Alexis Corbière, deputado e porta-voz de Jean-Luc Mélenchon, líder da coligação de esquerda NUPES, afirmou à Lusa que a geringonça portuguesa “serviu de inspiração” à união das esquerdas em França, demonstrando a existência de alternativas viáveis ao liberalismo.

Em entrevista à agência Lusa em Seine-Saint-Denis, na periferia norte de Paris, na sua última ação de campanha antes da primeira volta das eleições legislativas, este domingo, Alexis Corbière sublinhou que a experiência portuguesa da geringonça foi um “ponto de apoio” para a criação da Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES), uma coligação liderada por Mélenchon que junta partidos como a França Insubmissa, o Partido Socialista francês, o partido Europa Ecologia Os Verdes e o Partido Comunista francês.

“A geringonça demonstrou que — apesar de não concordarmos com tudo o que foi feito — havia focos de resistência, porque muitas vezes existia a impressão de que, na Europa, só havia liberais a comandar, seja [a ex-chanceler alemã, Angela] Merkel ou [o primeiro-ministro britânico, Boris] Johnson”, frisou o porta-voz de Mélenchon.

O também deputado referiu que, face a essas figuras políticas, Portugal mostrou que “havia um país que resistia” e que “tentava pôr em prática políticas” que, na ótica do seu partido e dos “ecos que chegaram a França”, foram “muito positivas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Acho que vocês tiveram um debate sobre a despenalização do canábis, por exemplo, que foi uma fonte de inspiração para nós nos nossos próprios debates parlamentares, porque nós dizíamos com muita frequência, ‘vejam, isto faz-se em Portugal, um país parecido com a França”, afirmou.

Corbière considerou, contudo, que, caso a NUPES vença as eleições legislativas de 12 e 19 de junho com maioria absoluta, irá fazer um trabalho “mais coerente e mais forte” do que a ‘geringonça’ portuguesa, porque as medidas que apresenta no seu programa são “mais rigorosas e vão à raiz dos problemas”.

“Estamos em campanha eleitoral e não é altura de entrar em polémicas (…), mas talvez o Governo socialista português — apesar de serem socialistas de esquerda — não tenha enfrentado as dificuldades da mesma maneira que nós [iremos enfrentar], caso vençamos”, afirmou.

No entanto, Corbière — que disputa este domingo a sua reeleição na 7.ª circunscrição de Seine-Saint-Denis — reiterou que a geringonça “foi muito útil na altura” em que existiu, porque permitiu o surgimento de “contra modelos”.

“Quando queremos mudar o mundo, é importante haver contra modelos para podermos dizer: ‘os nossos amigos portugueses fazem isto, os nossos amigos espanhóis aquilo, os nossos amigos argentinos estão a experimentar isto, os nossos amigos brasileiros — quando [o ex-presidente, Luiz Inácio] Lula da Silva liderava — aquilo”, reforçou.

Todos esses exemplos, segundo o porta-voz de Mélenchon, ajudam a “argumentar e a dizer que o que são evidências para os liberais não são evidências reais, e que há muitas pessoas no mundo que procuram outras soluções para, de uma maneira universal, resolver o problema da justiça social, da defesa do clima e para tornar os cidadãos atores do seu destino”.

“São sempre as mesmas questões em todo o mundo”, afirmou.

A NUPES é uma coligação eleitoral liderada por Jean-Luc Mélenchon que junta vários partidos de esquerda, partilhando um programa comum e ultrapassando rivalidades históricas entre partidos de esquerda radical, como a França Insubmissa, e partidos sociais-democratas pró-europeus, como o Partido Socialista francês.

O acordo, celebrado em maio, foi visto como uma reprodução da Frente Popular — uma coligação dos partidos de esquerda em França que, entre 1936 e 1938, governou o país, tendo como primeiro-ministro o socialista Léon Blum — e o Programa Comum, em referência a um acordo assinado pelo PS e pelo partido comunista em 1972, e que começou a ser posto em prática durante a presidência de François Miterrand, a partir de 1981.

O acordo atual partiu da iniciativa da França Insubmissa, liderada por Jean-Luc Mélenchon que, na primeira volta das eleições presidenciais, em 11 de abril, obteve 21,95% dos votos, tornando-o no líder incontestado da esquerda em França.

A França Insubmissa pertence à mesma família europeia que o Bloco de Esquerda e que o PCP, intitulada o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia.

Em 12 de abril de 2018, a França Insubmissa, o Bloco de Esquerda e o partido espanhol Podemos lançaram um movimento político europeu intitulado “Agora, o povo”, e que tinha como intuito ser uma “alternativa concreta, com as pessoas no centro” para “uma nova cooperação europeia”

As eleições legislativas francesas disputam-se em 12 e 19 de junho, funcionando com base num sistema uninominal de duas voltas.

Geringonça de esquerda e extrema-direita desafiam Macron a nova prova de fogo. Cinco pontos para entender as próximas legislativas francesas