmente) às personagens de "Cowboy Bebop" que até aqui existiam apenas em forma animada

GEOFFREY SHORT/NETFLIX

John Cho, Mustafa Shakir e Daniella Pineda são os atores que dão corpo (literalmente) às personagens de "Cowboy Bebop" que até aqui existiam apenas em forma animada

GEOFFREY SHORT/NETFLIX

Como bem altamente comerciável e rentável que é, a nostalgia é uma espécie de parasita em constante procura da nova moda. O consumo de entretenimento é agora mais acessível, mais fácil e acontece em maior quantidade. Daí que seja natural que as tendências de nicho de há vinte anos sejam agora fantasias que precisam de ser constantemente alimentadas. É uma questão de procura: há mais gente a querer aquilo que há algumas décadas interessava a muito poucos. “E se houvesse uma sequela? Ou uma prequela? Talvez um remake? Não, já sei: uma versão em live action?” Sobre esta última ideia: nos últimos anos, a Disney resolveu refazer todos os seus clássicos em liveaction (ou seja, com pessoas de carne e osso), em alguns casos, como em “Cruella”, ajustando as personagens ao presente, tornando-as mais apelativas. “Cowboy Bebop”, que sde estreou há dias na Netflix, é a mais recente vítima desta tendência.

Há algum tempo que a Netflix percebeu a importância de ter anime na sua biblioteca. Isso explica a presença de títulos como “Full Metal Alchemist” ou “Attack On Titan” no catálogo; justifica a compra do catálogo dos estúdios Ghibli ou “Neon Geneses Evangelion”; sustenta o investimento em muitas produções próprias. “Cowboy Bebop” faz parte desse lote de clássicos, há algum tempo seguros no catálogo, que ficaram na memória de quem o viu na altura (estreou em 1998 e passou em Portugal em 2001).

[o trailer da nova versão de “Cowboy Bebop”:]

“Cowboy Bebop” é muita coisa. É uma “space opera”, um western misturado com film noir, com toques de cinema norte-americano dos anos 1970, nouvelle vague, num leve clima de ficção científica. A Terra se tornou inabitável, Marte é uma memória distante e as personagens comportam-se como se o faroeste fosse todo o universo. Junte-se jazz, numa banda-sonora fantástica da autoria de Yoko Kanno e os seus Seatbelts, que se tornou icónica no universo da animação – e não só –, modelos de naves perfeitos, cenários que trabalhavam bem a memória cinematográfica no futuro e uma história de caçadores de prémios cheia de laconismos e bom humor. “Cowboy Bebop”, a série de animação, foi primeiro um objeto de culto — com o passar de duas décadas tornou-se um clássico. Uma maravilha ontem, uma maravilha hoje.

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A história é simples de se contar. Spike Spiegel e Jet Black são dois caçadores de prémios que atravessam o Sistema Solar numa nave chamada Bebop (Jet Black é grande fã de jazz). As missões raramente lhes correm bem (ou seja, em muitas perdem o prémio ou são assaltados por extremos atos de bondade). Cada episódio da série original era uma missão. Algures no início conhecem Faye Valentine, uma caçadora de prémios como eles, que se junta à festa, à espera de partir no primeiro instante que lhe for conveniente. Mas fica sempre. Todas as personagens têm um passado distante da vida que levam agora, mas a que domina a série é a de Spiegel e é ao encontro disso – e do seu arquiinimigo, Vicious – para onde a série de desloca. Discretamente, sem deixar que isso domine a narrativa.

Uma versão em live action limitaria muito o universo de “Cowboy Bebop”. Os belíssimos meios de transporte, por exemplo, não estariam tão presentes e as cenas de ação perderiam aquele charme da dança muito próprio da série original. Mas, no papel, não seria uma coisa muito descabida. A Netflix avançou com a ideia, desenvolvida por Christopher Yost, resgatou Yoko Kanno para tratar da música (a brilhante composição do genérico mantém-se) e juntou John Cho (Spike), Mustafa Shakir (Jet) e Daniella Pineda (Faye) nos papéis principais. Manteve a ideia dos episódios não serem episódios, mas serem denominados por sessões, reduziu o conceito original de 26 episódios de 25 minutos para 10 de 45 minutos.

[o trailer da série “Cowboy Bebop” original:]

“Cowboy Bebop” versão Netflix 2021 segura muitas das histórias mais conhecidas do original para tentar criar uma dinâmica que justifique a sua existência. É propositadamente camp, está muito seguro de si no seu ridículo e sabe que, ao misturar western, espaço, film noir e kung fu, não se pode levar muito a sério. Essa é o melhor aspeto do “Cowboy Bebop” live action, há uma confiança avassaladora de que isto pode funcionar nos seus exageros, nas suas dinâmicas muito próprias e no absoluto desligar de uma certa lógica.

Comparar o original com este é um jogo injusto. Começa logo no primeiro episódio, o final do original é impossível de ser replicado em live action e todo o drama/emoção/conflito do confronto final, no espaço, perde-se em personagens de carne e osso e nas coisas que não consegue imitar da animação. Por isso, não vale a pena ir por aí. O que faz é criar uma visão muito própria dessas histórias, abonecando as personagens intermitentes, desligando-as das principais (exatamente o contrário do que a série original fazia). Ou seja, nenhuma personagem secundária fica na memória, são meros utensílios narrativos.

A recriação do universo e das histórias de "Cowboy Bebop" em formato "live action" (com Mustafa Shakir, John Cho e Daniella Pineda) fica longe de recuperar o espírito criativo da "space opera" original

Faz isso com uma razão. Ao contrário da série original, o passado de Spiegel não é um apontamento lacónico em alguns episódios que vai crescendo ao longo da série. Surge sem grande discrição no primeiro episódio e, a partir daí, domina, chegando ao cúmulo de os três últimos episódios – em dez – serem inteiramente dedicados a isso. E, convenhamos, isso nunca foi o mais interessante em “Cowboy Bebop”. Não o era no original e não é agora. Aliás, torna-se um apontamento exagerado, absurdo, desproporcional em relação a todas as outras dimensões de “Cowboy Bebop”.

O original era cool. Queria-se cool. Este tenta ser. Esforça-se como um aluno que nunca vai ser mau, mas não tem talento para ser brilhante. E, tal como esse aluno, acaba por ser bom numa ou outra disciplina: o sexto episódio, “Binary Two-Step”, é uma ótima variante “Groundhog Day” com direito próprio. É o primeiro de dois episódios em que se resolvem passados de personagens (o outro é o seguinte, dedicado a Faye), e uma prova de que “Cowboy Bebop” foi pensada para ser (ou, pelo menos, tentar ser) cool nos primeiros cinco episódios (e consegue-o, a espaços) e resolver-se nos cinco finais. Quando se chega ao fim, fica a sensação de que se queria mais da primeira parte e menos da segunda (com exceção do referido episódio).

Noutras palavras, a nostalgia tem este mal de insistir que precisamos de recontextualizar os lugares onde fomos felizes. Podemos sempre dizer que não, ignorá-los, mas e se depois for mesmo bom? “Cowboy Bebop” na Netflix , versão 2021, nunca poderia ser tão bom como o original. Pela simples razão de que o que o tornou num clássico intemporal e, provavelmente, na melhor “space opera” alguma vez criada, é a sua liberdade e a vontade de poder ser o que quisesse. E foi. E ainda é. Como esta agora não consegue ser. Portanto, no momento em que procurar por “Cowboy Bebop” na Netflix, escolha a série certa. A de 1998.

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