Algumas aparições em eventos do clube com declarações de circunstância, um breve agradecimento a todos os adeptos à saída do Emirates depois da vitória frente ao Arsenal na Liga Europa e pouco mais. Frederico Varandas continua a evitar grandes momentos de exposição pública neste segundo mandato mas com alguns momentos em que quer marcar a agenda quando fala. Esta segunda-feira à noite, ao canal do clube, era um deles. Quatro meses e meio depois da última entrevista concedida à RTP3, o presidente do Sporting tinha a intenção de abordar vários temas ligados ao clube e não só, sendo que a data começou a ser mais falada a partir do momento em que se soube que uma possível reação às acusações de corrupção desportiva ao empresário César Boaventura que deixaram de fora do processo o Benfica surgiria apenas nesse momento.

Da temporada da equipa de futebol aquém dos objetivos inicialmente traçados apesar de ter ainda o segundo lugar como possibilidade além da Liga Europa (está nos quartos, onde irá defrontar a Juventus) à situação de Rúben Amorim enquanto técnico cobiçado nas principais ligas europeias, do resultado recorde da SAD no primeiro semestre do exercício 2022/23 à necessidade de mais vendas de jogadores em caso de ausência da próxima fase de grupos da Liga dos Campeões, passando ainda pela relação com as claques, as modalidades e questões mais institucionais, eram vários os possíveis pontos de conversa de Frederico Varandas, num dia também marcado pelas agressões à mascote Jubas no encontro com o Santa Clara por um indivíduo que estava na zona dos camarotes (neste caso, da CIN) e que foi identificado no local pelas autoridades.

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“O objetivo agora é chegar à Champions (…) Amorim é dos melhores do mundo”

Numa primeira parte da entrevista, sensivelmente ao longo de meia hora, Frederico Varandas fez uma análise à temporada assumindo a culpa própria para o quarto lugar que a equipa ocupa, admitindo também a frustração por não ter seguido na Champions mas orgulhoso do caminho na Liga Europa e salientando que o caminho percorrido até aqui em termos desportivos e financeiros é fundamental para o equilíbrio.

“No plano interno pecámos por alguma falta de regularidade. A nossa qualidade de jogo de futebol, aquilo que apresentamos em campo não se coaduna com a classificação mas não é isso que faz a classificação, são os pontos. Não fomos eficazes em alguns jogos no início da época e pagámos em determinados jogos por isso. Não só não fomos eficazes como sofremos golos de forma injusta. Isso fez-nos distanciar um pouco dos nossos rivais. Vejo uma matriz e uma ideia de jogo muito semelhante nos últimos três anos, concordo que jogamos melhor, que jogamos mais como equipa grande. Vê-se nos jogos de maior dificuldade teórica, eliminámos uma equipa da Premier League, ganhámos e empatámos com outra mas no plano interno não fomos eficazes. O líder tem sido regular, até quando não joga bem consegue ganhar e não conseguimos fazer isso. O objetivo agora é chegar à Liga dos Campeões e acreditamos nisso”, começou por dizer.

“A chegada do nosso treinador fez crescer o clube a outro patamar. Acredito onde vou jogar que o Sporting pode ganhar. Joga como equipa grande, com uma ideia de jogo definida que não muda e somos uma equipa dominadora, que se instala no meio-campo adversário, que nunca altera. Houve uma mudança de paradigma com o passado recente, que se deve ao nosso treinador e aos jogadores. A qualidade de jogo deixa-me seguro do presente e do futuro. Fomos muito competentes no ano do título, a seguir também fazendo os mesmos pontos, este ano ainda faltam oito jogos… Champions? Houve momentos de infelicidade sim, percebo a frustração de todos, fizemos grandes jogos mas quando disputamos dois encontros com o Marselha por erros nossos 70 minutos com menos um… Com o Eintracht em casa também estivemos a ganhar… Passámos para a Liga Europa mas só de nome, porque parece a Liga dos Campeões pelos adversários que eliminámos, que vamos ter e que podemos ter pela frente”, prosseguiu, olhando para a carreira europeia.

“O jogo com o Arsenal em Londres é épico. 90 minutos olhos nos olhos, a acabar com mais posse de bola que era algo que só o City tinha conseguido, aquele grande golo do Pote… É um jogo que marca uma geração. Juventus? Um adepto pode pensar que eliminando o Arsenal, é possível passar. Mas como presidente vejo um adversário fortíssimo, podia ser o vice-líder se não tivesse ficado sem 15 pontos, recuperou nos últimos três meses, recuperou jogadores, teoricamente muito mais forte, com um orçamento muito maior… Se é possível? A partir do Arsenal, tudo é possível… Acredito que o Sporting tem tudo para chegar à Champions na Liga e acho que seria justo. O Sporting joga muito bem futebol e acredito…”, reforçou.

“Estamos a oito semanas de terminar a época, obviamente que está a ser tratada, com decisões tomadas entre treinador, Hugo Viana, administração e presidente para tentar satisfazer ao máximo o treinador. Bellerín? É jogador do Sporting até ao final da época e depois tomaremos decisões. Ganhar dois Campeonatos em seis anos? Sim, partilho essa visão. Olha-se para trás, foram 19 anos, pensou de forma pragmática, dois em seis seria positivo… Mas também sei que todos os dias compete para ser campeão, cria a sua exigência, muitas vezes ultrapassa a exigência para si próprio mas sei que quando chegou em 2019/20 e em 2020/21 ele acreditava que ia ser campeão. Conto com ele, tem contrato até 2026… Está na lista de mais um tubarão, é sinal que estamos a fazer bem o nosso trabalho… O quarto classificado deve estar a fazer alguma coisa bem porque só vejo treinador e jogadores indicados aos maiores clubes… O Rúben Amorim é dos melhores treinadores do mundo, fez crescer o Sporting na qualidade de jogo e fico satisfeito pelo reconhecimento. Receio do que vou perder? Não, tenho de dar valor ao que tenho”, referiu sobre o técnico português.

“A renovação num momento que não era bom é o sinal de que tomamos as decisões pelo que acreditamos. Acreditamos no processo de trabalho. O Hugo Viana também é uma peça fundamental neste processo, já teve convites para ir para as melhores ligas da Europa e recusou. Ao contrário de outros, que dizem que têm convites, ele é ao contrário, não quer que se saiba. Fico muito satisfeito com a estrutura, na Academia temos um grande processo de trabalho e acreditamos no que estamos a fazer. Formação ou maior investimento? Não vamos alterar a nossa estratégia nem a a forma de gerir o clube. O que sabemos fazer melhor é produzir jogadores. Tivemos de investir muito na Academia e hoje estou descansado, não invejo nenhuma academia. Estamos pela primeira vez na Final Four da Youth League, na última convocatória dos Sub-20 tivemos 11 jogadores e esse é o caminho”, apontou numa lógica que tem defendido desde 2018.

“Hoje a forma como podemos negociar não tem nada a ver. Tínhamos a corda no pescoço, todos sabiam, hoje não estamos assim. As cinco maiores vendas do Sporting foram feitas neste mandato, não é por acaso. Se há uma saída, é porque tem de ser. Não temos prazer nenhum. Sei que não é uma decisão popular, vai trazer problemas para ganhar e não vai mudar para Sporting, Benfica e FC Porto. Gostaria que o Sporting há dez anos tivesse investido não só no futebol mas também em infraestruturas e na modernização para otimizar receitas. Estamos a fazer isso há quatro anos. Dizer que investia tudo na equipa A era o mais fácil mas não é o melhor para o Sporting, o melhor é o equilíbrio. Estamos a crescer nas receitas, batemos recordes no merchandising, de quotização, bilhetes e gamebox… Temos de fazer o Sporting crescer as receitas orgânicas para depois termos mais equilíbrio. Nunca faço aquilo que é o melhor para mim enquanto presidente mas sim para o Sporting, que vai ficar melhor quando sair”, destacou, assumindo que a não presença na Champions pode levar a mais uma venda mas dizendo que a SAD está “melhor preparada”.

“Com a questão do fair play financeiro, não há caminho para aventureiros. Seis anos depois, passámos a ter de novo capitais próprios positivos. É um fator preponderante para as competições europeias e já estamos no verde, outros terão de pedalar muito porque vai apertando. Temos de manter esta estratégia. Os resultados do primeiro semestre são fantásticos e encorajadores mas não podemos achar que está tudo feito. Ainda temos a parte da redução do passivo, algo que fizemos sempre menos no período da Covid-19. Não estamos aqui para ganhar medalhas pelos resultados financeiros mas estes têm de ser bons para nós ganharmos onde queremos. Mas jamais isto aconteceria sem o trabalho e o mérito do treinador e do Viana”, rematou.

“Isto é um nojo e não é diferente do Apito Dourado de há 20 anos”

Só após meia hora de entrevista Frederico Varandas foi então a temas fora do Sporting, neste caso o processo e-toupeira que envolveu Paulo Gonçalves, antigo diretor jurídico da Benfica SAD, e o caso do empresário César Boaventura, acusado recentemente de corrupção desportiva. E logo com uma “notícia”.

“No caso de César Boaventura, e com todo o respeito que o Ministério Público nos merece, não concordamos com a acusação. Ou melhor, concordamos com tudo o que está lá mas entendemos que falta uma peça central do puzzle. Está a acusar o mensageiro e não o verdadeiro mentor deste esquema de crime organizado. Como tal, numa decisão analisada em termos internos, vamos pedir instrução deste caso. Analisamos que César Boaventura tinha uma relação próxima e de grande confiança com Luís Filipe Vieira, à data presidente da SAD do Benfica, que falavam constantemente por telefone e SMS sobre assuntos de futebol e não só, constatamos que o MP refere que Boaventura tenta corromper quatro jogadores de futebol que, se fizessem o que ele queria, fariam com que despendesse 480.000 euros. Acham que numa decisão pessoal ia gastar 480.000 euros para a sua equipa ganhar, que nem sei se é… Na cabeça de qualquer pessoa não faz sentido algum, custa que alguém acredite nisto, há uma escuta em que diz mesmo ao jogador que o presidente Luís Filipe Vieira pode oferecer 40.000 ou 80.000 euros… O beneficiado não está acusado”, apontou.

“Isto é apenas um processo de vários que estão na ordem do dia. O caso e-toupeira é extremamente difícil dizer que não é pior… Paulo Gonçalves é condenado por corromper funcionários judiciais para obter depois informações privilegiadas e em segredo de justiça. Ele era assessor jurídico, era assessor de Vieira, circulam vários emails que mostram até a cumplicidade com este senhor César Boaventura. Dizem que Boaventura não ocupava nenhum cargo no Benfica, em relação a Paulo Gonçalves nem isso podem dizer… Ele foi condenado por corromper funcionários sem ninguém do Benfica saber… Vi uma outra notícia que o jogador Edgar Costa tinha sido aliciado por outro agente… Há aqui alguma coisa, algum complot? Surpreende-me muito como é que a peça central nesta acusação não está aqui. Ainda temos outro caso que vai ser julgado mas tudo o que vem a público é preocupante, o Saco Azul. Um esquema falso de faturas para libertar um milhões em dinheiro, depois há pagamentos para um árbitro que ainda estava no ativo… Aquilo era para quê? Já percebi que a Benfica SAD pode ser acusada da evasão fiscal mas era para quê?”, prosseguiu.

“Ainda agora tiraram 15 pontos à Juventus por fraude fiscal e por alteração de balanços financeiros. Não foi por corrupção desportiva, coisa que aconteceu em 2006 e desceu à Segunda Divisão. Aqui, 15 pontos e todos os administradores suspensos! O Sporting foi vítima disto. Não interessa quem era o presidente da altura, o Sporting foi uma das principais vítimas do esquema criminoso. Vítima desportivamente, de milhões do ponto de vista financeiro. Vamos lutar por isto na Justiça. Não há outra forma de descrever, isto é um nojo e não é diferente do Apito Dourado de há 20 anos. É um nojo que não pode ter lugar no futebol português. Sim, é verdade que não pode haver clubite em relação à Seleção mas espero que não haja clubite na Justiça e que não tenha medo disso, não pode ter. Há 20 anos vivemos uma das maiores vergonhas da justiça desportiva e não só, continuamos a fingir que aquelas escutas não existiram quando elas são. Há um presidente que ainda hoje está no ativo a ser gravado a corromper árbitros com prostitutas. Isto é verdade, isto existiu. Ninguém me convence do contrário, não mudo de opinião. Aquilo é real e jamais aquele senhor poderia dirigir o que quer que fosse em Portugal”, acusou o líder verde e branco.

“O que me custa é que passados 20 anos está a acontecer outra vez e estamos a passar entre os pingos da chuva num caso que nos envergonha a todos. O que o Sporting sabia é aquilo que os jogadores disseram. O Sporting é assistente, cumpre o segredo de justiça, sabia o que se estava a passar, quando foram chamados e aguardámos pela acusação. Não concordamos com ela. Se noto diferenças em relação a Rui Costa? Acredito que não estivesse envolvido e que não sabia do que se passava mas agora sabe. Penso que muito mais importante do que dizemos é o que fazemos. São estas decisões ou não decisões que nos marcam para a vida. Independentemente do momento, é preciso demonstrar que somos diferentes. Discordo quando fazia o apelo para os benfiquistas se manterem imunes ao ruído exterior. Não é exterior e é ensurdecedor. Não basta dizer que se pertence ao lado do bem. O presidente Rui Costa sabe o que tem de fazer”, apontou Varandas.

“Prefiro nunca vir a ganhar do que ganhar com estes esquemas”

“Para nós, os valores são muito importantes. A nossa matriz são os valores. Quando o Sporting se ia desviando disso, os sócios mobilizaram-se, falaram e decidiram, não foi preciso Ministério Público. Para o sócio do Sporting é importante que o seu presidente não tenha escutas a corromper árbitros com prostitutas, que não seja apanhado em escutas a escolher um árbitro para a final da Taça, que não existam sacos azuis a desviar um milhão de euros. O sócio do Sporting quer ganhar mas também quer saber como se ganha, isso é o que mais importa. Prefiro nunca vir a ganhar do que ganhar com estes esquemas. É assim que eu sou, o Sporting nunca se vai desviar dessa linha. Queremos um futebol limpo, não queremos ser favorecidos mas não podemos assobiar para o lado perante tudo aquilo”, continuou sobre o mesmo tema.

“Não quero desmoralizar pessoas que se levantam de manhã e que lutam para chegar ao final do dia de cabeça erguida a fazer o melhor possível. Quero acreditar que neste país a Justiça funciona, que não tem medo do impacto do tamanho do clube seja Benfica, FC Porto ou Sporting… Ouço toda a gente falar da Premier League mas aquela liga não tem Césares Boaventuras, não tem Paulos Gonçalves, não tem presidentes a corromper árbitros, é uma liga limpa. Não vale a pena falarmos de centralização de direitos quando assobiamos para o lado perante corrupção do pior que existe ainda no futebol português. Quero acreditar que a Justiça tem força e coragem. Se o país não acreditar… É difícil ver os meus filhos crescerem aqui”, reforçou, dizendo depois que a arbitragem de hoje “está muito melhor”. “Aquilo que um vice do Conselho de Arbitragem disse em tribunal, a achar normal o Benfica pagar-lhe hotéis na Alemanha, mostra a podridão que existia no setor e que os árbitros acabavam por sentir também”, frisou.

“Era fácil ser populista, dizer que estava em quarto por causa de árbitros mas não, não vou fazer isso e não é assim. Quero árbitros melhor pagos, a serem ajuizados pela competência. O presidente do Conselho de Arbitragem tem de ser escolhido pelos árbitros, são eles. Se temos força para mudar? Não sei mas acho que é uma questão de coragem e sem telhados de vidro. Mais do que as vitórias, foi devolvida a dignidade ao Sporting e aos seus adeptos”, salientou ainda a esse propósito sobre a arbitragem nacional.

Por fim, e sobre o tema que ocupou grande parte do dia, Varandas abordou também as agressões à mascote do clube. “Olhe, primeiro não sei o que são assuntos em altas ou em baixas nas redes sociais. Aliás, é um dos problemas porque o mundo está a mudar… Ligo ao que os sócios pensam, graças a Deus tenho essa higiene mental. Infelizmente quem não teve foi a pessoa que agrediu de forma bárbara… Estou a rir-me mas isto não tem piada nenhuma, é um assunto surreal… Um senhor que pelos vistos estava alcoolizado que foi convidado por uma empresa que tem um camarote que agrediu o Jubas. O Jubas! Esse senhor não tem espaço para estar num recinto desportivo como qualquer um que pratique violência e o Sporting vai agir e atuar em termos internos, a pessoa que está dentro do Jubas está bem, vai apresentar queixa na polícia e vai ter todo o nosso apoio em relação a isso”, comentou o presidente leonino na última resposta da entrevista.