O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou os recursos de Paulo Guichard e de Salvador Fezas Vital no chamado caso do embaixador e manteve as penas de três anos de prisão efetiva decididas pela primeira instância em setembro de 2021 para os dois ex-administradores do Banco Privado Português (BPP) pela prática do crime de burla qualificada.

Tendo em conta que a moldura das penas é inferior a oito anos, a lei processual penal não permite aos arguidos o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. A única via de recurso aberta é para o Tribunal Constitucional, sendo certo que Paulo Guichard já se encontra preso em Custóias a cumprir uma pena de prisão de quatro anos e oito meses por um outro processo do caso do BPP. Fezas Vitar arrisca-se, assim, a ser o segundo ex-administrador daquele banco a ser preso até ao final do ano.

A responsabilidade criminal de João Rendeiro, que tinha sido condenado a uma pena mais pesada de três anos e seis meses por ter alegadamente enganado o embaixador jubilado Júlio Mascarenhas, foi declarada extinta devido ao falecimento do ex-presidente executivo do BPP.

Rendeiro condenado a prisão efetiva pela terceira vez no caso BPP: “Os últimos a saltar são os que pagam as favas”, diz juiz

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na origem deste caso, está uma queixa do embaixador Júlio Mascarenhas que alegava ter sido enganado pelo BPP ao investir 250 mil euros em obrigações do BPP, poucos meses antes de João Rendeiro pedir a ajuda financeira do Banco de Portugal para evitar a falência daquela instituição financeira. Mascarenhas queixou-se do mesmo que outros milhares de clientes: o banco prometeu-lhe juros e capital garantido mas, afinal, os 250 mil euro foram investidos num produto de alto risco que acabou por desvalorizar brutalmente com a crise de 2008.

A Relação de Lisboa manteve ainda a obrigação do pagamento de uma indemnização de 225 mil euros a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora de 4%, ao embaixador Júlio Mascarenhas. E de mais dez mil euros a título de danos não patrimoniais.

A burla em três atos

Na base deste processo, está uma queixa do embaixador jubilado Júlio Mascarenhas: em 2008, o diplomata investiu 250 mil euros em obrigações do BPP, poucos meses antes de a instituição bancária pedir um aval do Estado de 750 milhões de euros para repor a liquidez. Júlio Mascarenhas considera que foi enganado pela sua gestora de conta porque esta o terá informado que o investimento financeiro correspondia a “um depósito a prazo”, com capital garantido, e que “o banco era tão seguro que não era possível” a sua “insolvência”.

“Qualquer pessoa que comprasse tal produto estaria a ser enganado quanto ao facto de, naquele momento temporal, o BPP já se encontrar, de facto, em situação de insolvência técnica. E, mais uma vez repete-se, quem decidiu criá-lo e pô-lo à venda não foi nenhum gestor de conta”, lê-se no acórdão que teve a desembargadora Adelina Barradas de Oliveira como relatora.

Braço direito de Rendeiro será preso até ao final de abril

Para a desembargadora, a responsável pela burla não pode ser a gestora de conta Júlio Mascarenhas mas sim “quem cria um produto enganoso e o põe à venda” porque são estes que sabem “verdadeiramente o logro” que criara. E essa pessoas foram, no entender da Relação de Lisboa, João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.

A desembargadora Adelina Barradas de Oliveira recusou suspender a execução das duas penas que foram alvo de recurso e subscreveu integralmente a decisão da primeira instância.

Tudo porque a “peça” da burla decorreu em três atos:

  • Os arguidos começaram por decidir recolher fundos junto dos clientes para financiamento do BPP em 2007. O problema é que tal “emissão de obrigações” decorreu quando o banco já estava insolvente, logo os administradores tentaram obter um ” benefício ilegítimo” porque o “BPP não tinha meios para pagar as dívidas que assim contraía”.
  • “Em segundo lugar, foi posto em cena o engano” que decorre da “omissão da real situação financeira do BPP — que os clientes desconheciam.
  • Finalmente, as obrigações foram vendidas pelos gestores de contas, os comerciais, que tentavam convencer os clientes de que se estava perante um produto de garantia absoluta. Quando, na realidade, os administradores sabiam que o “BPP não tinha fundos para suportar o pagamento das dívidas que assim contraia”.

Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital são ainda visados num terceiro processo relacionado com o pagamento de prémios indevidos no valor total de 30 milhões de euros a João Rendeiro e aos restantes administradores do BPP.

Guichard e Fezas Vital foram condenados a uma pena de prisão efetiva de nove anos e seis meses, restando ainda um terceiro ex-gestor do BPP (Fernando Lima) que tem uma pena pendente de seis anos de prisão. Os arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça destas penas, estando o recurso pendente.

Recorde-se que Paulo Guichard já está a cumprir uma pena de quatro anos e oito meses pelos crimes de falsificação informática e falsificação de documento no caso da falsificação da contabilidade do BPP. Se esta segunda pena de prisão efetiva transitar em julgado, terá de ocorrer um cúmulo juirídico.

Texto atualizado às 9h53m