A Presidência do Conselho de Ministros, tutelada por Mariana Vieira da Silva, emitiu este sábado um nota a defender o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, na sequência da notícia do Observador, que revelou que uma empresa do governante e do pai fez contratos com o Estado. O comunicado diz que só haveria incompatibilidade caso a contratação fosse numa área tutelada pelo Ministério das Infraestruturas e da Habitação — leitura que o parecer da PGR faz, mas para os casos em que a empresa é detida em mais de 10% apenas pelo familiar.

A nota omite, no entanto, a situação que se verifica neste caso particular, em que o titular do cargo e o pai detêm “conjuntamente” mais de 10% da empresa. Esta situação está, aliás, tipificada num ponto próprio do artigo da lei que estabelece os “impedimentos” a que estão sujeitos os governantes: o ponto 3, do artigo 9º, da lei nº52/2019.

Empresa de Pedro Nuno Santos e do pai fez contrato com o Estado. Lei prevê demissão, ministro defende-se com parecer antigo da PGR

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A Presidência do Conselho de Ministros escreve assim que o impedimento de contratação pública existe nos seguintes casos:

  1. Sociedades comerciais por si [titular do cargo] detidas em percentagem superior a 10% ou cujo capital social por si detido seja superior a 50.000€ — o que não é o caso.
  2. Sociedades comerciais cujo capital social seja detido, acima daqueles limites, pelo seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau (pais, avós, filhos, netos, etc.) e colaterais até ao 2.º grau (irmãos) — o que também não é o caso.

Nesta segunda situação, a PCM diz que o parecer da PGR esclareceu, a 19 de setembro de 2019, “que tal impedimento apenas se verifica quanto aos procedimentos relativos a contratos públicos abertos ou que corram os seus trâmites sob a direção, superintendência ou tutela de mérito do órgão do Estado em que o titular de cargo político exerce funções (grosso modo, no âmbito do respetivo ministério)”. Isto mesmo já estava explicado no artigo publicado no Observador na última sexta-feira. Mas esta situação não se aplica ao caso noticiado .

No caso do contrato da empresa do ministro Pedro Nuno Santos e do pai não está em causa uma empresa detida apenas pelo familiar nem a empresa detida apenas pelo próprio, mas sim uma terceira situação, em que a empresa é detida “conjuntamente” por ambos em mais de 10%. A PCM omite essa situação que na lei é clara e que se pode ver a sublinhado amarelo na imagem abaixo.

A mesma nota da PCM diz também que “ainda que o parecer tenha sido emitido na vigência da Lei n.o 64/93, de 26 de agosto, a Lei n.o 52/2019 de 31 de julho, que a substituiu, não alterou as disposições à luz das quais foi emitido o referido parecer do Conselho Consultivo da PGR, que assim mantém plena atualidade, como o próprio parecer atesta, uma vez que a lei nova já era conhecida à data da sua aprovação unânime.”

Mais uma vez, o comunicado da PCM volta a omitir uma parte da história. Na nova lei (a passagem da 64/93 para a 52/2019) há alterações ao articulado, mas mantém-se o essencial no que está em causa: o impedimento que uma empresa detida “conjuntamente” pelo titular do cargo político e por um familiar em mais de 10% possa fazer contratação pública.

Isto porque — como o Observador noticiou na sexta-feira — o parecer da PGR diz que a referida “redução teleológica” (que alegadamente levantaria o impedimento para o governante) é relativa não a todo o artigo 8.º da lei n.º 64/93, mas apenas à alínea a).

Acontece que o que está em causa nesta situação não é a alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º — que é referente aos casos em que as empresas são detidas apenas por familiares –, mas sim a alínea b), que trata de empresas detidas “conjuntamente” pelo titular do órgão e um seu familiar.

O legislador (neste caso a Assembleia da República) quando mexeu na lei, que entrou em vigor em julho de 2019, decidiu manter este impedimento, dedicando-lhe um ponto próprio — o 3 do artigo 9ª (antes era a alínea b) dentro do ponto 2):

 Artigo 9.º
Impedimentos

(…)

2 – Os titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos de âmbito nacional, por si ou nas sociedades em que exerçam funções de gestão, e as sociedades por si detidas em percentagem superior a 10 /prct. do respetivo capital social, ou cuja percentagem de capital detida seja superior a 50 000 (euro), não podem:
a) Participar em procedimentos de contratação pública;
b) Intervir como consultor, especialista, técnico ou mediador, por qualquer forma, em atos relacionados com os procedimentos de contratação referidos na alínea anterior.
3 – O regime referido no número anterior aplica-se às empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo, detenha, por si ou conjuntamente com o seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau e colaterais até ao 2.º grau, uma participação superior a 10 /prct. ou cujo valor seja superior a 50 000 (euro).

A PCM ignora assim por completo este ponto. A mesma nota, com cinco pontos, tem outro erro. Diz o comunicado que o facto de a lei não ter mantido as mesmas “disposições” é um “aspeto central para a compreensão dos deveres a que estão sujeitos os membros do Governo”, mas tem sido “lamentavelmente omitido nas notícias produzidas a este respeito”. O que também não é verdade: esse é um dos pressupostos do artigo inicial do Observador sobre o assunto que esclarece que a situação constitui um impedimento tanto na anterior lei como na atual.