A procura por um medicamento à base de iodeto de potássio está a aumentar nas farmácias portuguesas por causa da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, revelam os relatos de profissionais de saúde nas redes sociais. Algumas já ficaram mesmo sem stock deste fármaco, essencial às mulheres grávidas com níveis baixo de iodo no organismo, apesar de só poderem ser vendidos com receita médica.

Ana Isabel Pedroso, médica especialista em medicina interna, confirmou na página profissional que mantém no Facebook que “já há rotura de stock um pouco por toda a Europa e também por cá, desde que se ouve falar das últimas ameaças”, referindo-se às declarações de Vladimir Putin, presidente da Rússia, que sugerem a disponibilidade para usar armamento nuclear no contexto do conflito com a Ucrânia.

[Pode ouvir aqui a médica Ana Isabel Pedroso sobre os riscos da toma de iodeto de potássio]

Iodeto de Potássio “só deve ser tomado em caso de exposição à radiação”

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Jonathan dos Santos, médico de família em Celorico de Basto e presidente do Conselho Clínico e de Saúde do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Baixo Tâmega, também relatou no seu blogue “O Teu Médico de Família” que “a ameaça nuclear tem aumentado a procura por suplemento de iodo, de tal ordem que já existem farmácias sem stock”.

E Teresa Peixe, farmacêutica que conduz o blogue “Farmacêutica de Família”, também revelou nas redes sociais que “com a guerra na Ucrânia, e a disseminação de informação sem qualquer filtro, a procura de suplementos e medicamentos com iodo disparou“. Os clientes vão às farmácias “em busca de uma ‘segurança’ para um eventual contacto com radiação nuclear”.

Os três profissionais de saúde confirmaram que o iodeto de potássio parece trazer vantagens à saúde de quem foi exposto a radiação nuclear, mas a corrida a este princípio ativo pode não só ser inútil, como também prejudicial à saúde.

De facto, o iodeto de potássio foi dado aos cidadãos expostos à radiação após o acidente em Chernobyl em 1986 por se julgar que previne a acumulação de iodo-131, um isótopo radioativo, na tiróide. Essa acumulação pode provocar o surgimento de tumores, mas quando utilizada corretamente também é útil na medicina nuclear para tratar problemas como o hipertiroidismo.

Ana Isabel Pedroso diz que todos os estudos científicos que analisou mencionam vantagens na toma de iodeto de potássio, sobretudo em mulheres grávidas e crianças. Só que “a evidência é maioritariamente baseada em estudos pós-Chernobyl, onde se veio a verificar o aumento de cancro da tiróide em crianças e mulheres”, completa a internista.

Jonathan dos Santos também confirmou que uma das formas de evitar a acumulação do iodo radioativo na tiróide é efetivamente pela toma de iodeto de potássio, mas apenas “horas antes da exposição” à radiação nuclear “e imediatamente após”. Também Teresa Peixe apontou que a toma destes fármacos pode “apresentar vantagens na proteção da tiróide em casos de libertação de iodo radioativo, evitando a sua absorção”.

Mas esta não é uma cura milagrosa. O iodeto de potássio é desaconselhado às pessoas a partir dos 45 anos e a dosagem deste princípio ativo nos fármacos que existem à venda em Portugal é demasiado baixa para proteger a tiróide em caso de radioatividade — a ponto de nem 600 comprimidos serem suficientes para proteger um adulto, explicou a farmacêutica.

A médica Ana Isabel Pedroso confirmou que a quantidade adequada de iodeto de potássio depende da radiação a que uma pessoa é exposta, mas que ela será em qualquer caso difícil de obter no mundo atual: “Aliás, diria quase impossível neste momento”. Jonathan dos Santos reitera que “a dose a tomar varia de acordo com a idade” e que, se ela for desadequada, “pode ser motivo para desenvolver doença em vez da cura”.

A busca por medicamentos à base de iodeto de potássio está a acontecer em toda a Europa. A Agência de Controlo Nuclear na Bélgica apelou aos cidadãos para não procurarem estes fármacos por medo de uma guerra nuclear: “A situação atual na Ucrânia não requer a ingestão de comprimidos de iodo. Continuam disponíveis gratuitamente nas farmácias, mas não são necessários neste caso específico. Só tome iodo por recomendação das autoridades”.

A maior procura está a ser registada nos países geograficamente mais próximos da Ucrânia, palco do conflito armado com Rússia, nomeadamente a Polónia e a Roménia, assim como a República Checa, Croácia e Bulgária. Mas mesmo na Finlândia, várias farmácias estão a pedir aos clientes para evitarem uma corrida ao iodeto de potássio porque, de resto, há medicamentos que bastem em caso de necessidade.