O dia de trabalhos começou mais cedo do que o habitual, mas nem por isso acabou muito menos tarde: na agenda, eram quatro os sindicatos de trabalhadores da transportadora, cada um com hora e meia para ouvirem e responderem às perguntas do deputados. A audição ao último sindicato, o SPAC, deveria ter terminado às 20h30, mas foi a essa hora que começou. “Este atraso é para saberem o que sofremos no aeroporto de Lisboa”, gracejou o presidente do sindicato que apesar de já ter admitido ter ligações ao Chega foi ao PCP que piscou o olho: por ter sido, disse Tiago Faria Lopes, “o único partido que se preocupa com a TAP” ao convocar o SPAC para duas audições, em maio e outubro.

As ligações, rivalidades e intrigas políticas não ficaram por aqui. Filipe Melo, do Chega, não gostou de ver o SITAVA, que é afeto à CGTP, escrever em comunicado que a CPI está a ser alimentada por uma “chicana política estranha aos interesses” da TAP, e que é uma “lavandaria de roupa suja”, “ignóbil”. Após ler a nota, Melo abandonou a audição. “Depois de tais ofensas à comissão, nesta audição o Chega nada mais tem a acrescentar, nem em futuras rondas”. Mas foi o único que mostrou ofensa.

O SITAVA foi uma das quatro estruturas sindicais ouvidas na tarde desta quarta-feira, na comissão que escrutina a gestão da TAP onde aproveitaram para expressar o descontentamento dos trabalhadores da transportadora, com o impacto de um plano de reestruturação que não conhecem.

1Entrou discreto e assim saiu. Manuel Beja, ex-presidente do Conselho de Administração da TAP, demitido na sequência do caso Alexandra Reis, não deixou a melhor impressão junto dos dirigentes sindicais. Ricardo Penarróias adiantou que não reuniu “nem uma única vez” com o chairman e que a sua atuação na TAP foi “nula”. A opinião de Paulo Duarte, do SITAVA, foi semelhante. “Manuel Beja saiu da TAP da forma como entrou, foi como se não tivesse passado por lá”. O sindicato teve uma reunião com o chairman na qual “ficou claro que seria a última”. “Foi transmitido que não teria participação ativa na gestão e que qualquer contacto teria de ser feito com a comissão executiva, e não com ele”. Também Tiago Faria Lopes confessou que o SPAC falou duas vezes com Manuel Beja, a primeira quando este entrou e a segunda vez quando o ex-chairman estava de saída, para “nos despedirmos”. “Ele também se calhar não sabia destes problemas porque não aparecia na empresa”, afiançou.

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Sobre Christine Oumiéres Widener, a ex-CEO da TAP, o SINATC referiu que a relação  “numa fase inicial correu mais ou menos, mas depois revelou-se pouco adequada” e “do ponto de vista sindical foi catastrófico, houve uma política de recursos humanos de imposição”. Nos últimos dois anos, acrescentou, “o diálogo foi muito difícil e curto”.

Faria Lopes, do SPAC, admitiu que houve interferência política na TAP nos últimos anos e apelou a que isso deixe de acontecer com Luís Rodrigues. “Não podemos permitir que haja interferência política, deixem Luís Rodrigues e a sua equipa gerir a TAP. A companhia tem de parar de ser gerida por WhatsApp. Um erro mínimo custa milhões”.

2Foi quase unânime a posição dos sindicatos contra a Ryanair, a concorrência da TAP que não é concorrência, segundo os dirigentes. O líder do SNPVAC, Ricardo Penarróias, foi o mais contundente ao afirmar que a Ryanair opera “ilegalmente” em Portugal. “É competitiva em relação à TAP porque não cumpre a lei. Que alguém tenha a honestidade de dizer quanto é que o contribuinte do Porto paga para ter a Ryanair. E em Faro”. Mariana Mortágua chegou a referir que, segundo a Autoridade Tributária, em 2022, a TAP pagou 73 milhões de euros em impostos em Portugal e a Ryanair 916 mil euros. “Isto é um paraíso para eles”, disse Paulo Duarte, do SITAVA.

Tiago Faria Lopes, do SPAC, também sugeriu “perguntar às câmaras quanto pagam à Ryanair”, porque as low cost, “têm subsídios, e vêm de algum lado”. Pedro Figueiredo, do SITAVA, diz que “a Ryanair, para onde vai, seca tudo a volta” e que “paga ordenados, se calhar, através da Irlanda”, daí a disparidade.

3As posições dos sindicatos sobre a futura privatização da TAP são distintas. O SITAVA é contra a venda porque os “processos de privatização em Portugal nos últimos anos foram todos feitos de forma em que nem as empresas ficaram a ganhar, muito menos os trabalhadores dessas empresas” e, nesse sentido, a TAP deve “aprender com os erros” e “não ir à pressa entregar a TAP a um qualquer como aconteceu várias vezes no passado“. Mas, a haver privatização, que não seja total, Até por causa do hub de Lisboa. “O que mantemos é que o que garante o hub em Lisboa é a manutenção do Estado no capital da empresa. É assim que a TAP deve estar ao serviço do país”, defendeu o líder do SITAVA.

Já o SINTAC revelou que esteve numa reunião com João Galamba, quando este entrou em funções, em que marcaram presença todos os sindicatos, e na qual o ministro terá garantido que o hub e a manutenção vão permanecer após a privatização.

Ricardo Penarróias, do SNVPAC, defendeu que “numa privatização que venha a ocorrer, é exigível que os sindicatos sejam ouvidos e estejam presentes nas negociações”, e diz que é “fundamental que haja participação do Estado” na companhia,

O SPAC defende que “não há outra opção que não privatizar a TAP”, e deu a entender que existe um grupo de empresários portugueses interessados em comprar a companhia. Por isso, deixou um apelo ao Governo. Que no caderno de encargos não limite a possibilidade de compra apenas a grupos de aviação. “Chega de vender ativos preciosos a mãos estrangeiras”, contestou.

4A pergunta ficou sem uma resposta concreta mas foi suficiente para adensar a onda de suspeição: conhecem os sindicatos outros casos de indemnizações avultadas como a que foi paga a Alexandra Reis? Ricardo Penarróias, do SNPVAC, atirou que “nos corredores” se fala que esse caso é apenas a “ponta do icebertg”. Mas não concretizou — disse não ter conhecimento de situações concretas. Outro dirigente, Pedro Figueiredo, do SINTAC, alimentou essa ideia: “Há muitas histórias por aí, certamente, sobre isso”, que “podem ser exploradas”. Não é de agora, diz: há histórias do género de há 20, 30 anos. “Sempre se ouviu falar” em indemnizações só que “nunca vieram a público”, como agora. “Casos e casinhos poderá haver com certeza”, rematou.

As outras “Alexandras Reis” que até receberam mais, mas ficaram fora do radar e dos relatórios da TAP

Outro “caso” é o de uma possível “diretora fantasma”, como apelidou Filipe Melo, do Chega. O deputado trouxe à comissão o contrato de Karolina Tiba, a gestora polaca que terá sido contratada para negociar com os sindicatos dos tripulantes de cabine. Mas que nunca falou com eles. Foi isso que disse Ricardo Penarróias: “A verdade é que comigo nunca falou e nunca tivemos uma comunicação interna desta diretora.” O dirigente disse-se surpreendido com a data do contrato, 5 de dezembro. Porque “se a função dela era trabalhar com tripulantes de cabine e sindicatos”, dado que no dia 8 e 9 de dezembro o sindicato fez greve e durante quase um mês esteve em negociações para evitar outra paralisação, “seria altura certa para falar comigo, até à data nunca falei com ela”. Ao deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco, Penarróias referiu que foi informado da contratação e atirou: “tenho dúvidas que esteja a trabalhar”.

5 Luís Rodrigues já teve reuniões de apresentação com os sindicatos, mas não se terá comprometido com a reversão de nenhum corte aplicado aos trabalhadores. Mas o que gerou mais interesse dos deputados foi outra reunião — ou “interação”, como apelidou Paulo Duarte, do SITAVA: a que o novo CEO da TAP teve antes das audições desta quarta-feira com os trabalhadores da companhia, onde, segundo o dirigente sindical, avançou que não conhece o plano de reestruturação da transportadora. Uma revelação que, pela surpresa, Paulo Duarte caracterizou como “engraçada”. O PSD ainda quis perceber quando é que essa “interação” foi agendada, para saber se poderá ter sido marcada por causa das audições. Mas Paulo Duarte desfez as dúvidas: foi marcada quando o próprio ainda não sabia em que data vinha ao Parlamento.

6 Vem aí um verão quente nos aeroportos. Nas palavras dos sindicalistas: “caótico”, “muito difícil” e “complicado” para a operação da TAP por “falta de planeamento”. Com falta de trabalhadores — que explicam com a falta de atratividade da empresa (há concursos mas ficam desertos) — e um aeroporto de Lisboa “estrangulado”, adivinha-se uma época alta em constrangimentos. Também por isso pedem a reversão imediata dos cortes. Pedro Figueiredo, do SINTAC, prevê que, “com o verão que se avizinha”, a TAP “muito dificilmente” conseguirá desenvolver a sua atividade. Tiago Faria Lopes, do SPAC, também antecipa um verão “caótico”.

7 O que é o CASK (cost of available seat kilometer)? É o custo operacional por assento disponível por quilómetro. Uma métrica para mostrar a evolução dos custos operacionais, nomeadamente custos com pessoal. A TAP, em 2022, apresentou uma redução do CASK de 10,7% face a 2021, fixando-se em 7,04 cêntimos. Sem o custo dos combustíveis, a redução foi mais expressiva de 27,8%. Apesar deste CASK ter descido, os custos operacionais subiram. E Tiago Faria Lopes, presidente do SPAC (sindicatos dos pilotos), não percebe. “É muito difícil compreender”, declarou, criticando não ter acesso ao relatório e contas – diz que só teve acesso a “powerpoints”. E interroga-se porque é que a administradora que tinha este pelouro, Silvia Mosquera Gonzalez se demitiu logo a seguir à apresentação das contas.

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Os sindicatos acabaram a pedir mais a reversão dos custos com pessoal, até porque, foram dizendo, a TAP está com dificuldade em contratar pessoal. Abre concursos e não consegue candidatos, atirou o SITAVA. O primeiro sindicato a ser ouvido, o SNPVAC, declarou mesmo que o corte de custos com pessoal não tinha sido, afinal, uma imposição de Bruxelas como o Governo terá pretendido parecer.

SNPVAC diz que “nunca houve imposição” de Bruxelas para cortes salariais no plano de reestruturação que novo CEO disse ao SITAVA desconhecer

8 Os documentos que o Governo garante que suportam juridicamente as demissões do presidente não executivo (Manuel Beja) e executivo (Christine Ourmières-Widener) da TAP já chegaram à comissão parlamentar de inquérito. O apoio jurídico que não é parecer mas que Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, diz que foi um caso de semântica é suportado em documentação que o Governo fez chegar esta quarta-feira ao Parlamento, tal como Fernando Medina tinha dito que entregaria esta quarta-feira.

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São muitos documentos, nas palavras de Jorge Seguro Sanches, presidente da comissão, que chegaram em suporte digital (que alguns grupos parlamentares dizem ser um CD, mas que Seguro Sanches diz ter-lhe parecido uma pen) e em papel. E com a indicação de confidenciais. Sendo documentos classificados, os deputados só os poderão consultar na sala de segurança a partir das 9 horas da manhã de quinta-feira.

Governo já entregou documentos com “apoio jurídico” à comissão de inquérito da TAP. Estão “classificados” de confidenciais