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Virgílio Macedo é bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e concorre em lista única às eleições de 18 de abril.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Virgílio Macedo é bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e concorre em lista única às eleições de 18 de abril.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

"Não houve vontade" de pôr revisores oficiais de contas a fiscalizar o PRR. Bastonário diz que protocolo assinado nunca avançou

A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) assinou um protocolo para fiscalizar o PRR, mas o bastonário diz, em entrevista ao Observador, que não houve vontade para o pôr a funcionar.

A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas vai a votos com o atual bastonário a ser candidato único. Virgílio Macedo foi eleito bastonário em 2020 e, recentemente, optou por adiar as eleições para que fossem já realizadas com os novos estatutos promulgados pelo Presidente da República em dezembro do ano passado com a advertência de uma “eventual alteração legislativa a este estatuto” devia ponderar “a especificidade da profissão, que fica agora submetida a uma dupla supervisão, a fim de garantir que não existam conflitos de competências na supervisão das funções de auditoria/revisão legal das contas, nomeadamente em relação a entidades de interesse público”.

Disso mesmo alerta, em entrevista ao Observador, Virgílio Macedo que admite não concordar com essa dupla supervisão, por considerar desnecessária. Ainda assim, adiou as eleições à espera destes estatutos, já em vigor, mas que foram, no seu entender, apressados pelo PRR, programa de recuperação e resiliência que não teve a concretização do protocolo que a Ordem assinou com a missão Recuperar Portugal para fiscalização aos projetos.

Virgílio Macedo concorre em lista única nas eleições marcadas para 18 de abril. Na entrevista ao Observador fala dos seus desafios enquanto bastonário e dos desafios da profissão. Mas também do país. O bastonário, antigo deputado do PSD, diz que o novo Governo não deve deixar o Chega de lado nas negociações parlamentares para fazer aprovar medidas. E diz esperar que o Governo chegue ao fim de legislatura.

“Não vejo problema em entendimentos com Chega”

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O que espera do novo governo?
Espero que o novo governo devolve a esperança aos portugueses. Sabemos que, nos últimos tempos, os portugueses estavam muito céticos e muito pessimistas em relação ao futuro, ao seu futuro e ao futuro da economia portuguesa, e o resultado das eleições é fruto de algum descrédito dos portugueses.

Vamos ter governo até quando?
Acho que vamos ter Governo mais tempo do que as pessoas hoje possam imaginar. Para bem do país devia ser um Governo que durasse a legislatura toda. O governo vai ter uma enorme tarefa para resolver alguns dossiês pendentes da anterior legislatura e que não podem ser resolvidos em um, dois, três, quatro meses. Para bem de todos nós seria muito bom que este governo estivesse lá durante a legislatura toda, ou seja, durante quatro anos e meio.

Não sendo isso previsível, devia estar com orçamento ou sem orçamento?
Com orçamento. O orçamento é o elemento fundamental na execução de uma política do Governo. Não me passa pela cabeça que o Governo estivesse lá durante dois anos em duodécimos.

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E com um orçamento retificativo este ano?
O governo deve estar a estudar sobre a possibilidade e a oportunidade de apresentar ou não um orçamento retificativo, tendo em conta a execução e o orçamento aprovado que existe.

"Temos que acabar com esse paradigma de tentar tributar tudo aquilo que mexe e sistematicamente aumentar a carga tributária."
Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas

Considera que é possível prosseguir aquilo que foram algumas medidas fiscais com este orçamento?
Eu acho que devia de haver um orçamento retificativo. O novo Governo devia apresentar um orçamento retificativo para plasmar nesse orçamento as suas opções em termos de execução de política económica até ao final do ano.

Há também alguma discussão se devia incluir ou não já para 2025 a descida do IRC. No seu entendimento devia já avançar-se para uma descida na fiscalidade das empresas?
Devia avançar-se para uma descida de fiscalidade, não só das empresas, mas também dos particulares. Nós, os portugueses, somos exauridos fiscalmente. Ao tributar excessivamente as empresas estamos a tirar recursos para poderem investir e pagar melhores ordenados. E temos que acabar com esse paradigma de tentar tributar tudo aquilo que mexe e sistematicamente aumentar a carga tributária. Acho que o objetivo deste governo de baixar a carga tributária não só dos particulares como das empresas é um bom princípio. Vamos ver até que ponto é possível porque sabemos que não descobrimos petróleo no Beato, continuamos a ter restrições orçamentais fortes, continuamos a estar condicionados pela enorme dívida que temos do passado.

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Referiu o excesso de tributação sobre as empresas. Esta moda dos impostos sobre os lucros extraordinários tem sido eficaz?
Penso que não tem sido eficaz. É uma medida para tentar transmitir alguma justiça social relativamente a um conjunto de empresas que, em determinado contexto, tiveram lucros excessivos ou extraordinários. Mas teria sempre de ser transitória. O problema é transformar-se uma medida transitória em definitiva.

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Foi o que aconteceu na energia e na banca…
Se houve uma altura em que esses setores foram largamente beneficiados por uma conjuntura específica, até é defensável que numa situação de muito curto prazo houvesse uma contribuição extraordinária, mas sempre no curto prazo e não transformar uma tributação de caráter extraordinário numa tributação normal.

Todos os anos as regras fiscais mudam e algumas vezes até são mudanças bastante latas. Isso é bom para os revisores oficiais de contas?
Acho que isso não é bom para ninguém. Mais importante que a nossa profissão é o país, é o bem estar das pessoas e das empresas. O mais importante é termos empresas, grandes empresas, empresas saudáveis, empresas que cresçam e que haja nascimento de novas empresas. Quase todos os anos mudamos as regras da fiscalidade.

"Não sei qual é o problema de haver entendimentos sobre determinadas matérias com o Chega."
Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas

Foi deputado pelo PSD e terá uma visão privilegiada do que está a acontecer em termos políticos. Há pouco referiu que gostava que o Governo durasse os quatro anos e meio da legislatura. Há maturidade política suficiente para se aguentar um Governo minoritário em Portugal
Depende da atuação do Governo e depende da atuação da oposição. Numa primeira fase, o Governo vai ter alguma responsabilidade de tentar criar algum tipo de pontes com os partidos da oposição. Independentemente de quais sejam os partidos, independentemente de serem partidos mais conservadores.

Mesmo com o Chega?
Não sei qual é o problema de haver entendimentos sobre determinadas matérias com o Chega.

Há um histórico recente de falta de fiabilidade das posições assumidas pelo Chega…
Esse é o problema do Chega. Se quero implementar determinada medida, porque acho que é boa para os portugueses, faz sentido chegar a todos os partidos da oposição e dizer que queremos o vosso apoio, estamos disponíveis para melhorar o nosso entendimento sobre a matéria sem nos desviarmos da nossa filosofia principal. Isso é perfeitamente natural e vai ao encontro daquilo que falou, isso demonstra maturidade política.

Então Luís Montenegro fez mal quando colocou o tema do ‘não é não’?
Penso é que não devemos, em momento algum, ter essa linha tão demarcada porque o mais importante é o bem-estar dos portugueses. Se tivermos de negociar com o Partido Socialista, com o Partido Comunista, com o Bloco Esquerda, com a Iniciativa Liberal, com o PAN e com o Livre… o Chega é mais um partido, que tem uma relevância hoje em dia. Há ali linhas vermelhas que, obviamente, não podem ser aceites por parte do PSD… mas no passado, o Partido Socialista fez acordos com partidos que eram contra a presença de Portugal na União Europeia e na NATO e não houve nenhum histerismo público relativamente a essa matéria. Agora, já se chegou à conclusão que não há acordo de Governo, o dr. Luís Montenegro disse e cumpriu que o ‘não é não’ relativamente a uma situação de governo juntamente com o Chega. Acho que os portugueses ficaram esclarecidos relativamente a essa matéria. Agora, pontualmente, tem que falar com todos.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Novos estatutos da Ordem foram apressados

Está a recandidatar-se a bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, que tem um novo estatuto que lhe suscitou algumas críticas. O que é que não está bem nos estatutos?
Há um erro de base que é tentar tratar todas as ordens profissionais da mesma forma. Somos a única ordem profissional que já tinha uma supervisão pública independente (a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), e, portanto, a criação de um conselho de supervisão, para haver alguns órgãos independentes a fiscalizar a ação da ordem profissional, no nosso caso não faz qualquer sentido.

A dupla fiscalização é assim tão negativa, não aumenta o escrutínio?
Não serve para nada.

Pode ter efeitos contraproducentes?
Acho que pode haver ali alguma confusão entre o supervisor público, que é a CMVM, e entidades independentes que estão no âmbito da ordem. Obviamente que a CMVM, tendencialmente, terá sempre a última palavra. Mas poderá colocar-se a questão. Será que esta alteração, no caso dos revisores oficiais de contas, vai beneficiar o interesse público? Não vai ao encontro do interesse público, pelo contrário.

Foram ouvidos?
Fizeram de conta que ouviram as ordens que é uma coisa diferente de sermos ouvidos. Fomos ouvidos depois da legislação já estar mais ou menos feita, e pouco foi alterado. Foi tudo feito muito à pressa.

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E porquê? Por causa do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)? O PRR foi um pretexto?
Também foi um pretexto. Acho que foi um uso excessivo e abusivo do PRR para promover esta alteração legislativa. Sabemos que o anterior governo tinha um problema de execução das metas do PRR. Neste momento só 22% das metas e dos marcos é que estão cumpridos. O anterior governo, para pedir um novo pagamento, teria de dizer que já cumpriu mais metas e a alteração relativamente às ordens profissionais estava em cima da mesa, como também já esteve em 2011. A troika queria mexer nisso e o anterior governo do PSD nunca alterou.

Acha que há espaço para reversão? É uma coisa que vos interessa, reverter esta medida?
Não nos interessa isso. Fizemos questão de adiar as nossas eleições dois meses no sentido de já cumprirmos o novo estatuto, porque sentimo-nos confortáveis. Se vai ser útil para a profissão, para o interesse da profissão, eu penso que não. Para o interesse público ainda menos. Por exemplo, nunca houve qualquer estagiário que não tivesse patrono para fazer o seu estágio para revisor oficial de contas. E eram todos remunerados. Poderia haver um ou outro caso que não era remunerado, porquê? Vou dar um exemplo. Um professor universitário, que está em regime de exclusividade, não pode acumular, muitas vezes até fazia esse estágio num regime pós-laboral, efetivamente não ia trabalhar para o patrono, ia trabalhar para ele. Mas não era remunerado. Eram situações muito pontuais. Diria que 99% dos estagiários eram remunerados. Desde que esta legislação se começou a falar, já temos situações de estagiários que não conseguem arranjar patronos.

Em relação à dupla fiscalização, imagine-se que a fiscalização do conselho de supervisão e da CMVM são contrárias? O que prevalece?
Essa é a prática que não temos experiência e vamos ver como é que vai funcionar quando houver algum tipo de diferença de opinião entre conselho de supervisão, que é independente e em que a maioria dos seus membros é independente e o presidente não é um revisor oficial de contas, e a CMVM. No final, a CMVM pode invocar o privilégio de ser o supervisor público.

Mas só a CMVM pode apresentar processos de contra-ordenação?
Em algumas situações é. Mas o próprio visado, se tiver opiniões contrárias do órgão de supervisão independente e da CMVM, mais facilmente contesta.

"Quando as coisas correm menos bem, parece que os únicos culpados são os auditores."
Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas

Os auditores ficaram com alguma má reputação, depois de casos como o Banco Espírito Santo e a Portugal Telecom… Tem também essa leitura?
Os revisores oficiais emitem 30 mil relatórios de auditoria e certificações legais de contas por ano. Essas situações do passado ocorrem pontualmente, muito pontualmente.

Tivemos uma concentração no tempo desses casos…
Ao analisar as coisas a posteriori temos sempre alguns dados que não tínhamos quando aconteceram e quando os revisores emitiram a respetiva opinião. Teríamos de ir ver caso a caso se, efetivamente, houve esse falhanço dos auditores, porque os auditores são um elo da ligação.

No caso do BES até ficaram sem licença a título pessoal.
Sim. Chegou-se à conclusão que houve algum normativo que não foi totalmente cumprido. Os auditores são um dos elos da cadeia. Temos que perguntar quem é que fez a eventual situação menos apropriada nas demonstrações financeiras [que passam pelo] órgão de gestão, os reguladores e os supervisores dos bancos e do mercado de capitais, os contabilistas certificados. Temos uma panóplia de profissionais e entidades independentes com outros poderes nesses processos. Quando as coisas correm menos bem, parece que os únicos culpados são os auditores.

Por aquilo que já se sabe, conclui que os auditores, nesses casos mais mediáticos, foram enganados?
Não gostaria de falar em casos concretos. Se pontualmente existem algumas situações que possam ter ocorrido menos bem, devem ser analisadas pelas autoridades para ver se o revisor efetivamente cumpriu ou não o seu papel e muitas vezes temos que ter consciência que a opinião emitida pelo revisor é à luz do conhecimento que tinha na altura que assinou o respetivo relatório da auditoria e que pode ser completamente diferente passados dois ou três anos.

Uma coisa é não ter tido a informação, outra é não ter conseguido controlar a que tinha. A classe fez uma reflexão interna sobre estas situações?
A nível europeu foi feita essa reflexão. Somos uma profissão que vive da nossa credibilidade e nós, anualmente, fazemos o controlo de qualidade a cerca de 20% dos nossos membros. Qual é a classe profissional em que 20% dos seus profissionais são objetos de controlo de qualidade por parte da sua Ordem? E esse controlo é depois enviado para a CMVM e a CMVM analisa o controlo de qualidade feito pela Ordem.

Quantos processos contra-ordenação foram abertos por parte da CMVM?
Isso é público. A CMVM publica os processos que abriu. São situações extremamente residuais, é o que eu lhe posso dizer num universo de 1.600 revisores.

A CMVM começou a ser a supervisora dos auditores desde 2015. Tem sido dialogante com a Ordem ou com os próprios auditores ou é mais uma ator interventivo?
Gostaria de ter na CMVM um maior parceiro do que aquilo que tenho, porque há matérias importantes para as duas partes que é o aumento da qualidade dos serviços de auditoria. O mercado português tem situações muito diferentes em termos de dimensão das empresas. Fazemos auditorias a empresas muito pequenas, ainda bem. Mas quando estamos a analisar o trabalho dessas pequenas empresas temos de ter em conta a proporcionalidade. Eu não posso ter as mesmas exigências em termos de registo do trabalho, burocracia, de documentação do que se estivermos a fazer uma auditoria a uma Sonae ou a uma empresa de parqueamento de imóveis que o único rendimento é o aluguer de umas instalações.

"Somos uma classe profissional intrinsecamente séria."
Virgílio Macedo, bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas

A  supervisão é cega?
A supervisão em algumas situações é excessiva relativamente a essa matéria. Eles próprios estão também a crescer em termos de supervisão. Nós Ordem gostaríamos de ser mais parceiros da CMVM do que o que somos. Efetivamente é do nosso interesse defender aquilo que também a CMVM pretende defender. Há matérias em que, por exemplo, a CMVM chama a atenção e nós concordámos, mas depois não faz nada.

Por exemplo?
A CMVM sabe que os auditores muitas vezes levam honorários muito baixos. É verdade, mas há aqui um conjunto de entidades em que a remuneração do auditor está fixada por lei. Porque é que a CMVM não vai junto da tutela política dizer que não pode ser? Porque é que um auditor que vai fazer a auditoria a um hospital de São José ou São João — que têm orçamentos [globais] de 300 milhões de euros — tem de ter uma remuneração de 35% do salário do presidente do conselho da administração? Isso é manifestamente insuficiente para se fazer um trabalho de auditoria de extrema qualidade.

Isso é um problema legislativo?
O supervisor da auditoria deveria dizer às entidades políticas. Não podemos exigir a alguém, que representa um custo de auditoria anual de 15 ou 20 mil euros numa empresa que fatura 300 milhões de euros, que consiga fazer todo o trabalho que, teoricamente, deveria fazer.

Os conflitos de interesse são quase uma segunda natureza na auditoria. Vocês são pagos pelas empresas que estão a fiscalizar. Como é que se resolve este assunto? A rotação de auditores que é imposta pela lei é suficiente?
A rotação dos auditores é muito relevante e resolve em termos esmagadores esse problema de conflito de interesses. Somos extremamente inflexíveis relativamente a essas matérias. Quando vamos fazer controlo de qualidade relativamente aos nossos membros verificamos essas situações. Um auditor que exerce funções num cliente há 15 anos tem de demonstrar, perante o controlo de qualidade, os mecanismos de mitigação do risco que implementou. E, se calhar, o trabalho realizado por esse auditor tem que ser revisto por um segundo revisor para garantir ou reforçar essa independência. Vou dizer isto convictamente. Somos uma classe profissional intrinsecamente séria.

Não estávamos à espera que o bastonário não acreditasse nisso.
Não é por ser bastonário, é pela relação que tenho com os colegas. Efetivamente existe uma correção grande e uma preocupação grande, porque a mais valia do nosso trabalho é garantir a credibilidade e a fiabilidade das demonstrações financeiras. No dia em que essa matriz não estiver presente na cabeça das pessoas e no nosso trabalho, a nossa função deixa de ser relevante.

Há quem defenda que devia ser criado um fundo para não serem as empresas a pagarem aos auditores…
Não vejo como isso iria mitigar mais do que existe hoje em dia. Os auditores são manifestamente independentes. Pontualmente, existem revisores que pedem a exoneração dos seus cargos porque não se sentem confortáveis nas empresas.

Essas situações são frequentes?
São muito pontuais e quando ocorrem são investigadas pela Ordem. A maior parte das situações são questões pessoais. Por exemplo, o revisor deixou de falar com o diretor financeiro.

Não é por pressão dos órgãos das empresas sobre os auditores? Há pressões?
Podem existir sempre, mas cabe ao auditor explicar à empresa por que é que está a pôr aquela reserva ou aquela ênfase nas demonstrações financeiras. Isso é a nossa vida todos os dias. A esmagadora maioria das empresas aceita e corrige as demonstrações. É um mito que o revisor não põe reservas com medo.

Mas porque é que há menos reservas hoje em dia?
Houve também uma intervenção de revisores que levaram a que as empresas tivessem melhores recursos humanos e melhor preparação nas suas demonstrações financeiras. Por exemplo, nos municípios, quando os revisores começaram os seus trabalhos de certificação das contas, aquilo era um horror. Havia municípios que não tinha um contabilista certificado. Eu tive uma situação em que a pessoa que preparava as demonstrações financeiras não sabia calcular uma reintegração. É natural que, no início, houvesse muitas reservas. Hoje, a qualidade de informação financeira prestada por parte dos organismos é muito melhor.

E nas empresas cotadas que já tinham essa qualidade também hoje em dia há menos reservas…
As empresas sabem que uma reserva é altamente penalizada pelo mercado e, nesse sentido, antes de ser feita a reserva corrigem as demonstrações financeiras. Por exemplo, quando há discussão sobre a necessidade de reconhecer uma imparidade (perda), a empresa normalmente acaba por a constituir para não ter a reserva, porque o custo de ter a reserva é muito maior do que o custo de a constituir. Os stakeholders penalizam muito uma empresa que tenha reservas nas contas.

Protocolo assinado há dois anos para PRR sem seguimento

A Ordem assinou um protocolo [em dezembro de 2021] com a estrutura de missão Recuperar Portugal para fiscalizar a aplicação do PRR. Há pouco tempo queixou-se de que ainda não estavam no terreno. Já estão?
Não me queixei, constatei, o que é uma coisa diferente. Mas foi a missão Recuperar Portugal que nos veio procurar.

E que constatação faz agora?
Que se mantém como dantes. Aquela intenção inicial de haver algum tipo de intervenção por parte dos revisores em termos de controlo do PRR não se concretizou até à data e não sabemos as razões.

Perguntaram?
Pontualmente a missão Recuperar Portugal vinha ter connosco e dizia que a concretização do protocolo ia começar para a semana. E nunca mais.

Que leitura faz?
A leitura é que não havia vontade, ou saber, para executar o protocolo por parte da missão Recuperar Portugal.

Mas porquê? Não ia colocar um novo nível de fiscalização à execução dos fundos?
Não se concretizou, não sei porquê. Terá de fazer a pergunta à missão Recuperar Portugal porque é que aquele manifesto de intenções, que foi plasmado no protocolo, nunca chegou a ser concretizado. Nós disponibilizámos os nossos profissionais para colaborar com a missão…

Tinha custos para a missão?
Tinha custos, mas havia dinheiro. Os custos estavam controlados e havia disponibilidade financeira por parte da missão para esses custos. Não era nada de excecional. Mas a situação de não execução do protocolo não tem nada a ver com o custo, tem a ver com vontades políticas.

Há riscos de o PRR não estar a ser bem utilizado?
Espero que não. Quero acreditar que não existem esses riscos.

Quais são os principais riscos na aplicação do PRR do seu ponto de vista?
Os riscos são aqueles inerentes à execução. Já sabemos que pode existir algum risco em termos de utilização indevida de alguns fundos.

Vocês iam entrar em que fase do processo?
A missão Recuperar Portugal iria eleger dois, três ou meio dúzia de projetos, por amostragem, nos quais íamos fazer essa intervenção. Mas não lhe posso dizer como é que iria ser operacionalizado, efetivamente, esse protocolo, porque ele nunca chegou a ser operacionalizado. Não chegámos a essa fase.

O mundo intrincado dos fundos europeus. Como chegam às empresas e como se fiscalizam?

Estamos a falar do PRR, mas recentemente foi mediático um processo de investigação com indícios de fraude em fundos europeus, no PT 2020. Os fundos europeus são o tema de elevado nível de fraude, no seu conhecimento?
Não, não são. Hoje os níveis de controlo são muito mais apertados.

E suficientes?
Os níveis de controlo nunca são suficientes quando estamos perante fraudes. Podem mitigar, mas não podem eliminar totalmente a possibilidade de haver fraudes. E, portanto, o que eu acredito, e pelo conhecimento que tenho, efetivamente, hoje, as questões de uso indevidos de dinheiros europeus são situações de exceção e não são a regra. Hoje os níveis de controlo são muito mais apertados.

Muitas vezes fala-se na necessidade de ir verificar a realidade das coisas. Uma coisa é ter as faturas, as fundamentações em papel, o rasto do papel, outra coisa é ver efetivamente no terreno.
Mas nós, na nossa intervenção de revisores oficiais de contas, no âmbito da avaliação desses investimentos não tínhamos a obrigação de ir ver essa execução física.

Não sendo feita pelo revisor oficial de contas, era importante que existisse?
Era importante haver aquilo que um revisor tem que é o ceticismo profissional. Vamos imaginar, a fatura de uma viagem. Eu acredito que a viagem seja para promover os mercados, a economia, as empresas, mas não tendo acompanhado não sei se aquilo foi para outra coisa. Eu acredito que hoje as coisas estão muito mais controladas e que existe uma perceção pública de que essas matérias, se não forem devidamente tratadas, mais dia menos dia serão detetadas e poderão dar lugar a processos judiciais. Infelizmente é uma matéria recorrente que nos descredibiliza a todos nós, enquanto sociedade, haver ainda cidadãos que utilizam indevidamente esses fundos para benefício próprio.

Fizeram esse protocolo no âmbito PRR, mas não têm qualquer intervenção no PT 2020 ou no PT 2030?
Não temos protocolos. Mas, subjacente à legislação, a despesa de primeiro nível tem de ser validada por um revisor oficial de contas e, portanto, verificamos a documentação, os documentos de suporte, os pagamentos, o documento legalmente emitido, esse é o trabalho que nós fazemos e temos experiência desde o início da utilização dos fundos comunitários.

Há muitas irregularidades detetadas?
São situações sempre residuais e, quando o revisor deteta alguma situação que não esteja totalmente bem documentada, manda retirar a despesa do projeto, é muito simples. Se a empresa não retirar eu, no meu relatório, ponho a reserva a dizer que a empresa apresentou esta despesa mas não está devidamente documentada ou não está devidamente enquadrada no objetivo do projeto.

Mas não tem ideia se são muitos casos?
Não existe essa estatística, porque, efetivamente, é uma situação muito disseminada, muito capilar. A maior parte das situações detetadas são corrigidas a anteriori pelas empresas. Se o revisor deteta determinadas situações que na sua opinião não estão devidamente tratadas manda a empresa corrigir e a empresa corrige. Quando chega à estrutura de gestão, a situação já passou pelo revisor e já houve uma primeira peneira. Mas é importante a nossa intervenção, porque, quer se queira quer não, inibe ou pode inibir alguns agentes de ter comportamentos desviantes relativamente à utilização de fundos.

Bastonário exige fiscalização a quem não cumpre a revisão de contas

Qual é a prioridade do novo mandato que vai iniciar? É candidato único, portanto deverá ganhar as eleições. Qual é a prioridade?
Existe aqui dois ou três eixos que são importantes, nomeadamente a captação e retenção de talento por parte da profissão.

Fogem para que áreas, vão para as empresas?
Não fogem. Hoje existe transversalmente uma falta de recursos humanos em todos os áreas. Na nossa, que é muito técnica, há menos interessados, embora nos últimos anos se tenha dado um salto enorme em termos da atratividade da nossa profissão. A utilização das tecnologias de informação é cada vez maior.

A inteligência artificial também vai substituir esta profissão?
Não, porque nunca substitui, pelo menos no curto prazo, o julgamento profissional. Isso é fundamental. A inteligência artificial pode ser um auxiliar enorme para as tarefas repetitivas, análise de megadados e de grande quantidade de informação. Depois o julgamento profissional sobre o output que resulta daí carece, por enquanto, da avaliação humana.

Voltando às prioridades para o mandato…
Além da atratividade da profissão, apostar cada vez mais na formação sobre metodologia do nosso trabalho, ou seja, termos profissionais cada vez mais bem qualificados, mais bem formados, a emitir e a realizar um bom trabalho; e depois a valorização da nossa profissão, as pessoas terem uma perceção que a nossa profissão é de interesse público, que tem uma mais valia enorme não só para as empresas, como para o interesse público, em geral, e portanto temos de chamar a atenção para esses fatores positivos, para a utilidade de haver um maior controlo da nossa atividade. Existem ainda, infelizmente, algumas empresas que deviam ser sujeitas a revisão de contas e que não são.

Alargar o âmbito?
Não, não. É que a legislação que está em vigor seja cumprida.

Que empresas é que fogem?
Por exemplo, sociedades por quotas que atingem os limites do artigo 262, que ultrapassam os limites e não têm revisão de contas, e está aprovado que, quando a empresa tem revisão de contas, tendencialmente começa a pagar mais impostos, começa a ter mais informação de mais qualidade e isso é de interesse público.

Quando tem de haver revisor oficial de contas?

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De acordo com o Código das Sociedades Comerciais, “as sociedades que não tiverem conselho fiscal devem designar um revisor oficial de contas para proceder à revisão legal desde que, durante dois anos consecutivos, sejam ultrapassados dois dos três seguintes limites:

a) Total do balanço – € 1 500 000;
b) Total das vendas líquidas e outros proveitos – € 3 000 000;
c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício – 50″.

A designação do revisor oficial de contas “só deixa de ser necessária se a sociedade passar a ter conselho fiscal ou se dois dos três requisitos fixados no número anterior não se verificarem durante dois anos consecutivos”.

Essa fiscalização não é feita?
Essa fiscalização não é feita. Terá que ser feita através da prestação de contas que é realizada pelas empresas anualmente, ou seja, quando a empresa entrega o IES (informação económica simplificada) tem de dizer, automaticamente, se está sujeita a revisão de contas.

Mas se não diz…
Depois não há controlo.

Quantas empresas é que poderão estar nesse limbo?
Alguns milhares. Quando iniciámos o nosso mandato há três anos mandámos cerca de três mil cartas para empresas que estavam nessas situações.

Algumas nem entregam contas…
É inexplicável porque razão a Autoridade Tributária nessas empresas não tem uma intervenção mais incisiva. Hoje em dia os querys são fáceis de fazer. Isso é efetivamente uma matéria de interesse público.

Mas há mais dissoluções por não entrega de contas nesta altura.
E bem. E é esse o caminho que deve ser seguido porque as empresas que, efetivamente, não querem cumprir as regras que as outras cumprem não podem existir.

A concorrência não o preocupa? Temos a ideia que a auditoria está muito concentrada nas big four (Deloitte, KPMG, EY e PwC) .
Não está. São mercados completamente diferentes. Há o mercado das big four e de mais quatro ou cinco grandes empresas da auditoria; e depois existe o outro mercado que também é muito significativo. Um auditor ou uma pequena sociedade de revisores oficiais contas não tem skills e não tem meios humanos para fazer auditoria a uma grande empresa. Assim como as grandes empresas não têm a proximidade que é necessária nos pequenos clientes e o seu rating é demasiado elevado para poder prestar serviço a esses pequenos clientes. Há mercado para as grandes empresas e há mercado para as pequenas empresas. A concorrência nunca fez mal a ninguém. Agora, por exemplo, no caso de um município, que lançou um concurso público com preço base que, no nosso entender, é demasiado baixo e não dava garantias que o revisor revisor pudesse executar o seu trabalho de forma correta e apropriada, nós, antecipadamente, dissemos que aquele trabalho ia ser objeto de controlo de qualidade.

Quem aceita por aquele preço sabe à partida que vai ser fiscalizado pela Ordem?
E que vai ter de executar o trabalho tal como se levasse o valor normal. Nós não queremos intervir no mercado, há a Lei da Concorrência e ainda bem. Agora, cada revisor é livre de levar aquilo que quer mas tem de realizar bem o seu trabalho.

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