A Polícia de Segurança Pública (PSP) apresentou uma queixa-crime contra os autores do cartoon em forma de vídeo, transmitido pela RTP, que sugeria que os agentes de segurança têm mais pontaria para acertar contra pessoas negras. A polícia também se queixou da publicação do cartoon à Entidade Reguladora para a Comunicação Social e à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

Em comunicado, e apesar de os autores do cartoon já terem vindo explicar que o conteúdo do mesmo não tem a ver com a realidade da polícia portuguesa, mas francesa, a PSP diz que assim que viu o vídeo começou diligências para “aferir a existência de ilicitude e da identificação dos seus autores”, tendo já remetido a queixa ao Ministério Público, por considerar que há elementos “com relevância criminal”.

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No comunicado, descreve-se que o vídeo — intitulado “Carreira de tiro” — mostra o resultado dos disparos da polícia, que no “alvo de cor mais escura (que representa uma silhueta correspondente com uma pessoa de aparência africana), para além de acertar todos os tiros, fá-lo em zonas corporais letais”.

Para a polícia, o vídeo “formula e representa juízos ofensivos da honra e consideração de todos os profissionais da PSP” sem fundamento e é capaz de “ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devida à PSP” — elementos que são comprovados, argumenta-se no texto, pela última sondagem do ISCTE para o Expresso e a SIC sobre a confiança dos portugueses nas instituições, que mostra um resultado favorável para a polícia.

“Tais juízos, para além de ofensivos, não correspondem à verdade e são profundamente injustos, especialmente porque a PSP foi a primeira força de segurança do nosso país a aprovar, em 2005, um documento abrangente que define claramente as regras aplicáveis ao uso da força pública por parte dos seus profissionais, nomeadamente o recurso a armas de fogo contra pessoas”, prossegue o comunicado, onde se defende que a liberdade de expressão “não é um direito absoluto” e deve ser exercido “com respeito pelos outros direitos, igualmente com proteção constitucional”.

A polícia argumenta ainda que ao apresentar os polícias como “xenófobos e racistas” o vídeo não contribui para a “desejável paz social” e até pode “contribuir para uma perceção de ilegitimidade do uso da força pública, com potencial para afetar a desejável paz e harmonia social, que os polícias da PSP diariamente se esforçam por manter e defender”.

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O Sindicato Nacional da Carreira de Chefes da PSP já tinha apresentado uma queixa-crime contra os autores. Ao nível político, também se têm multiplicado as reações, com o Chega a chamar responsáveis da RTP ao Parlamento e o PSD a inquirir a televisão por escrito. Até o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, revelou que falou com o presidente do Conselho de Administração da RTP para lhe mostrar o seu “desagrado”, mas disse ter percebido depois a explicação dos autores.

E a explicação dos autores é que o cartoon não é sobre a PSP nem a realidade portuguesa. André Carrilho, Cristina Sampaio e Tiago Albuquerque também vieram reagir à polémica, frisando que o espaço em que o cartoon foi emitido, o “Spam Cartoon”, é um “espaço de opinião da RTP que comenta atualidade nacional e internacional”. Neste caso, “o mote foram os recentes acontecimentos em França, com a morte injustificada [de um jovem] às mãos da polícia francesa”.

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“Quer formal quer conceptualmente este cartoon nada tem a ver com a PSP nem com as forças de segurança portuguesas, como o atestam a ausência de símbolos e uniformes e o contexto em que foi emitido pela primeira vez”, remataram.

Esta segunda-feira o ministro da Cultura também comentou a polémica mas em sentido contrário em relação ao seu colega de Governo, defendendo que humoristas e cartoonistas devem poder trabalhar com “autonomia”.

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