Em dezembro de 1961, centenas de refugiados chegavam a Lisboa, por via aérea e marítima, vindos de Goa, na sequência da intervenção militar indiana que ditaria o fim do estado português da Índia.

Em três dias, de 17 a 19 de dezembro, consumou-se a tomada de Goa, a que se seguiram Damão e Diu, pondo fim a 451 anos de soberania portuguesa naqueles territórios.

Os jornais portugueses publicavam extensas listas com nomes de refugiados chegados a Lisboa via Carachi, através da ponte aérea montada a partir do Paquistão, onde muitos encontraram o primeiro refúgio.

A operação de retirada fez-se também por mar, no navio “Índia”, da Companhia Nacional de Navegação.

Apesar de o regime garantir até ao fim que Goa resistiria aos avanços das tropas da União Indiana, a 16 de dezembro o Diário de Notícias publicava a chegada à capital de um grupo de 250 mulheres e crianças retiradas daquele território, de acordo com um plano já estabelecido.

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Muitos outros seguiram o mesmo caminho, entre naturais de Goa ou da metrópole nos dias que antecederam e sucederam o conflito, familiares de militares e civis.

O filme dos acontecimentos está espelhado nos jornais da época, consultados pela agência Lusa na Hemeroteca Municipal de Lisboa e através do arquivo digital da Fundação Mário Soares, no caso do Diário de Lisboa, que a 18 de dezembro saiu com cinco edições.

É este o dia que os goeses assinalam como o da consumação da tomada de Goa, “invasão” para Portugal, “libertação” para a Índia.

Portugal preparava-se para o Natal, discutia o Orçamento do Estado para 1962 e descobria a atriz italiana Sophia Loren, quando Nehru surge aos olhos da nação como “um falso pacifista”, um dos termos mais brandos usados na imprensa nacional para descrever o primeiro-ministro indiano de 1947 a 1964.

“As intenções de Nehru de atacar a índia portuguesa condenadas pelo jornal Daily Mail”, titulava o Diário de Lisboa a 6 de dezembro, que no dia seguinte noticiava um agravamento da situação em Goa e a passagem de aviões militares indianos sobre Damão e Diu, ao mesmo tempo que se avistavam navios ao largo de Mormugão.

Após vários relatos de recontros esporádicos nas fronteiras, a 16 de dezembro, o jornal O Século noticiava — “Aproxima-se a hora zero em que forças indianas poderão desencadear a sua ofensiva contra as terras do Indostão”.

Espanha apoiava, como a Inglaterra, que já havia perdido o domínio na índia, o envio de observadores internacionais independentes e o Brasil oferecia-se para mediar conversações.

Em Bombaim, o semanário Blitz, redigido em inglês, escrevia que as forças indianas marchariam sobre Goa no fim de semana, o que veio a confirmar-se.

A imprensa portuguesa noticiava a 18 de dezembro (segunda-feira) a invasão de Goa, Damão e Diu e divulgava uma nota oficiosa da Presidência do Conselho, na qual o Governo manifestava a confiança de que todos saberiam “cumprir o seu dever”.

Três dias antes, o então secretário-geral da ONU, o birmanês U. Thant, enviara um telegrama a Salazar sobre a “séria situação” na fronteira da Índia com Goa: “Venho urgente e respeitosamente apelar a vossa excelência e para o seu Governo no sentido de assegurar que a situação não se deteriore ao ponto de poder constituir ameaça à paz e à segurança“.

O responsável da ONU sugeria “negociações imediatas”, com vista a encontrar “uma rápida solução para o problema” e informava que havia dirigido idêntico apelo ao primeiro-ministro da Índia.

Salazar responde no mesmo dia, afirmando ser o Governo português “muito sensível ao apelo” e aceitando negociações onde e como o Governo de Nova Deli desejasse.

Num discurso, a 3 janeiro, na Assembleia Nacional, onde foi recebido em ovação, Salazar apresenta-se com problemas na voz e entrega o texto para ser lido pelo presidente da câmara.

“Não costumo escrever para a História e sinto fazê-lo hoje”, começa por dizer, assumindo que a nação ficara “despojada do Estado Português da Índia”, Goa, portuguesa há 450 anos.

Nas palavras de Salazar, a “invasão de Goa” foi “um dos maiores desastres” da História de Portugal, um “golpe muito profundo na vida moral da nação”.

Ao longo de uma hora e meia de comunicação, documentada em imagens de arquivo da RTP, Salazar acusa Nehru de ser racista e rejeita negociar “a cedência de territórios nacionais”.