Um total de 942 crianças ucranianas chegaram a Portugal sem pais ou representantes legais desde o início do conflito na Ucrânia, tendo o Ministério Público (MP) recebido 769 comunicações relativas à chegada daqueles menores, indica fonte do MP ao Observador.

Num caso em que um menor não acompanhado pelos pais ou representantes legais chega a Portugal, a situação “é comunicada ao Ministério Público”, com vista à “instauração da competente ação”. O MP explica ao Observador que, no que diz respeito aos menores ucranianos, “o Gabinete da Família da Criança, do Jovem e do Idoso e Contra a Violência Doméstica da Procuradoria-Geral da República tem vindo a acompanhar a situação”, contando com o apoio de um grupo de trabalho que “envolve diversas entidades”, tais como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a Segurança Social e a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa.

Após as 769 comunicações realizadas por aquelas entidades, o Ministério Público detalha que instaurou “um total de 461 ações”: 241 levaram à abertura de “processos judiciais de promoção e proteção” de menores, o que significa que o Ministério Público considerou haver “indícios de situação de perigo para a criança ou jovem, suscetíveis de reclamar a aplicação de medida judicial”.

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Na resposta ao Observador, o Ministério Público clarificou que, segundo dados recolhidos pelo Gabinete da Família, da Criança, do Jovem e do Idoso e Contra a Violência Doméstica, muitas destas crianças foram colocadas “em famílias de acolhimento”, quer da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa quer da Segurança Social.

Relativamente às outras 220 crianças ucranianas que chegaram a Portugal sem os pais ou representantes legal — e relativamente às quais não foi necessário instaurar um processo de proteção e promoção, o MP dá conta de que foram instaurados “procedimentos tutelares” para confiar os menores aos “familiares” ou “outras pessoas idóneas”. Em muitos desses casos, as crianças ficaram junto a esses mesmos familiares. 

Além disso, de acordo com os dados cedidos pelo Ministério Público ao Observador, 308 comunicações acabaram por “não dar origem a qualquer procedimento”, uma vez que os menores regressaram entretanto à Ucrânia. Mais: o MP realça que, independentemente do estatuto que foi conferido após a abertura das 461 ações, “a grande maioria” das crianças e jovens que passaram por Portugal desde fevereiro de 2022 já regressaram ao país natal, ou então à vizinha Polónia.

Maioria chegou com adulto com “responsabilidades parentais”

Segundo o Ministério Público, o número “mais expressivo” das crianças ucranianas que chegaram a Portugal vinham acompanhadas do “titular das responsabilidades parentais”, normalmente a mãe — recorde-se que, desde o início da guerra, e para fazer face ao conflito, o Governo de Volodymyr Zelensky estabeleceu uma proibição de os homens maiores de 18 anos e menores de 65 anos, desde que tenham dois ou menos dependentes, saírem do país (o objetivo é que reforcem o efetivo disponível para combater as tropas de Moscovo que continuam a ocupar uma parte considerável das zonas este e sudeste do território ucraniano).

Depois desse grupo maioritário de menores que chegaram a Portugal acompanhados de um representante legal, seguem-se os menores que vieram sem o “representante legal” e aqueles que foram trazidos por uma pessoa que, “não sendo familiar, é pessoa da referência”. Por fim, ainda de acordo com o MP, chegaram “em menor número” crianças “realmente não acompanhadas” a Portugal — ou seja, menores de idade que vinham totalmente desacompanhados, sem um adulto (representante legal ou não) que se responsabilizasse pelos mesmos.

Os dados mais recentes dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, que datam do início de abril, mostram que, relativamente aos menores ucranianos, foram emitidas “14.190 proteção temporárias”, num total de 59.078 de crianças e jovens que chegaram ao país desde o início da guerra na Ucrânia.

A questão do destino dos menores ucranianos em Portugal e em mais dois países europeus (Alemanha e Espanha) foi suscitada numa reunião informal do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O embaixador russo, Vasily Nebenzya, mostrou um vídeo em que algumas mulheres partilhavam um testemunho pessoal em que indicavam que as autoridades portuguesas (e não só) lhes “roubavam” os filhos e as ameaçavam com “processos judiciais”.

Portugal concedeu mais de 59.000 proteções temporárias desde o início da guerra na Ucrânia

O Governo português “repudiou firmemente” as acusações do embaixador russo e 49 países, incluindo Portugal, emitiram um comunicado conjunto em que acusavam a Rússia de divulgar desinformação. “Não há divulgação de desinformação pela Federação Russa que possa negar a verdade”, afirmaram, acusando, por sua vez, a Rússia de deportar ilegalmente 19.500 crianças de território ucraniano.

Ao jornal Público, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social adiantou esta quinta-feira que foram retiradas 27 crianças a refugiados ucranianos, sendo que a maior parte já tinha regressado às famílias. Neste momento, nove estão em acolhimento residencial (no passado estiveram 12) e nenhuma está em acolhimento familiar (já estiveram seis).