“Gente pequena com cabeça grande”. Foi isso que a vereadora Paula Marques encontrou na Escola Básica do Castelo, em Lisboa, onde, desde 2018, existe o projeto “Com a mala na mão contra a discriminação”. Através da pedagogia do jogo os alunos foram enfrentando as questões do racismo e discriminação e os resultados são considerados tão positivos que a vereadora quer agora ver o projeto transformado num programa municipal, estendido a toda a comunidade educativa.

A proposta será votada na reunião de câmara municipal desta quarta-feira, mas já está consensualizada com as restantes forças políticas e com os vereadores responsáveis pelos pelouros dos Direitos Humanos e da Educação, explica ao Observador a vereadora.

“Depois da observação deste projeto naquela escola, achámos que fazia sentido propor à câmara um projeto para uma escola antirracista, multicultural e que defenda os direitos humanos”, diz ainda lembrando que há dois dias se assinalou o segundo aniversário do assassinato de Bruno Candé, em Moscavide, por motivos relacionados com racismo.

“Se tivéssemos feito projetos como este aos longo das últimas décadas não tínhamos tanta gente grande com cabeça pequena“, argumenta a vereadora sem pelouro eleita pelos Cidadãos por Lisboa. O objetivo inicial era o de tentar que o programa entrasse em vigor já no próximo ano letivo, mas a demora no agendamento da discussão da proposta atrasa-o, pelo menos, durante mais um ano.

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Ainda será necessário definir prazos, contornos e a dotação orçamental necessária para a sua implementação e o objetivo é que seja depois um processo gradual: “Nada melhor que propor que o programa que tem sucesso numa escola possa ser política municipal. O ideal é ter em todas as escolas, mas a implementação será gradual, vamos progressivamente tornando o projeto acessível a todos”.

“O racismo não é um epifenómeno, nem um problema. É um crime e tem de ser combatido. A multiculturalidade tem de ser promovida”, frisa Paula Marques, que quer ver também Lisboa inserida na rede de cidades europeias contra o racismo.

O projeto seguido na Escola Básica do Castelo

Num artigo publicado na revista online da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, em 2019, Ariana Furtado, professora responsável pelo projeto, explica detalhamente as premissas do projeto e a forma como foi implementando, envolvendo alunos do 4º ano e toda a comunidade escolar — de resto, esta escola venceu, em 2021, o prémio municipal “Direitos Humanos na Criança e no Jovem”.

Nessa publicação, a professora explica que o programa tinha como objetivos, entre outros aspetos, “fazer entender o racismo como violação de Direitos Humanos”, “combater a invisibilidade da discussão sobre o racismo estrutural na sociedade portuguesa”, “compreender a produção e divulgação da História (oficial), as suas singularidades e os seus silenciamentos”, ou, por exemplo, “oferecer aos alunos diferentes pontos de vista sobre uma mesma situação social com o intuito de desconstruir preconceitos”.

De acordo com o mesmo artigo publicado na Medi@ções, o cronograma foi organizado da seguinte forma: uma primeira sessão (“De onde vem a minha História? ‘As Nossas Viagens’”) para que os alunos fossem incentivados a conhecerem a sua história individual.

Uma segunda sessão (“Quem escreve a nossa História? ‘Há livros que contam Histórias erradas’”) para “possibilitar o ‘confronto‘ entre o discurso oficial dos manuais escolares e livros de História versus realidade”.

Uma terceira componente (“Quando somos todos portugueses diferentes uns dos outros”) para “possibilitar aos alunos a descoberta de portugueses com diferentes ascendências” e uma quarta sessão dedicada a perceber o conceito de “fenótipo” e as suas eventuais consequências.

Quase a terminar, a quinta sessão tinha como objetivo perceber a “história de outros povos, outras culturas de uma perspetiva não eurocêntrica” e, por fim, a última sessão (“A Carta – ação final) ficou centrada nas questões da “Identidade, História e Direitos”.

“O impacto mais interessante e rico foi o efeito multiplicador deste projeto, porque teve como grupo alvo não só os alunos do 4º ano, mas toda a comunidade escolar formando multiplicadores que garantirão, de diferentes formas, a continuidade e o enraizamento das práticas desenvolvidas durante o processo. Este projeto desejou ser, desse modo, nada mais do que uma semente“, conclui a autora.