“Casas” que são pouco mais do que tijolos empilhados, poças de água espalhadas por terrenos esburacados, estendais colocados de improviso no meio do bairro. O cenário desta terça-feira, na campanha do Bloco de Esquerda, foi o bairro da Jamaica, no Seixal. Mas a protagonista deixou de ser Catarina Martins assim que um dos representantes da associação de moradores disse aos microfones o seu nome e apelido: era Fernando Coxi, o avô da família Coxi, insultada por André Ventura (que foi condenado e obrigado pelo tribunal a pedir desculpa).
Nos minutos anteriores ao início do passeio pelo bairro da Jamaica, os avisos chegavam da comitiva do Bloco: os familiares que Ventura descreveu como “bandidos” no ano passado, durante a campanha para as eleições presidenciais, poderiam estar agastados com a exposição mediática e o processo em tribunal.
A primeira referência de Catarina Martins fora, aliás, discreta: tinha dado os parabéns “pelo processo” a uma das pessoas que a acompanhavam, sem se perceber se seria um dos membros da família ou apenas um representante da associação de moradores. Mas foi o próprio Fernando Coxi que acabou por esclarecer o assunto quando se identificou, ao lado da sua nora, Vanusa Coxi.
Ora o que tinham para dizer vinha exatamente em linha com o que o Bloco esperava ouvir e transmitir neste arranque de campanha. “A razão vale mais do que a força. Eu queria que ele tivesse a gentileza de chegar à televisão e pedir desculpas [Ventura publicou uma retratação, negando depois que se tratasse de um pedido de desculpas]…É um homem terrível. Esperava que o tribunal tivesse uma decisão forte e aplicasse uma multa pesada”, lamentou Fernando Coxi, explicando que avançou com o processo contra Ventura por ver a família “discriminada” e os netos “insultados na escola”: “Eu pus o processo para defender o futuro dos meus netos”.
Ao lado de Catarina Martins, o avô da família Coxi remataria: “O que vence neste mundo é o amor”. E um ataque final a Ventura: “Nunca se vai sentar na cadeira de Belém porque essa é de pessoas com dignidade e respeito”.
Ora com a escada lançada pela própria família, a líder bloquista não hesitou em pegar no pretexto e avançar nas críticas, duras, contra André Ventura — uma ponte para um dos maiores argumentos de campanha do Bloco: “A família que hoje conheci foi insultada em pleno horário nobre por nenhuma razão que não o racismo. André Ventura utilizou uma família deste bairro para insultos racistas; insultou toda a comunidade e o país com os seus insultos racistas”.
Conclusão (eleitoral)? “A melhor lição a Ventura é a derrota nas urnas. O reforço do Bloco como terceira força é a maior derrota. Não aceitamos o país do ódio e da gritaria, que se auto-destrói”.
Com a moldura dos prédios em pedaços atrás do grupo, os membros da associação de moradores foram descrevendo as suas queixas relativas ao demorado processo de realojamento: o acordo para resolver aquela situação de carência habitacional foi assinado entre a Câmara do Seixal, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e a Santa Casa da Misericórdia do Seixal em dezembro de 2017, a primeira fase (para 187 pessoas) foi terminada no fim de dezembro de 2018, mas já em 2020 a Câmara informou que o processo se encontrava atrasado devido à “especulação imobiliária”.
Agora, diz a associação de moradores, entre os custos das casas e os efeitos da pandemia, a data final já está a ser apontada para 2026, daí os lamentos e críticas dos habitantes que iam chamando Catarina Martins para ver as suas casas, as escadas em cimento, as infiltrações por todo o lado.
“Queremos uma ajuda, precisamos de muita ajuda mesmo…”. “Doutora Catarina, podia também ir ver a minha casa, tenho um buraco e chove lá dentro…”. Os pedidos iam-se acumulando, Catarina Martins ia constatando que a Câmara e o IHRU vão “passando culpas”, e a deputada e vereadora no Seixal Joana Mortágua completava: “Aqui ninguém pode viver bem…”.
Até aqui, estavam todos de acordo, fora os comentários mais céticos atirados para o ar à passagem da comitiva de políticos e jornalistas: “Promessas!”, “pior que isto só no Iraque...”. Mas a mensagem política da tarde seria mesmo dedicada inteiramente a André Ventura. Até dia 30 de janeiro, será um dos alvos a abater na campanha do Bloco — e um dos alvos que podem motivar e mobilizar mais o seu eleitorado.