A aposta nos mercados de capitais “deve ser um desígnio de todos” para ajudar as empresas e rentabilizar as poupanças dos cidadãos, defende o presidente da CMVM, Gabriel Bernardino, questionado pelo Observador sobre a forma como a bolsa de valores foi retratada durante a última campanha eleitoral, nomeadamente pelo primeiro-ministro António Costa quando, no tema da Segurança Social, se referiu às bolsas como “um jogo”. O presidente da CMVM diz que a valorização dos mercados de capitais “não tem a ver com questões ideológicas, é só uma questão de seguir os bons exemplos [que existem na Europa]”

Durante a recente campanha eleitoral, quando foi discutido até que ponto a Segurança Social e a reforma dos portugueses deve ter investimentos nos mercados de capitais, António Costa referiu que outros partidos queriam “um sistema em que parte das nossas contribuições continua no Estado e a outra parte é colocada no mercado. Não brinquemos com coisas muito sérias. Todos nós vimos o que aconteceu a milhões de famílias nos Estados Unidos na crise financeira de 2008, quando perderam todas as suas poupanças que estavam confiadas ao jogo do mercado”, declarou. “Não, nós não queremos brincar com as pensões dos portugueses“, reforçou o secretário-geral do PS a 20 de janeiro.

Esta segunda-feira, numa conferência de imprensa da CMVM, o supervisor apresentou o seu plano estratégico 2022-2024 e o novo presidente Gabriel Bernardino apresentou um plano “ambicioso” com várias medidas que têm como objetivo tornar o mercado de capitais português algo que está cada vez mais “ao serviço dos cidadãos e das empresas”, com uma CMVM “na linha da frente na credibilidade e regulação do mercado”. Como é que esses objetivos se coadunam com o retrato feito pelo primeiro-ministro sobre o papel que a bolsa de valores deve ter na sociedade?

“A questão é relevante”, mas Gabriel Bernardino diz que não lhe “compete comentar declarações políticas“. Porém, no tema específico das pensões e reformas, o responsável afiança que “aquilo que nós constatamos, e acho que é muito relevante, é que se olharmos para o que acontece no mundo e na Europa, aqueles países onde existe um equilíbrio maior de financiamento da reforma foram aqueles países que conseguiram de forma mais consistente ter sucesso” na proteção e beneficiação das reformas dos cidadãos.

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Gabriel Bernardino sublinha que os vários países têm pesos diferentes para os três “pilares” que compõem as reformas – entre sistema público, sistema privado (via empresas) e poupanças/investimentos individuais. Todos estes pilares “são necessários, todos os três, depois há escolhas políticas em cada país”, afirma Gabriel Bernardino, lembrando que “o mercado de capitais é relevante nos três pilares“, ou seja, a CMVM nota implicitamente que também o “pilar” da gestão pública recorre ao mercado de capitais.

“Acho que o que temos todos de fazer é ter uma visão desapaixonada, uma visão o mais clara possível, baseada em factos, e percebermos aquilo que são as tendências mundiais que ajudam a ter um mercado de capitais ao serviço dos cidadãos”, remata Gabriel Bernardino, acrescentando que “o que se vê em economias mais desenvolvidas [do que Portugal], a importância que é dada aos mercados de capitais, quando vemos esses bons exemplos devemos tentar segui-los”. “Isto não tem a ver com questões ideológicas, tem a ver com o papel que as bolsas podem ter em economias modernas, todos temos a ganhar com isso“, afirma.

O presidente da CMVM diz ter a expectativa de que o próximo Governo irá apresentar medidas de estímulo aos mercados de capitais, tanto para as empresas como para os cidadãos. Sem referir medidas concretas, Gabriel Bernardino sublinha que “o importante é que sejam medidas coerentes e abrangentes”. “Isto não é uma área onde haja uma silver bullet [uma ‘solução mágica’, em tradução livre] mas ha de haver uma série de medidas concretas, de vontades que se têm de pôr em marcha, e obviamente a questão fiscal faz parte desta dinâmica que devemos pôr em prática“, remata.

Na bolsa joga-se ou investe-se?

“Não vamos ficar à espera que as empresas venham ter connosco”

Sobre os planos da CMVM para os próximos anos, Gabriel Bernardino garantiu que o supervisor vai fazer mais para atrair as empresas para a bolsa de valores, sobretudo as PME, em articulação com as associações empresariais e outras entidades – “Não vamos ficar à espera que as empresas venham ter connosco, vamos nós ter com elas”, garantiu.

Para tornar o processo mais acessível, o responsável adiantou, também, que está nos planos do supervisor lançar um Guia do Emitente que ajude as empresas, a par dessas reuniões presenciais, a perceber melhor o que o recurso ao mercado de capitais pode contribuir para o seu negócio.

Esse é um dos três pilares que, segundo Gabriel Bernardino, irão nortear a atuação da CMVM nos próximos anos – o desenvolvimento do mercado de capitais. Além disso, são prioridades a proteção dos investidores, para que estes possam tomar decisões informadas e responsáveis, e a promoção da estabilidade e integridade dos mercados financeiros, o que incluirá “uma atuação eficaz, tempestiva e consequente” nos casos em que as regras não sejam cumpridas.

Temos riscos relacionados com a avaliação de ativos, com a cibersegurança. Temos, também, uma mudança que será gradual nas políticas monetárias, isso também terá impactos no mercado, e temos uma situação geopolítica complexa”, afirmou Gabriel Bernardino.

O responsável comentou, também, o tema dos criptoativos – como a Bitcoin – defendendo que quem se envolve nesses investimentos deve ter “muitos cuidados” porque não existe regulamentação, existe grande volatilidade e há um risco de manipulação e fraudes a nível global. Gabriel Bernardino sublinhou que é importante que venha a haver maior regulação nesse tipo de investimentos, que têm no Banco de Portugal a entidade que, apesar da falta de regulação, tem atenção mais direta ao fenómeno (devido às questões relacionadas com o branqueamento de capitais).

“O que podemos fazer é alertar os investidores e quem investe para, se querem fazer investimentos, fazê-lo conhecendo os riscos. Não temos competências diretas para mais do que isso”, afirmou Gabriel Bernardino, que sucedeu a Gabriela Figueiredo Dias na liderança do supervisor.