A década de 60 do século passado foi uma era de mudança. Há poucos meses, uma reposição dos filmes de John Cassavetes recordava a importância do realizador norte-americano para a fundação de uma linguagem do cinema independente, seja aquela que existe dentro da obra, mas também a que nasce da criação de ferramentas para os filmes se erguerem. A história desse cinema independente, sobretudo o norte-americano, não se fez apenas através de pessoas que podiam estar no sistema – e, no caso de Cassavetes, ele fez parte da indústria, como ator e realizador. Fez-se também daquelas que não o reconheciam, que queriam criar outro cinema, outro discurso.

A retrospetiva L.A. Rebellion no LEFFEST é um espaço para essa história. É a maior retrospetiva feita na Europa em volta deste movimento homónimo (e contará com a presença de alguns dos realizadores), também denominado como Los Angeles School Of Black Filmmakers, com início na década de 1960 e que se prolongou até finais na década de 1980. O movimento começa com a formação académica de alguns jovens afro-americanos na UCLA. A consciencialização de que não havia lugar para eles dentro de Hollywood e, por consequência, que a vida negra nos Estados Unidos não estava representada no cinema, levou-os a formar um movimento que, por força dos tempos, crescia em movimento com os Black Panther. Eram tempos de mudança e a programação do LEFFEST reconhece-o ao incluir na programação dois documentários em volta de Angela Davis, “Angela Davis: Portrait Of a Revolutionary”, de Yolande DuLuart, e “Free Angela Davis And all Political Prisoners”, de Shola Lynch (este inédito em Portugal).

Também existiam movimentações paralelas no cinema norte-americano durante os anos 1970s. Noutro nível, também acontecia o Blaxploitation. Embora não seja comparável, a sua assimilação comercial ou, melhor, a maior predisposição para entrar no imaginário da cultura popular (pelo jogo com géneros cinematográficos e, também, pelas populares bandas-sonoras), criou barreiras invisíveis para olhar para o outro cinema afro-americano de então. No fundo, é a história de sempre, aceita-se sempre melhor a narrativa de fugir às regras, cumprindo-as, do que quem foge realmente às regras. Os realizadores e atores da L.A. Rebellion criaram as suas próprias regras.

Os filmes eram de orçamentos modestos, os atores amadores ou semi-profissionais. As histórias mostravam uma outra América, impulsionada pela história negra e o calor dos tempos. A liberdade de filmar comunicava também ela liberdade. Cinema com vontade de mudar os direitos, quebrar estereótipos, vencer a história, transformar a sociedade. Por isso, ainda hoje mantém a sua força. Ver os filmes de Charles Burnett, Billy Woodberry, Haile Gerima, Julie Dash e Ben Caldwell hoje é ainda uma consciencialização do que mudou e do que falta mudar. Os filmes serão apresentados em sessões duplas, ao longo do festival, entre o Cinema Medeia Nimas e o Centro Cultural Olga Cadaval.

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“As Above So Below” (1973), de Larry Clark

11 de Novembro, 16h15, Cinema Medeia Nimas

Obviamente que é outro Larry Clark. Ao contrário de outros filmes destas sugestões, “As Above So Below” tem menos de neo-realismo e mais de filme político e radical. Fruto dos tempos, mas também da energia impulsionadora do início do movimento L.A. Rebellion. É uma espécie de história alternativa, onde Larry Clark imagina o que teria acontecido se, após os motins de Watts (1965), um grupo de revolucionários se formasse para destronar o governo e o sistema económico em que vivemos.

“Killer Of Sheep” (1978), de Charles Burnett

12 de Novembro, 16h, Cinema Medeia Nimas

Produzido, escrito e realizado por Charles Burnett (que apresentará a sessão), “Killer Of Sheep” é um desafiante poema neo-realista. Filmado em Los Angeles, Burnett conta a história de um empregado de um matadouro que começa a passar mal por causa do trabalho que exerce. Apesar de Stan ser o centro da história, Burnett envolve o espectador pela forma como retrata a vida do protagonista e o que se passa à sua volta, tanto nos momentos íntimos, como nas circunstâncias mais quotidianas. É um dos filmes mais populares do movimento (já passou algumas vezes nas salas portuguesas nas últimas duas décadas). Do mesmo realizador, e também integrados no ciclo, vale a pena ver “To Sleep With Anger” (1990) e “The Horse” (1973), ambos dia 17, na mesma sessão no Centro Cultural Olga Cadaval (22h).

“Bless Their Little Hearts” (1983), de Billy Woodberry

14 de Novembro, 18h30, Cinema Medeia Nimas

Talvez a sessão mais imperdível de todas, tanto pelo filme, como pela presença dos realizadores Ben Caldwell, Charles Burnett, Julie Dash e Billy Woodberry (uma espécie de dreamteam do L.A. Rebellion). Escrito por Charles Burnett (que também é o diretor de fotografia do filme), “Bless Their Little Hearts” é o primeiro filme de Woodberry, também em volta do círculo familiar, de um homem e do seu trabalho. Ou a falta dele. Charlie Banks procura trabalho e nessa ausência de afazer, crescem as tensões na sua família, entre ele e os filhos e entre ele e a sua mulher, Andais.

“Penitentiary” (1979), de Jamaa Fanaka

17 de Novembro, 22h, Centro Cultural Olga Cadaval

Jamaa Fanaka é um dos realizadores do movimento que já morreu (em 2012, com 69 anos) e um daqueles que vale mesmo a pena descobrir. “Penitentiary” é a sua única obra no programa e é um trabalho híbrido, entre o movimento da L.A. Rebellion e os códigos do género Blaxploitation: pela forma como a violência é usada – e promovida – e o imaginário de uma história mais urbana e ficcional. Fanaka traça paralelos relevantes sobre a vida nas prisões e a escravatura.

“Daughters Of The Dust” (1991), de Julie Dash

18 de Novembro, 15h, Cinema Medeia Nimas

Sessão dedicada a Julie Dash, com a curta-metragem “Four Women” (1957), e este “Daughters Of The Dust”, talvez um dos filmes mais aclamados do movimento e icónico pela forma como conta a história de uma família (Peazant) de um modo pouco tradicional, entrelaçando as vivências de vários membros da família, num processo de viagem entre o sul e o norte dos Estados Unidos. Dash Demorou quase duas décadas a concretizar esta obra. Foi imediatamente aclamada e o tempo só lhe tem atribuído valor.