Mais de uma centena de lojas do Centro Comercial Stop, na Rua do Heroísmo, no Porto, foram seladas esta terça-feira pela Polícia Municipal “por falta de licenças de utilização para funcionamento”, justificou a Câmara Municipal. Em comunicado, a autarquia presidida pelo independente Rui Moreira avançou que foram encerradas 105 das 126 lojas.

A operação começou durante a manhã e obrigou à saída de lojistas, tendo alguns músicos permanecido no exterior do edifício. O Stop funciona há mais de 20 anos como espaço cultural. Diversas frações são usadas como salas de ensaio ou estúdios.

Artistas lutam contra encerramento do centro comercial Stop: “Se isto fechar, o Porto perde a sua casa da música”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Câmara Municipal do Porto justificou a operação com “falta de licenças de utilização para funcionamento”, mas garantiu que “não é um processo de encerramento”. E o vereador da Economia da Câmara do Porto afirmou que o centro comercial não podia continuar a funcionar “sem condições de segurança”, assegurando que os músicos foram avisados de que o encerramento chegaria “mais dia, menos dia”.

“Os músicos já estavam avisados, e nós tínhamos vindo a falar com a associação de músicos, que isto era o cenário que ia acontecer mais dia, menos dia. Ninguém pode dizer que não estava a contar. Ninguém. Lamento”, afirmou à Lusa Ricardo Valente.

Foi marcada uma manifestação para as 18h desta terça-feira contra o encerramento e em defesa do Stop. O protesto está a ser divulgado nas redes sociais por artistas como Capicua. A mesma artista escreveu no Instagram que a autarquia não alertou “quem lá trabalha ou que tem estúdios e salas de ensaio”. “Agora temos o material todo lá dentro e estamos impedidos de entrar”, afirmou.

Várias figuras da área da música, como Benjamim, Ed Rocha Gonçalves (Best Youth) ou Samuel Úria também se pronunciaram sobre o assunto. “Que vergonha, @cmporto”, escreveu o primeiro no Instagram. Já Úria frisou que há “coisas prementes que não dá para ignorar”. E continuou: “Uma cidade com sucessivos autarcas a disfarçar complexos de inferioridade (ora através de miserabilismos, ora através de orgulhos megalómanos) não pode tratar com tanto desapreço um sítio que torna o Porto verdadeiramente superior. O Município alega agastamento num processo com 10 anos. Treta. Então e as quase 3 décadas de batimento cardíaco? Agastados de viver?”

Nas últimas horas, alguns partidos já reagiram ao episódio que aconteceu esta manhã. José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, lembra como o Stop se foi tornando “ao longo de anos“, a verdadeira “casa da música” do Porto, com mais de 100 salas de ensaio onde centenas de músicos “desenvolvem os seus projetos”. “Fechá-lo sem alternativa nem aviso prévio, sem diálogo com as pessoas nem um plano para preservar este lugar da música e das bandas da cidade, é um gesto de destruição de uma parte do tecido cultural e social, que se soma a muitas outras formas de expulsão das pessoas e de empobrecimento da cidade”, escreveu no Facebook.

“Mais uma vez, e apesar dos esforços para se encontrarem soluções, o Executivo de Rui Moreira, nas costas de todos, decidiu bloquear o acesso a centenas de músicos e comerciantes ao seu local de trabalho”, lê-se também na página de Facebook da CDU Porto. “Num longo e desgastante processo, a Câmara Municipal do Porto optou por dar um passo em frente no agravamento da situação existente, em vez de criar as condições necessárias para centenas e centenas de trabalhadores, comerciantes e músicos desenvolverem a sua vida”, acusam.

Administrador do Stop apanhado de surpresa com fecho de lojas

O administrador do Stop, que viu serem fechadas a maioria das lojas por ordem municipal, admitiu aos jornalistas ter sido apanhado de surpresa com o encerramento, dizendo não ter sido notificado da ação da Polícia Municipal.

“Acabou agora recentemente o prazo para executar as obras. Não foram feitas e a fiscalização da Câmara, sem me notificar — também não tem que me notificar, numa penhora ou execução não se notifica a pessoa de que vai ser feita – veio hoje fechar, e eu completamente [apanhado] de surpresa”, disse o administrador Ferreira da Silva aos jornalistas, no interior do centro comercial.

A associação de músicos do centro comercial “indicou uma arquiteta para fazer alterações ao projeto para se obter licenciamento” para o espaço, que, tal como um regime de propriedade horizontal, não tem um proprietário único, sendo as parcelas divididas pelos proprietários das lojas. “Esse projeto foi aprovado, mas o problema é que não há dinheiro para o executar. A questão é essa. Sempre disse, claramente, na Câmara, que não havia dinheiro para o fazer. O projeto implica seis milhões de euros e o condomínio não tinha dinheiro”, detalhou Ferreira da Silva.

Segundo o administrador, a Câmara do Porto “deu a entender” que não se “preocupasse muito com isso, mas sim com a legalização, que depois haveria de haver soluções”, sugerindo que se a autarquia “tivesse qualquer medida de fazer as obras”, e apoiar os condóminos, “provavelmente estariam absolutamente disponíveis para fazer um período de utilização” alargado, por exemplo, de 20 anos.

JOSÉ COELHO/LUSA

“A ideia não é tirar rentabilidade. As lojas aqui, a maior parte delas, estão alugadas a 125 euros por mês. Nenhum condómino está a ganhar dinheiro com isto”, disse o administrador Ferreira da Silva. Recordando que o edifício data de 1982, Ferreira da Silva detalhou que “naquela altura, os prédios eram vendidos na planta” e, “depois, no fim de estar o edifício construído, pedia-se a licença de utilização”. “Foi isso que falhou”, considerou.

“As pessoas receberam as lojas em planta, algumas frações fizeram obras para fazer pés direitos diferentes, e portanto a Câmara não aprovou a licença por causa dessas obras. A empresa que fez o prédio depois faliu, o construtor faliu e o arquiteto morreu. Quem fez o prédio deixou isto com as lojas todas vendidas, mas sem licença”, detalhou o administrador.

Questionado sobre se o edifício pode ser vendido como um todo, o administrador negou, devido à propriedade ser partilhada. “Basta um não querer, que não pode”, garantiu.

Quase 500 músicos ficam sem ter “para onde ir”, diz associação

A Associação de Músicos do Stop alertou que quase 500 artistas ficam sem “ter para onde ir”. “A maior parte do pessoal que está aqui, que são cerca de 450 pessoas, quase 500 pessoas, não têm para onde ir. Não têm locais para poder fazer barulho, para poderem estar o tempo que quiserem, que é o que tem de bom isto”, disse à Lusa o presidente da Associação de Músicos do Centro Comercial Stop, Rui Guerra, à porta do edifício.

De acordo com Rui Guerra, os músicos não foram notificados e a polícia municipal chegou ao centro comercial pelas 9h, não permitindo mais entradas, e “só a partir de amanhã [quarta-feira], com autorização especial, é que se pode retirar as coisas”. Apesar disso, à porta do centro comercial Stop, eram visíveis vários músicos a retirar instrumentos e equipamento técnico, ocupando todo o passeio à porta do estabelecimento.

“É uma perda. Eu não sei o que vai ser o futuro do edifício. Não faço a mínima ideia. Há muita gente que quer comprar isto, outros querem fazer muitas coisas aqui no edifício”, desabafou.

O responsável lamentou ainda o “transtorno” para os artistas, antevendo que “muita gente vá abandonar o edifício” para sempre. “Nós podemos entrar à hora que queremos, podemos sair à hora que quisermos e trabalhamos as horas que queremos”, detalhou Rui Guerra à Lusa, referindo-se às vantagens do espaço para os seus utilizadores.

Rui Guerra disse ainda que a associação vai contactar a Câmara do Porto e que os músicos se vão tentar organizar para um protesto hoje ou quarta-feira, “embora isto funcione sempre num caos, e só assim é que funciona”. “Músicos é assim mesmo”, concluiu.

Nas redes sociais, a Associação está a apelar à “comparência junto ao STOP por volta das 18h no dia de hoje para um Grande Plenário”.