Milhares de pessoas manifestaram-se este sábado na cidade de Lisboa contra o aumento do custo de vida, uma manifestação nacional convocada pela CGTP que juntou trabalhadores do setor privado e da Administração Pública em dois pontos diferentes da capital portuguesa, confluindo depois na rotunda do Marquês de Pombal, no centro da cidade.

Sob o lema “Todos a Lisboa! Aumento Geral dos Salários e Pensões – Emergência Nacional”, o protesto já tinha sido apontado pela PSP como potencialmente causador de “bastantes constrangimentos” na capital portuguesa, uma vez que, na prática, estão em causa duas manifestações simultâneas.

As autoridades começaram, aliás, a cortar várias vias de trânsito no centro da cidade de Lisboa logo a partir das 13h30.

Na Praça do Saldanha, começaram a concentrar-se a partir das 14h os manifestantes do setor privado; já na Rua das Amoreiras começaram, à mesma hora, a juntar-se os trabalhadores da Administração Pública que aderiram ao protesto. Ambos os cortejos desceram as respetivas avenidas rumo à rotunda do Marquês de Pombal, onde decorrem os habituais discursos dos dirigentes sindicais no final da concentração.

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Na manhã deste sábado, já havia vários comboios e autocarros organizados a deslocarem-se para a cidade de Lisboa a partir de diferentes pontos do país, transportando centenas de manifestantes para se juntarem aos protestos.

Mais tarde, à hora do discurso no remate da manifestação, no Rossio, Camarinha apontaria para uma estimativa da central sindical: terão estado cerca de 100 mil pessoas nos protestos, garantiu.

Já o discurso foi disparado contra o Governo, com a líder da central sindical a anunciar que a “luta” se vai “intensificar” para obrigar o Executivo a “arrepiar caminho” e tomar medidas como o aumento geral de salários — “acima da inflação, 10%, no mínimo de 100 euros” — e soluções para as “rendas insuportáveis e os juros que sobem a galope”.

Tudo, garantiu Camarinha, resultado de “opções políticas” que o Governo toma para favorecer o “mercado” e não a população e dos “projetos sombrios que nos querem impor”. E deixou mais avisos: “Que se desenganem” os que atacam a liberdade sindical ou o direito à greve, alertou, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter referido a possibilidade de mudar a lei da greve. “Há direitos que nos farão agir, reivindicar e mobilizar cada vez mais”. Dia 28 de março há mais: a secretária-geral da CGTP apelou à participação na manifestação de jovens trabalhadores marcada para esse dia.

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Segundo Ana Pires, também da CGTP, a central sindical estava à espera de milhares de trabalhadores “vindos de todos os distritos e setores de atividade, tanto da Administração Pública como do setor privado”.

“O nível de indignação registado nos locais de trabalho é muito significativo, os trabalhadores estão a passar dificuldades extremas por via dos seus baixos salários”, disse Ana Pires à agência Lusa. “Há famílias que têm de fazer opções diárias entre pagar as suas contas ou pôr comida na mesa.”

A CGTP destaca que “os trabalhadores exigem a regulação dos preços dos bens essenciais e medidas que impeçam o aumento das rendas e das prestações dos empréstimos à habitação”.

“O poder de compra retirado aos salários dos trabalhadores tem servido para aumentar os lucros do capital”, diz ainda a central sindical.

“O Governo insiste em não responder aos problemas, não regula o preço de bens essenciais, promove a perda de poder de compra dos salários, mantém uma legislação laboral contra os trabalhadores ao mesmo tempo que os lucros das grandes empresas aumentam. A subida de preços, a inflação e a redução do poder de compra não são uma fatalidade”, acrescenta.

Jerónimo de Sousa junta-se aos “homens e mulheres” com quem partilhou “tantas lutas”

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, juntou-se à manifestação e acusou o Governo de ter falhado “todas as promessas” sobre os aumentos dos rendimentos dos trabalhadores, que estão manifestar-se em nome de “salários que permitam chegar até ao fim do mês”.

Logo no arranque, a coordenadora dos bloquistas apontou para a ineficácia dos acordos de rendimentos promovidos pelo Governo: “Estamos em março, não há aumentos em lado nenhum, nem no público nem no privado”, criticou, contrapondo que “não há mês nenhum mês em que não haja um setor, seja da energia, da grande distribuição, da banca, que não anuncie milhões de lucros”.

E atacou a tese do perigo de espiral inflacionista: “A ideia de que os salários é que podem provocar a inflação não tem nenhum sentido, é absurda, a realidade demonstra que é absurda”, condenou.

O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, defendeu também que é óbvia a “emergência” do ponto de vista dos salários, e é por isso que só os apoios pontuais prometidos pelo Governo não chegam: “Esta gente trabalha todos os dias, não precisa de apoio, precisa é de salários”.

Já o antecessor de Raimundo, Jerónimo de Sousa, foi uma das personalidades presentes na manifestação. Em declarações à CNN Portugal, o ex-líder comunista disse que sua presença no local era “solidária” com os “objetivos com que esta gente imensa se movimenta”.

“Tem a ver com as suas vidas, com os seus salários, com as suas reformas e pensões, com o SNS, com tantos problemas que existem. Esta manifestação quer de facto responder que é preciso que isto mude. É preciso, de facto, uma outra política, que tenha em conta as aspirações, as inquietações desta manifestação espantosa”, disse Jerónimo de Sousa.

O antigo líder comunista destacou também a sua proximidade aos “homens e mulheres” com quem partilhou “tantas lutas” e sublinhou a sua “inquietação” pelos “momentos que estamos a viver”.

Chega surpreende, mas não integra manifestação da CGTP

A presença mais surpreendente terá sido a da comitiva do Chega, composta pelos deputados Bruno Nunes e Rui Paulo Sousa, uma vez que nestas manifestações é frequente a presença dos partidos de esquerda — e inédita a do partido de André Ventura, que há meses anunciou a intenção de impulsionar a criação de uma nova estrutura sindical.

No entanto, aos jornalistas Bruno Nunes desvalorizou o fator “surpresa”, dizendo não estar ali para integrar uma manifestação da CGTP (não entrou no desfile), mas antes para estar “ao lado da população” em sintonia com a sua preocupação com o aumento do custo de vida. “Os portugueses não podem continuar a chegar diariamente aos supermercados e perceber que o custo de vida disparou e não há medidas concretas para isso. As medidas de apoio não são suficientes”.

A manifestação percebe-se atendendo à “revolta” da população, insistiu, frisando que o protesto “não é de esquerda nem de direita”: “Quando chegamos ao supermercado ninguém lhe pergunta se é de esquerda ou direita, perguntam se vai pagar em dinheiro ou em cartão”. E recusou haver espaço para acusações de oportunismo por se colar ao protesto: “O Chega diz o que a população sente. Enquanto políticos temos de sair do sofá e estar ao lado da população”.