O Governo só recorreu ao centro jurídico do Estado, denominado Jurisapp, no dia a seguir a ter anunciado, em conferência de imprensa, a demissão da presidente executiva Christine Ourmières-Widener e não executivo Manuel Beja. Esta é um dos dados da documentação que o Governo enviou à comissão de inquérito à TAP sobre o parecer que afinal não existia, mas que Fernando Medina tinha dito ser uma decisão “blindada juridicamente”. A revelação foi feita por Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, que já indicou que chegaram à comissão várias trocas de emais e documentos de várias entidades públicas.

Para Mariana Mortágua, esses documentos “demonstram que o Ministério das Finanças e o Ministério das Infraestruturas recorreram ao gabinete de apoio jurídico dentro do Estado. Assim deve ser. Aliás se há coisa que este caso de Alexandra Reis nos prova é que o parecer jurídico externo não é sempre prova de competência ou que as coisas vão correr bem”.

E, por isso, a deputada bloquista aplaude ter sido convocado o departamento jurídico do Estado para apoiar a decisão. “Parece-nos ser o método correto”. Mas, acrescentou depois, “tem apenas um problema”.

É que o procedimento “foi iniciado no dia a seguir à conferência de imprensa” em que foram demitidos CEO e chairman. Uma conferência de imprensa realizada por João Galamba, ministro das Infraestruturas, e Fernando Medina, ministro das Infraestruturas. “Isto nada diz sobre a robustez da decisão jurídica, isto nada diz sobre a decisão que dá origem à demissão, o que fica claro é que os procedimentos para escrever essa decisão com o apoio do gabinete jurídico são iniciados depois da conferência imprensa em que é dada nota publica das demissões”.

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Mariana Mortágua aproveita para falar de um anúncio de demissão “precipitado”, mas, acrescenta, “o facto de ter sido anunciado antes não põe em causa a defesa jurídica desse processo, está lá [na documentação] a discussão jurídica e a participação de juristas especialistas na defesa da demissão feita”.

A deputada que está a candidatar-se à liderança do Bloco de Esquerda, “defende que o interesse público também é não pôr em causa sem termos elementos que o permitam, de forma leviana, e puramente barganha política não por em causa o interesse do Estado, porque o interesse do estado também é o interesse de todos nós. A decisão foi precipitada mas a evidência é de um trabalho jurídico que foi feito e quero acreditar que foi o melhor trabalho jurídico possível”.

Depois das revelações de Mariana Mortágua, Paulo Moniz, do PSD, também realçou que todos os documentos sobre a demissão são de datas posteriores a 6 de março, quando foi realizada a conferência de imprensa de Medina e Galamba. E vai mais longe, dizendo que “daquilo que foi possível analisar deixa-nos um imenso desconforto sobre a robustez jurídica. Adensam-se as fortes preocupações que já tínhamos de que despedimento não estava e não estará respaldado juridicamente”.

Também Bernardo Blanco, da IL, aponta a existência, no seu entendimento, de “argumentos que me parecem válidos”, havendo “outros que não parecem”. E revelou que não houve consenso entre os ministros sobre os argumentos a utilizar para demitir a CEO e o chairman. “Mesmo dentro do Governo, na relação dos próprios ministérios, esses argumentos para a fundamentação jurídica não eram consensuais”, mas prova-se, segundo o deputado, que “primeiro tomaram a decisão e só depois foi à procura da justa causa que cada vez mais é mais difícil de encontrar”.

Já depois dos deputados falarem foi divulgada pela CNN Portugal correspondência eletrónica, na qual está expressa esta divergência. A 11 de março, diz o canal de televisão, Maria Eugénia Cabaço, chefe de gabinete das Infraestruturas, diz discordar de duas razões para a demissão que são as que acabam expressas na deliberação unânime divulgada pelo Observador. A chefe de gabinete não concordará com o apontar de dedo em relação à assinatura do acordo de demissão com Alexandra Reis e à omissão de dizer ao Ministério das Finanças.

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Segundo relata a CNN, a chefe de gabinete de Galamba terá dito que “a ausência de comunicação entre as duas tutelas é um ponto de fragilidade do Estado e nessa medida não deve ser valorizado pelo próprio Estado, elegendo-o como um dos fundamentos da destituição”. O Ministério das Infraestruturas sabia “e disse que sim sem tratar de aferir a legalidade do ato e sem tratar de aferir se os procedimentos administrativos estavam a ser cumpridos. É uma fragilidade do Estado e um ponto de defesa dos interessados, como aliás eles já frisaram na sua pronúncia em sede de relatório”. Diz ainda que o facto de não ter dito não pode ser usado contra a CEO, porque o dever incumbiria a Manuel Beja.

Para a chefe de gabinete de Galamba, o ponto que devia justificar o despedimento é o da assinatura do acordo que foi considerado ilegal pela IGF. “Aqui trata-se de uma decisão de destituição, com base num único facto, assinatura do acordo, incluído o circunstancialismo em que ocorreu, já fundamentado de facto e de direito no relatório, cabendo agora justificar porque é que esse facto é grave ao ponto de conduzir a uma destituição”, cita a CNN um email do Ministério das Infraestruturas.

Esta documentação chegou à comissão de inquérito depois de pedidos do PSD que solicitou informação sobre a sustentação jurídica do despedimento dos dois gestores. E depois de duas ministras terem falado de um parecer mas que Medina disse não ser um parecer mas um apoio jurídico. O que levou Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, a dizer que tudo se tratava de uma questão de semântica.

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Fernando Medina depois de ter dito que as demissões estavam blindadas juridicamente garantiu, ainda, que o Estado não tinha recorrido a qualquer consultor externo para essa questão, tendo garantido que seria a JurisApp a apoiar o Governo no despedimento.