As Nações Unidas divulgaram esta quarta-feira que o conflito no Sudão obrigou 3,1 milhões de pessoas a abandonar as suas residências, num contexto de crescente preocupação de que o país esteja a mergulhar numa “guerra civil em grande escala”.

Daquele total, pelo menos 738 mil refugiaram-se nos países vizinhos.

O caos no Sudão começou a desenhar-se em 15 de abril, com o início dos confrontos entre o exército regular, liderado pelo “homem forte” do país, general Abdel Fattah al-Burhan, e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), comandado pelo também general Mohamed Hamdane Daglo.

O conflito fez descarrilar as esperanças sudanesas de restaurar a frágil transição do país para a democracia, que tinha começado depois de uma revolta popular ter forçado os militares a afastarem o ditador Omar al-Bashir em abril de 2019, após um regime autocrata de mais de 30 anos.

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Um golpe de Estado, liderado pelos militares e pelas RSF, interrompeu a transição democrática em outubro de 2021.

Mais de 2,4 milhões de pessoas fugiram de suas casas para áreas mais seguras dentro do país, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

A maioria das pessoas deslocadas no Sudão fugiu do estado de Cartum (67%) e do Darfur (33%) para os estados do norte do país (16%), do rio Nilo (14%), do Darfur Ocidental (7%) e do Nilo Branco, especificou a OIM no final da semana passada, dando conta de movimentos migratórios nas fronteiras do Sudão com o Egito (40%), com o Chade (28%), com o Sudão do Sul (21%), com a Etiópia e com a República Centro-Africana (RCA).

Segundo a OIM, 65% das pessoas que fugiram para os países vizinhos eram cidadãos sudaneses e os restantes eram estrangeiros e refugiados que foram obrigados a regressar aos seus países de origem.

O conflito transformou Cartum e outras zonas urbanas em campos de batalha, com os paramilitares a ocuparem casas e outras propriedades civis desde o início do conflito, segundo os residentes e ativistas, além de relatos de destruição e pilhagem generalizadas em Cartum e Omdurman.

A vasta região de Darfur registou alguns dos piores episódios de violência do conflito, com os combates a transformarem-se em confrontos étnicos, segundo a ONU.

A RSF e as milícias árabes aliadas invadiram a região, obrigando centenas de milhares de pessoas a fugir das suas casas, de acordo com grupos de defesa dos direitos humanos.

Cidades e aldeias inteiras foram incendiadas e saqueadas, especialmente na província de Darfur Ocidental.

Os confrontos mataram mais de 3.000 pessoas e feriram mais de 6.000 outras, revelou no mês passado na televisão o ministro da Saúde, Haitham Mohammed Ibrahim. Todavia, segundo médicos e ativistas, o número de vítimas é provavelmente muito superior. Até à data, os esforços internacionais e regionais não conseguiram estabelecer um cessar-fogo negociado que permitisse às agências humanitárias prestar apoio aos civis ainda encurralados no conflito.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou no fim de semana para o facto de o país estar à beira de uma “guerra civil em grande escala”.

No início desta semana, uma reunião regional em Adis Abeba lançou a ideia de enviar tropas para o Sudão para proteger os civis. A reunião foi promovida pelo Quénia, Djibuti, Etiópia e Sudão do Sul, que fazem parte do comité de mediação da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, na sigla em inglês), bloco que integra oito países da África Oriental.

Na reunião de Adis Abeba, o “quarteto” convocou uma cimeira da Força de Alerta da África Oriental (EASF, na sigla em inglês) — um bloco regional de 10 membros –, para estudar o possível destacamento de um contingente no Sudão “para proteger os civis e garantir o acesso humanitário”.

A EASF é uma das cinco componentes regionais da African Standby Force (ASF), a força de manutenção da paz da União Africana (UA), cuja realidade operacional enfrenta inúmeros desafios.

A Presidência da República egípcia anunciou que vai receber os líderes dos países vizinhos do Sudão na quinta-feira para tentar encontrar um mecanismo de paz.

Os esforços regionais de mediação do conflito sudanês sucedem-se ao repetido falhanço das conversações entre as fações beligerantes na cidade costeira de Jeddah, na Arábia Saudita.

As conversações de Jeddah foram mediadas pela Arábia Saudita e pelos Estados Unidos da América.