A notícia aparecia quase escondida, ligada ao lançamento do clássico espanhol mas sem ser diretamente do jornal As, mas o título, no atual contexto, era no mínimo sugestivo: cinco razões para acreditar que o técnico Xavi Hernández pode conquistar o primeiro título pelo Barcelona nas novas funções. E quais eram? A forma como a equipa tem mostrado com maior cadência as ideias em campo, a maneira como consegue sempre ir a jogo para competir, a vontade em responder a todo o ruído que tem sido criado em torno do clube, a aposta na experiência de Dani Alves, o regresso de Ansu Fati. Ainda que nem todos os resultados reflitam a melhoria dos culés, a argumentação fazia sentido. No entanto, sendo ainda uma meia-final, o Real Madrid partia como favorito a estar no encontro decisivo e a ganhar a competição – e o que fugisse disso era uma surpresa.

“É um jogo onde podes ganhar ou perder, porque tem de haver um vencedor, e por isso temos de jogar o melhor possível. O nosso adversário teve mais problemas do que nós, mas é um jogo… Favoritismo? Todos os jogos me assustam. Por exemplo, antes do jogo frente ao Valência, estava muito nervoso. Sei perfeitamente o que é um clássico e ficaria preocupado se os jogadores pensassem que são favoritos, que sei que não pensam”, comentara na véspera Carlo Ancelotti, um senhor do futebol que voltou ao banco dos merengues na sequência de um processo que terá deixado para trás Massimiliano Allegri ainda em maio. “Gosto muito deste Barça do Xavi porque tem uma ideia clara do jogo que quer e que segue a linha da identidade do clube. Tiveram uma boa fase e, com as suas ideias, a equipa vai melhorar”, acrescentara, destacando no plantel contrário alguns nomes como Gavi ou Nico González além de veteranos como Piqué, Busquets ou Jordi Alba.

Com apenas dois reforços sonantes (o defesa/médio David Alaba a custo zero e Camavinga por uma questão temporal de mera antecipação aos rivais), aquilo que parecia ser uma espécie de ano de transição no clube liderado por Florentino Pérez está a tornar-se numa verdadeira rampa de lançamento para uma mais do que previsível aposta em 2022/23 com Kylian Mbappé e não só para amortizar o investimento num Santiago Bernabéu versão melhor estádio do mundo. À frente no Campeonato, nos oitavos da Champions e a fazer o seu caminho, a Supertaça era quase como um espaço de confirmação do trabalho de Ancelotti, não só a nível de resultados mas também de potenciação de jogadores – Vinícius explodiu, Marco Asensio foi recuperado, Benzema manteve a senda goleadora, a defesa estabilizou. Contudo, Barça é sempre Barça.

“O Real é a equipa em melhor forma mas somos o Barcelona e vamos tentar competir. Vai ser mais um jogo que desafia a nossa equipa e serve para percebermos em que ponto estamos, é um teste. Já vivi clássicos de todas as formas, já ganhei e já perdi, já parti como favorito e como não favorito… Vejo um Barça em construção, que está a tentar fazer bem as coisas e um Real num bom momento mas isso não significa nada porque um clássico é sempre imprevisível. Vamos tentar impor o nosso jogo sabendo que não será fácil”, explicara Xavi Hernández na antecâmara da estreia como treinador num clássico que era mais do que isso.

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Depois da derrota em Munique frente ao Bayern, que acabou não só com a eliminação da Champions mas também com o técnico a admitir que o “seu” Barcelona tinha batido no fundo, os blaugrana começaram uma série com seis jogos sem perder (o que, olhando para a realidade passada, tem a sua importância…), foram mostrando algumas melhorias na forma de controlar jogos e surgiam reforçados com elementos como Ferran Torres, contratado ao Manchester City e inscrito após a renovação de Umtiti para que o clube conseguisse cumprir os requisitos a nível de massa salarial e controlo da Liga, ou o regressado Ansu Fati. Mais do que isso, apostavam nesta Supertaça como uma alavanca da retoma. Contudo, Real é sempre Real.

O primeiro clássico espanhol de 2022 chegava de bem longe, a 6.011 quilómetros de Barcelona e a 6.594 de Madrid, com menos baixas por lesão e Covid-19 do que se registou em dezembro nos dois plantéis e uma outra vantagem dos merengues em termos históricos, com seis triunfos em sete encontros na Supertaça. Essa regra manteve-se e os catalães não encontraram a sua exceção mas, no final, também “ganharam”.

Com Ferran Torres como titular logo na estreia num 4x3x3 com ideias e características diferentes mas que no plano tático tinha pontos em comum, o Real Madrid não demorou a assumir a supremacia no jogo mesmo não o tendo nos números aproveitando as saídas rápidas em transições para causar de forma sucessiva perigo junto da baliza de Ter Stegen com Benzema a rematar por cima (3′), Vinícius Jr. a ganhar em velocidade a Ronald Araújo mas a atirar para defesa do alemão (12′) e Asensio a tentar em arco após nova arrancada de Vinícius Jr. (19′). O golo parecia uma questão de tempo mas aconteceu como talvez não se pensasse: Sergio Busquets teve uma perda em zona proibida na primeira fase de construção perante a pressão de Benzema, o francês lançou Vinícius Jr. em velocidade e o brasileiro rematou sem hipóteses para o 1-0 (25′).

O Barcelona tentava jogar o jogo pelo jogo mesmo que a anos luz das melhores equipas que apresentou em tempos não tão distantes como isso mas a solidez defensiva e capacidade de controlo do Real Madrid iam gerindo da melhor forma a vantagem apesar de algumas iniciativas sem remate de Dembélé mas o intervalo chegaria mesmo com o empate de forma quase inadvertida, com Éder Militão a aliviar um cruzamento do avançado francês contra Luuk de Jong e a ver Courtois ser batido com a bola a bater ainda no poste (41′).

O segundo tempo voltou a ter dinâmicas e características de jogo muito semelhantes ao que se tinha passado nos 45 minutos iniciais, com o Real Madrid a dinamitar o Barcelona nas transições e os catalães a tentarem sempre passar para a frente em ataque organizado. Foi assim que Benzema, já depois de ter acertado no poste, provou que foi sempre um dos melhores 9 do futebol europeu mesmo estando tapado por um goleador chamado Ronaldo, marcando o 2-1 após assistência de Carvajal em mais uma grande jogada do francês (72′). Foi assim que, já com as duas grandes joias da coroa em campo, o Barça voltou a empatar com o inevitável Ansu Fati a materializar a reação com a sua presença e a de Pedri na equipa (83′). Com isso, o jogo iria mesmo para prolongamento mas o 3-2 de Fede Valverde, concluindo mais uma saída rápida dos merengues, acabou por ser o golpe fatal que deu a vitória ao líder da Liga (98′).