O tema está na ordem do dia, e o setor da distribuição no centro da discussão. Foi neste contexto, em que se discutem as verdadeiras margens dos supermercados e o seu peso no preço dos alimentos, que a Sonae apresentou, esta quinta-feira, os resultados de 2022. O grupo que detém o Continente não evitou o elefante na sala e, em conferência de imprensa, procurou garantir que “a inflação não está a ser criada pela distribuição”.

Cláudia Azevedo, CEO do grupo da Maia, sublinhou que no ano passado as margens do grupo desceram, devido ao “esforço” em acomodar uma parte da subida dos custos.

“No Continente, as nossas pessoas dedicam todo o seu tempo a ter preços mais baixos, promoções, descontos em cartão. Esta crise é séria e estamos a fazer tudo o que conseguimos. As nossas margens desceram, mesmo com todo o investimento que fizemos, para dar resposta às famílias e à situação de inflação”, declarou a CEO.

Coube a João Dolores, administrador financeiro do grupo, dedicar uma parte significativa da sua intervenção, a “desmistificar” o que classificou de uma discussão que está a decorrer “com base em informação errada e com acusações que não têm adesão à realidade”.

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Apelando a uma discussão “com base em factos”, João Dolores sublinhou que a inflação “não está a ser criada pela distribuição”. “Repudiamos a acusação de que estamos a especular para prejudicar os consumidores”, afirmou, referindo que é necessário “tentar encontrar soluções e não culpados”.

O responsável notou que a inflação “resulta de um contexto adverso para os produtores”, nomeadamente a “pressão enorme dos custos energéticos”, mas também dos fertilizantes, petróleo, cereais e sementes que “ainda hoje se mantém na maior parte dos casos, à exceção da eletricidade”.

É esta pressão, acrescentou, “que os produtores sentem e que se traduz em aumento de custos” nos produtos vendidos nos supermercados. Além desta pressão, sublinhou, houve uma queda de produção de cereais e sementes, legumes e frutas e em alguns setores da pecuária. “Isto colocou muita pressão nos custos dos produtos que compramos e vendemos. O fenómeno traduz-se num aumento dos preços em toda a cadeia e não está a ser totalmente refletido nos preços ao consumidor. Toda a cadeia tem suportado parte do aumento de custos”, notou.

Segundo o gestor, “a inflação alimentar é superior à geral porque hoje vendemos produtos cujos custos foram integrados há mais de um ano”, como contratos de energia fixados nessa altura ou fertilizantes comprados há um ano e que estão hoje a ser utilizados e colheitas que só hoje estão a ser processadas.

João Dolores afirmou que é “importante que se fale com base em factos e não em juízos de valor” e rejeitou a ideia de que o retalho alimentar “tem margens altíssimas”. As margens do retalho, afirma “são das mais baixas a nível mundial porque este é um negocio de escala”.

A margem líquida do Continente em 2022 foi 2,7%, segundo mostram os resultados do grupo. A existência de margens de 40% e 50% identificadas pela ASAE “não é verdade”, destacou.

A Sonae apresentou esta quinta-feira os resultados de 2022. O grupo que detém o Continente registou um aumento dos lucros de 27,7% para 342 milhões de euros, impactado por mais valias não recorrentes com a alienação de ativos. Os lucros recorrentes do grupo baixaram 17% para 179 milhões de euros.

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A questão dos preços e da inflação dominou a conferência de imprensa, com a administração da Sonae a ser por várias vezes questionada sobre as soluções que propõe para a atual crise.

Concretamente sobre a possibilidade de se fixarem margens máximas, Cláudia Azevedo foi taxativa: “este é um mercado aberto, mundial, tentar fixar preços dá sempre mau resultado. Um produtor português que tem de remunerar os seus fatores de produção não vai querer vender a uma cadeia portuguesa com os preços fixos, vai vender lá fora. E um produtor internacional não vai vender em Portugal com margens tão baixas. O resultado final de uma política dessas é prateleiras vazias, e isso ninguém quer”.

Ressalvando que não cabe à empresa propor medidas concretas, Cláudia Azevedo atirou, no entanto, que “há todo um leque de situações que o Governo deve apoiar”, nomeadamente do lado dos produtores e das famílias.

“O Estado tem que avaliar o excesso de IVA gerado pela inflação e ver onde melhor pode aplicar.  Essa deve ser uma discussão do Estado. Pode fazer sentido baixar os escalões de IRS… Há uma série de coisas. Cabe ao estado fazer a solução que melhor funcione para combater esta crise séria de inflação”, destacou. Questionada sobre a possível descida da taxa de IVA, à semelhança do que foi feito em Espanha, Cláudia Azevedo garantiu que “se o IVA descesse nós iríamos repercutir a descida do IVA”.

“Há exemplos de outros países europeus de medidas que foram tomadas, o Governo pode olhar e tirar conclusões sobre as que funcionaram e nós estaremos disponíveis para discutir as diferentes alternativas, se formos chamados”, acrescentou João Dolores, dando o exemplo dos apoios aos produtores dados em Espanha nos fertilizantes e na energia. “Os preços mais baixos em Espanha têm que ver com isso, é um bom exemplo para analisarmos”, disse o CFO.

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Cláudia Azevedo teceu ainda críticas às contas da ASAE sobre as margens, afirmando que a referência a casos isolados, “sem se saber de quem estão a falar”, é um “ataque ao setor”. A Sonae foi um dos grupos visados pelas ações da ASAE, mas a CEO não percebe de onde vêm os números. “Falei em campanha de desinformação porque vi números que não reconhecemos. A margem do Continente é 2,7%. É muito fácil chegar a números certos, porque são informações do INE, do ministério da Agricultura, nós somos uma empresa cotada. Não percebo a dificuldade. Em dois ou três dias um gabinete de auditoria chegava a uma solução de consenso de números”, ditou. “Esta procura desenfreada por culpados é um pouco estranha, mas não vou comentar as intenções de quem põe esses números cá fora”.

A CEO da Sonae voltou a reforçar que “o facto de os preços subirem não quer dizer que haja mais lucros, pelo contrário”. Segundo a gestora, “um produtor está a vender menos ou pela seca, ou pelo custo dos fatores de produção”. Para Cláudia Azevedo, a encontrar culpados pela subida dos preços “seria o presidente da Rússia ou a China ou a seca”. “Não vejo onde está o mistério que andam à procura na cadeia alimentar”, rematou.

Questionada sobre a taxa sobre os lucros extraordinários da distribuição, criada pelo Governo, a administração da Sonae voltou a sublinhar que “não reconhece o conceito de lucros excedentários”. João Dolores afirmou que “é natural que, investindo, os lucros subam”, e criticou o “mau princípio” de “prejudicar quem investe no país”. O grupo ainda não calculou o valor que vai pagar, mas estima que será “marginal face ao total de impostos” que paga.

Cláudia Azevedo também foi crítica sobre a medida. “Este imposto, no setor da distribuição alimentar, só existe em Portugal e na Hungria, e eu não gostava de estar em muitas categorias com a Hungria”.

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